30.12.09

Santarém - Uma viagem à minha terra…

Hoje, fui às Portas do Sol, Santarém, (re)ver o Tejo. Apesar do comboio parecer o mesmo, a extensão de água é bem diferente da que ficara alojada na minha memória dos anos 60. E das muralhas, não consegui ver a Santa Iria que…, tendo sido compensado pela “liberdade” do Manuel Sousa Coutinho, na Rua Direita.

Nesta minha viagem (que nada deve a Almeida Garrett!), a decepção instalou-se, quando me apercebi que nos campos, balizados pelas muralhas fernandinas (?), em que outrora jogara futebol, havia agora um mal amanhado parque de estacionamento. E do Ginásio, o que é que fizeram? E, finalmente, tenho que confessar que ainda não foi desta vez que consegui visitar o Convento de S. Francisco. Desde que li As Viagens na minha Terra e tenho notícia das malfeitorias dos exércitos napoleónicos,  que sonho  entrar naquele desditoso monumento. Cheguei por volta das 11h00, mas estava fechado! Para compensar a frustração, a cidade pareceu-me mais dinâmica e, sobretudo, fiel a algumas tradições. 

/MCG

28.12.09

TETRO e a VOZ…

TETRO, de Francis Coppola, ou a regeneração da família, após uma descida aos infernos numa Buenos Aires híbrida e caótica. Rejeitando a catástrofe sempre iminente, F.C. opta pela esperança… Devolve à família o lugar de alicerce da (nova) sociedade.
No entanto, fora do ecrã, as fronteiras diluem-se, não fazendo qualquer sentido legislar sobre o modo como nos devemos arrumar nas gavetas do fisco.
A semântica, que tanto tempo leva a consolidar-se, trai-nos a cada passo e não fosse a atávica ignorância, o Governo, em vez de legislar sobre as “partes” que podem constituir o casal, deveria empenhar-se em resolver os verdadeiros problemas que nos arruínam a cada dia que passa.
Nem a tragédia nem o drama são solução. Só a voz pode crescer e afirmar-se, dando sentido à existência.

26.12.09

O barro de que somos feitos…

 A 26 de Dezembro, ainda há quem nos lembre o barro de que somos feitos. Bastar percorrer a rua Augusta (Lisboa); não precisamos de esperar pela quarta-feira de cinzas! Neste caso, o barro é amoroso e promete uns tempos, ainda que breves, de felicidade.

23.12.09

E se os ventos recolhessem a sua fúria?

O Natal é palhaço, água e carroça. Quase sempre musgo, muitas vezes pedra.Também pode ser palha, menino… e acaba sempre numa cruz! Neste Natal, há amigos que sofrem e por isso os ventos andam desenfreados. E se os ventos recolhessem a sua fúria? A todos os visitantes, Bom Natal!

22.12.09

Obrigado…

 

Concordo. Não posso seguir o exemplo do Alexandre Herculano que acreditava mais no olival do que no parlamento. Quanto ao parlamento actual, o seu estado é ainda mais deplorável do que no século XIX e por isso raramente lhe dou atenção. Não sendo filiado em nenhum dos bandos que consomem os euros europeus, limito-me a colher uns tantos figos que alegram o paladar da minha mulher… e a azeitona fica por conta de um outro familiar mais guloso. Do azeite, apenas vejo um fio luminoso que mal chega para temperar a ceia de Natal…

No reino de Cavaco, não ouso falar de cavacas (nem das caldenses nem das que, neste início de Inverno, poderiam alimentar o fogo regenerador!). Para cavaquear temos o Sócrates e BASTA!, como diria o Almada. E,de facto, a cultura mediterrânica nada diz aos maiorais deste país.

No entanto, a velha oliveira e a não menos velha figueira conseguiram um milagre: o amigo Joaquim Beja pronunciou-se. Há quanto tempo não lhe sentia o humor?

Ainda há dias de júbilo! Para mim, este ano, o Natal chegou mais cedo.

Obrigado. 

16.12.09

Avaliar a indisciplina…

Actualmente, os estudantes do ensino secundário revelam-se capazes de avaliar o trabalho realizado e, na sua maioria, são ponderados na auto-avaliação. Uns tantos chegam a ser modestos.

No entanto, uma minoria valoriza excessivamente o pouco trabalho que efectua e, sobretudo, desvaloriza o prejuízo que resulta da sistemática perturbação que gera na sala de aula.

A indiferença em relação ao trabalho  dos colegas, a interrupção permanente, as conversas paralelas são factores que, se negligenciados, acabarão por atrasar o processo de ensino e prejudicar todos aqueles que têm mais dificuldades.

Se queremos uma sociedade mais justa não podemos continuar a premiar a indisciplina.

13.12.09

O anátema do comboio

Já foi assim na segunda metade do século XIX. O povo, que dera novos mundos ao mundo, via na locomotiva uma máquina infernal capaz de destruir as colheitas e os povoados.

Entretanto, com a circulação do monstro, uma nova geração descobre Paris e sonha ligar Portugal à Europa. É esse o sonho que surge como objectivo primeiro dos conferencistas do casino, em 1871.

No entanto, o país não deixa de ser provinciano. O seu escol bem procura o estrangeiro, mas volta sempre, quando volta, com o sentimento de que há algo de irremediável na atitude portuguesa.

Em meados do século  XX, o comboio volta a ter um papel fundamental no êxodo dos emigrantes. Viajar de comboio torna-se numa penosa e promíscua odisseia. O sonho do regresso passa a fazer-se anualmente em velozes e mortíferos carros, tudo para evitar o maldito comboio.

Hoje, continuamos a suspeitar do comboio. Parece que tememos que ele nos leve de vez para essa Europa tão desejada pelos homens da geração de 70. Preferimos o isolamento, mesmo sabendo que já ninguém quer saber da epopeia de quinhentos.

E é pena, mesmo que viajar seja perder países!  

10.12.09

A via…

Há sempre quem nos queira convencer (Kant?) que o pensamento dogmático é o pensamento ingénuo, o pensamento sem suspeita e, portanto, sem vigilância.

Levianos seremos nós se nos deixarmos levar por tal ideia. Embora os seguidores pensem pouco ou nada, a verdade é que quando o fazem, é sempre no seu interesse, indiferentes aos estragos.

A estrada é lhes aberta por um estratega que preza os bastidores…, apenas uma folha que cai no caminho…

( Da tradução à traição, vai apenas um pequeno desvio… Não vale de nada olhar para o étimo, nem para a via!)

8.12.09

O Belo é a expressão sensível da Ideia (Hegel)

Não há nenhuma incompatibilidade entre a educação da sensibilidade (valores estéticos) e da racionalidade (valores lógicos).

A escola, ao definir as linhas orientadoras do projecto educativo, não pode esquecer que a sua oferta formativa deve ser equilibrada. Se queremos contribuir para que a sociedade seja mais solidária, não podemos ceder à pressão da “procura”.

O critério de decisão não pode ser o curto prazo. Quem dirige tem de saber projectar o futuro. E, ao contrário do que comummente se diz, o decisor não é obrigado a reger-se por critérios economicistas e de prestígio social. Basta que tenha presente a lição do passado.

Uma boa parte da decadência portuguesa tem origem no modelo de escola que separa os valores estéticos dos valores lógicos, sem qualquer proveito.

7.12.09

Notas soltas…

A filosofia está matricialmente comprometida com a razão social, sem descurar o desejo, o amor, a vontade de sabedoria (sofia) e de sageza.

A modernidade encena a emancipação da filosofia relativamente à teologia. O ateísmo é o limite desse caminho. E o percurso é extremamente doloroso na 2ª metade do século XIX (os poetas desesperavam pelo nirvana libertador…). No século XX, esse percurso tornou-se cínico. Veja-se a obra de José Saramago.

Hoje, Epicuro regressou com a experiência interior transmitida por gurus momentâneos e hedonistas.

Entretanto, o sábio é aquele que é o outro pelo seu saber /fazer – a alteridade liberta do particular…

5.12.09

Quebre o espelho!

Nora Ephron, na obra Não Gosto do meu Pescoço e outros Humores, Achaques e Amores da Vida das Mulheres , é contundente na abordagem do envelhecimento: “Os nossos rostos são uma mentira e o pescoço é a verdade. Desistam de querer enganar ou então escondam o pescoço. Desviem-se de espelhos, usem gola alta e lamentem-se de não terem passado mais horas a contemplar o pescoço antes da hecatombe."

Uma ideia que dá que pensar sobre o tempo que homens e mulheres gastam frente ao espelho. Provavelmente, somos dominados pela vaidade. Nora Ephron não terá lido José Rodrigues Miguéis que, em tempos, escreveu uma bela ‘estória’ intitulada A Importância da Risca do Cabelo.

Eu também não li Nora Ephron, tendo, no entanto, visto hoje o filme por si realizado, Julie & Julia (2009). Duas mulheres ( ou serão três?), em tempos distintos, preenchem o tempo, a escrever e a executar receitas de cozinha francesa, com o objectivo de ensinar os americanos a cozinhar… A testagem das receitas é fonte inesgotável de situações cómicas bem representadas /caricaturadas por Merly Streep e por Amy Adams, com a particularidade desta última dar corpo a um blog, onde durante 365 dias regista o (in)sucesso da sua emulação e da relação com o trabalho e com o marido.

Em conclusão, se lhe sobrar algum tempo ou se o não tiver quebre o espelho e vá ao cinema ver Julie & Julia, e verá que não perderá o seu tempo.

3.12.09

Chicos-espertos…

Em nome da democracia, uns procuram afanosamente escutar e aceder às conversas das figuras mais ou menos publicas, outros (os mesmos?) escondem religiosamente as fontes, de forma a impressionar o saloio. Infelizmente, há cada vez mais parasitas entre nós!

1.12.09

À solta…

Há sempre quem queira mandar, mesmo que seja para cumprir, ou não, uma elementar regra de jogo!

Há sempre quem fale em nome do conhecimento científico, sem sequer perceber o que é o conhecimento e, sobretudo, sem entender a precariedade do ‘científico’!

Quantas aves de rapina se apropriam do trabalho alheio sem sequer pedir licença?

Há sempre quem só consiga dizer mal, mesmo sem revelar original competência!

(Criar, pensar, fazer…)

Ajudar a fazer, a pensar, a criar.

(E ainda há quem diga que o teatro português está em crise! Na tenda ou no palácio, o mundo está a nossos pés.)

Contra a fraude!

29.11.09

Um lugar...

Gravada, encontrei esta ideia de Italo Calvino num jardim de Portimão. Ainda me falta, todavia, encontrar a imaginação.

27.11.09

O Blemias do Jorge Castanho

No dia em que o Blemias perdeu a sombra... o caderno que estava sobre o estirador que faz assessoria à criação por computador foi então guardando as manchas que instintivamente lhe eram distribuídas pelo pincel chinês, ajudado pelo colorido de umas velhas aguarelas…

A raça dos Blemias terá vivido no deserto sem nunca ter perdido a cabeça, a não ser quando os cabeças-a-descuberto se aventuraram por entre as dunas  e, cegos pela areia, desataram a fugir perante aqueles  distantes fantasmas que, para se protegerem dos inimigos, usavam uma máscara e um escudo que os protegia do nariz aos joelhos… uma miragem que acabou por gerar um ser mitológico muito bem animado pelo Jorge Castanho…

Algo me diz que não estamos a dar a devida atenção à obra do Jorge… Quanto a mim, espero que, havendo por aí tanta gente assombrada, o artista lhes recrie os diálogos, com ou sem escutas, e nos deixe ver o produto da sua imaginação.

Finalmente, confesso que frequentemente dou comigo perplexo com a minha dupla sombra, talvez porque ainda não me aventurei por nenhum deserto, apesar de se me atravessarem no caminho aqueles versos de Sophia /Para atravessar contigo o deserto do mundo / Para enfrentarmos juntos o terror da Morte/…

26.11.09

On ne badine pas avec l’art…

Kelly Basílio testa a sua interpretação de ETERNO EFÉMERO. Na plateia, sob o olhar trocista de alguns alunos do 10º B, um (in)esperado convidado dorme a sono solto, tornando o momento do aplauso delirante. Em contraste, outro aluno lê O SONHO DO PRISIONEIRO. No geral, o público adolescente respeitou a circunstância e o Homem, embora tenha perdido a oportunidade de questionar a relação entre a vida e a ficção.

Entretanto, Urbano Tavares Rodrigues soltara o olhar sobre o azul masculino e feminino – um azul fascinado e respeitoso, transformado em atrevido e libertino personagem.

Em Urbano, a literatura solta as amarras da contenção e sob as palavras irrompe em sonhos de esteta… Infelizmente, a sua circunstância determinou-lhe o programa, o compromisso, e fê-lo refém de solidariedades respeitáveis, de cumplicidades fraternas, de ternuras irrequietas e inequívocas…

O Homem salva a alma, mas Prometeu continua agrilhoado…

25.11.09

Urbano Tavares Rodrigues, amanhã…

Pelas 17 horas, receberemos, no Auditório da Esc.Sec. de Camões, um Homem que sempre esteve disponível para nos ajudar a interpretar a acção humana.

De si próprio, Urbano disse um dia: «Sou um homem reservado, não falo muito, tenho uma certa dificuldade de comunicação. Os romances são para mim uma forma terapêutica de catarse, até certo ponto.»  Entrevista conduzida por Maria Teresa Horta a pretexto do romance Violeta e a Noite, DN, 19 de Maio de 1991.

Em 1991, Urbano reflectia sobre a aproximação da morte: «Penso que a velhice  é um pouco uma espécie de necrose da memória, dos sentimentos. Há muitas fontes que secam no homem, como por exemplo a imaginação, que vai diminuindo, embora outras coisas, paradoxalmente, aumentem, porque a experiência traz uma série de ensinamentos que faz com que o escritor seja capaz de estruturar e escrever melhor uma obra aos sessenta do que aos vinte ou aos quarenta

Em 1991, Urbano, apesar da agonia dos regimes comunistas, continua a ter esperança no futuro: « Acredito que, se pudesse cá voltar daqui a vinte ou trinta anos, já encontraria em marcha coisas que neste momento não são ainda pensáveis (…) o socialismo é necessário, só que tem de se realizar em liberdade.» 

(Nestes dias, o auditório revela-se quase sempre parco em perguntas. Creio, no entanto, que seria interessante interrogá-lo sobre estes últimos 20 anos. Sobre a natureza da sua dificuldade de comunicação. Sobre as fontes da imaginação e  a importância da experiência. E, também, sobre o tempo que viveu no Liceu Camões. Sobre o tempo de decorreu entre a Queda do Muro de Berlim e o dia de amanhã. Sobre o significado da ‘liberdade’ no mundo actual.)

A porta está aberta, mas poucos a atravessam!

24.11.09

Num hospital…

No Hospital Rainha Santa Isabel faltam os auxiliares de limpeza - são necessários 30 minutos para que apareça um auxiliar de limpeza na recepção do serviço de urgência. Qual inoportuna ‘instalação’, o vomitado expõe-se, ali, mesmo em frente do guichet de recepção!

Faltam os médicos. Os doentes esperam (im)pacientemente que algum se lembre deles. Só com muita insistência, com muito “por favor” se consegue que o doente seja visto, ao fim de oito horas. E se  o doente é idoso, está sozinho e incapacitado de se mover e  de exigir os seus direitos, acaba por ficar num corredor à espera, à espera, sem ser limpo nem alimentado.

Ontem foi assim mesmo. E amanhã, como será?

21.11.09

Sem graça…

Nada me importas, País! seja meu amo

O Carlos ou o Zé da T’resa… Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!

          António Nobre, 1989

Apetece concordar com esta patética exclamação de quem, nas margens do Mondego, se via ostracizado e encurralado por uma mentalidade mesquinha e interesseira que corroía a nação de cima a baixo.

(Só a partida para o estrangeiro, e o consequente desenraizamento, permite descobrir algumas das virtudes do estéril solo pátrio que não da humana gente.)

Hoje, trabalhei todo o dia na esperança que amanhã tudo pudesse ser diferente. No entanto, às 20h00, o bombo soou mais uma vez: a suspeita que deveria calar-se de vez, não!… alastra insidiosamente pelas paredes e deixa-me zonzo, a pensar que mais valia ter nascido em terra onde já não existissem nem amos nem vassalos.

19.11.09

Vermes e aves de rapina…

O laxismo vai fazendo o seu caminho, baixando cada vez mais os níveis de exigência. Moralmente, assiste-se a um esforço de ruptura e de reconfiguração da sociedade, colocando em causa o essencial dos costumes.

(As comportas já começam a ceder.)

Ao perdermos o sentido da responsabilidade colectiva, questionamos permanentemente a autoridade e fugimos da hierarquia como o diabo da cruz. Nivelamo-nos num horizonte igualitário, cujos custos evitamos calcular.

(Os bolsos esvaziam-se calculadamente.)

E esse nivelamento, onde a diferença deixa de ser valorizada, acabará por nos verminar definitivamente, tornando-nos pasto das aves de rapina que pairam sobre nós…

(É difícil viver na terra que ainda nos acolhe…)

12.11.09

Apesar de não ser da minha alçada…

Há mais de 30 anos que andamos a refundar a educação sem que a sociedade reflicta esse esforço reformista. Pelo contrário, a sociedade dos interesses apropriou-se do Estado e não descansa enquanto o saque não estiver terminado.

Entretanto, a nova ministra da educação promete que vamos, uma vez mais, voltar às origens, porque o melhor para os novos “pioneiros” é construir um novo sistema educativo, mesmo que a legislatura não chegue ao fim - “enquanto o pau vai-e-vem folgam as costas”, isto é, enchem-se os bolsos…

Todos sabemos que desenhar um modelo leva tempo, custa dinheiro e provoca cefalalgias (enxaquecas), o que não parece afligir a senhora ministra Alçada, pois, “alçada”, em bom português, é uma palavra tranquilizadora, sinónima de ‘competência”… E no caso desta senhora, para além da ‘competência’, há nela um altivo ‘saber fazer’ que não necessita sequer de receber instruções do (senhor) primeiro ministro.

Haja paciência!

PS: No tempo em que me dedicava ao estudo da linguagem não verbal, deparei-me frequentemente com tiques (sintomas) pouco auspiciosos… Por isso transcrevo o seguinte verbete do Moderno Dicionário da Língua Portuguesa:

enxaqueca
en.xa.que.ca
(ê) sf (ár ashshaqîqa) Med Cefalalgia hemicrânica, acompanhada, às vezes, de distúrbios digestivos e oculares.

11.11.09

A morte dos provérbios e não só…

No dia de S. Martinho vai à adega e prova o teu vinho.” /“Dia de S. Martinho fura o teu pipinho.”
No caso dos adjetivos possessivos, a morte é parcial – no lugar do  velho adje(c)tivo, alguém colocou um determinante precedido de outro determinanteo teu vinho” / “a tua castanha”…, mas ficou a noção de ‘posse’, em terra de gente ludibriada…
No caso do provérbio, a situação é bem mais grave. Quem é que vai à adega provar o vinho produzido por si? Quem é que é introduz o seu pipo no barril ou o pipo no seu barril?
Afinal, quem é que ainda conhece a relação entre o pipo e o barril? Provavelmente, só o ladrão furtivo…
A morte dos provérbios é determinada pelo declínio da vivência rural. De facto, comemos gulosamente a castanha, substituimos a frugal ‘aguapé’ pela licorosa ‘jeropiga’, numa liturgia de ricos ignaros sem necessidade de criar novos provérbios.

9.11.09

As faltas de comparência…

A indiferença e a má-vontade não explicam a falta de comparência.
A ESCamões como fábrica de eventos não pode esperar que o público cresça no seu interior. Desde as comemorações dos 90 anos do edifício que defendo como estratégia: tudo fazer para que  alunos, professores e funcionários se envolvam numa  “escola participativa”, considerando-os agentes e não destinatários. Se esta estratégia tivesse vingado, teríamos, hoje, uma “escola como cultura” e não um misto de “escola como arena política” ou de “escola como burocracia”.
(A explicitação dos conceitos utilizados no parágrafo anterior deve ser procurada na obra de Jorge Adelino Costa, Imagens Organizacionais da Escola, Asa, 1996.)
Agora que se volta a discutir o “projecto educativo” regressa a necessidade de esclarecer qual é o modelo organizacional que a ESCamões quer.

6.11.09

ESCHERICHIA

Acabo de tomar conhecimento que o Exploratório Ciência Viva, no Parque Verde do Mondego, Coimbra, promove, hoje, um encontro cujo tema é «Poesia & Ciência»…
Tenho pena de não poder estar presente, eu que procuro uma explicação para tanto alheamento da poesia e, também, do texto dramático. Poucos são os alunos que procuram ler os nossos poetas… continuam a vê-los como ‘loucos’… Preferem a ficção estrangeira, preferem traduções manhosas… Não revelam apego (paixão) pela língua, não vêem que o seu futuro está inscrito nesse magma matricial…
Para atalhar qualquer surto de ‘escherichia’ mais ou menos viajada, deixo aqui uma engenhosa e divertida incursão de Vitorino Nemésio por esse espaço privilegiado em que a ciência se dilui em verso:
                       
Mandei fazer o electrocardiograma
À minha «Beatriz de mão gelada»:
Mas fui eu, fui eu só que fui à cama,
Eu, claro! não Beatriz, nem Dante, eu nada!
«Mas única Beatriz consoladora»
Então não era a Morte reservada
A quem tem coração pela vida fora
E por ele sobe em hélice animada?
Em gráfico de sismo a sina veio
Nessa foto cardíaca: – « Receio
Que morra, Daisy!» Não: Que morra, Dolly!»
Pois eu não sou o Fernando Pessoa
Ou Antero, nem em Inglês seu nome soa,
Que minha Musa é Escherichia Coli.
                         
Escherichia ou Beatriz, que importa o nome
Se ambos me soam igualmente belos?
A prometida morte nos consome
Como flor prometida nos carpelos.
Assim tu, Escherichia, és meu tormento
E nocturno tremor, Beatriz funérea!
Quem nasceu para casto fingimento
Afinal pode amar uma bactéria.
                      
Pego em Escherichia  ao colo,
Musa micrónica, etérea,
Mas não já de éter sulfúrico
Senão feminil bactéria.
Por ela todo estremeço
Em suor e ácido úrico!
                                                                  in Limite de Idade   

5.11.09

The Seven Deadly Sins c. 1480, Museo del Prado, Madrid


Hieronymus Bosch e Gil Vicente – a mesma visão do céu, da terra e do inferno, às portas do Renascimento. H. Bosch pode ser uma boa estratégia para dar a conhecer a literatura medieval ...

3.11.09

Entrei em Novembro…

Entrei em Novembro com a sensação de que me falta o tempo para a maior parte das tarefas. O meu ritmo de trabalho vem diminuindo tal como as minhas certezas… De repente, sinto-me na necessidade de debater com os meus alunos regras de cortesia, fórmulas de tratamento, a diferença entre actos ilocutórios directivos directos e indirectos e os efeitos da minha opção pelos últimos… Sinto que esta opção é fruto da crise de autoridade que se instalou nos últimos anos e que os custos são muitos elevados para aqueles que estão na sala para aprender.

Alguns alunos desejam saber se falo deles neste blog. Subitamente, temem ver-se num palco que não podem controlar verbal ou gestualmente. De verdade, é na sala de aula que montam a arena, procurando bandarilhar o mestre de cerimónia ou, no pior dos cenários, fazem como o touro que, na sua absoluta cegueira, ignora o forcado…

De qualquer modo, hoje, dou espaço ao blog do G(onçalo), deixando ao leitor a possibilidado de entrar no território de um jovem bem menos atormentado pelo curso dos dias…   

29.10.09

Pulsão de morte na escola…

De acordo com a tradição, o ensino tende a sobrepor-se à educação nas escolas secundárias. Muitos docentes continuam a pensar que a educação é uma competência das famílias. No entanto, num tempo em que a escolaridade obrigatória se estende até aos 18 anos e as famílias se desagregam com a maior das facilidades, há cada vez mais jovens que revelam dificuldades de integração.

Essas dificuldades são expressas através do alheamento, do desinteresse, da «hiperactividade” (erradamente, associada a um nível superior do domínio cognitivo), da agressividade ou de uma auto-estima, por vezes, tão elevada e cega que o outro é visto como o «carrasco».

A vitimização é um dos efeitos da frustração relacional que, construída de forma cumulativa, pode desencadear situações de autodestruição ou, nos casos em que a relação afectiva colapsou, pode gerar episódios de punição colectiva. A vítima decide eliminar exemplarmente o carrasco, certa de que socialmente o seu nome verá o reconhecimento que lhe permitirá integrar a galeria dos heróis.

(Os sinais da pulsão de morte estão disponíveis. Infelizmente, continuamos ou a não ser capazes de os ler ou a virar-lhes as costas. De facto, preferimos  a tragédia ao drama.)

Glossário anunciado…

Política de educação = literatice, avaliação, pte, isto é, ministra +  secretário de estado adjunto+ secretário de estado

Contestação = saco de gatos + sindicatos + professores + alunos…

Resultado final? Porta-aviões ao fundo!

28.10.09

Quem é quem na Educação?

Alexandre Ventura é licenciado em Ensino do Português e do Francês (pela UA) e mestre em Análise Social e Administração Escolar (também pela UA). Em 2006, doutorou-se em Ciências da Educação com uma tese sobre Avaliação e Inspecção das Escolas. Fez todo o seu percurso académico na Universidade de Aveiro onde é professor auxiliar (na carreira universitária, há as seguintes categorias: professor auxiliar, professor associado, professor catedrático). Alexandre Ventura não possui a agregação, mas tem uma vasta obra publicada sobre organizações escolares e avaliação de escolas. Para além de professor auxiliar na UA, Alexandre Ventura é consultor e formador nas áreas de avaliação de escolas e administração escolar. Alexandre Ventura é uma personalidade muito próxima do PS. Foi subinspector geral da educação, em 2007, por proposta de Maria de Lurdes Rodrigues. E colaborou activamente com o Governo PS durante a presidência portuguesa da União Europeia.
As linhas de acção estão definidas: apostas na avaliação das unidades de gestão e dos recursos humanos e no plano tecnológico da educação. À Ministra competirá dar rosto às orientações do Primeiro-Ministro. Os sindicatos irão ficar à porta.
João Trocado da Mata
João Trocado da Mata

27.10.09

Um século de literatura no Liceu Camões

No presente ano lectivo, “Os Encontros ao fim da Tarde” mudaram de nome. Associando-nos à celebração dos 100 anos do edifício, decidimos variar o horário para que professores e alunos participem activamente em cada uma das evocações de escritores que, na qualidade de alunos e/ou professores, aprenderam / ensinaram nesta nobre instituição.

Hoje, honrando a memória interventiva do antigo aluno do novíssimo edifício do Liceu Camões (1909-1911) e a modernidade da escrita de Mário de Sá-carneiro (1890-1916), o Professor Fernando Cabral Martins (U.N.L.) proferiu, no Auditório Camões, uma serena e  bem estruturada palestra sobre a vida e obra do novelista e do poeta. A  professora da extinta Oficina de Expressão Dramática, Inês Nogueira, entusiasmou a plateia com a sua declamação dos poemas SERRADURA e CARANGUEJOLA. Talvez um dia, este Auditório possa testemunhar a representação de uma das três peças escritas pelo Mário (com a colaboração dos amigos Tomás Cabreira Júnior e Ponce de Leão)  : O Vencido; A Amizade; A Alma. Se o conseguirmos, atalharemos provavelmente algumas dificuldades reveladas pelo jovem público que encheu a Sala.

Globalmente, a escuta foi positiva, havendo mesmo muitos alunos que tiraram notas e outros que fizeram perguntas. No entanto, há quem não tenha o sentido de oportunidade: mudança de lugar no início da sessão; saída extemporânea da sala, perturbando a atenção do auditório; saída da sala no momento em que decorre a declamação de poemas ; conversa de pares; utilização do telemóvel para partilhar imagens e enviar sms. Esperemos que nas conferências sobre Urbano Tavares Rodrigues (Nov.) e José Cardoso Pires (Dez.), a recepção possa melhorar um pouco, pois educar é limar a natural imperfeição… 

25.10.09

As portas do mar...

À porta dos reis cansados de governar um país ocupado...como se eles fossem de outro barro. Suseranos e vassalos irmanados no mesmo desejo: a fuga.
Partimos para o exílio de nós próprios, pequenas ilhas depois esquecidas na voragem das ondas. De regresso, não lembramos mais a porta do mar. Ficamos, deitados na areia ou à sombra dos pinhais, à espera de uma nau por haver. E, na espera, sonhamos o pendão perdido na maledicência do quotidiano.

24.10.09

Trio Duarte Costa

O Trio Duarte Costa actuou esta noite no Auditório Camões, no âmbito do centenário do edifício.

Obrigado. Não é todos os dias que os antigos alunos nos oferecem gratuitamente a sua arte.

Obrigado Isabel Almeida, gostei de a ouvir e, sobretudo, apreciei a sua disponibilidade para aprender /actuar com os mais velhos, a tranquilidade que emana do seu dedilhar das cordas.

22.10.09

O humor de Sócrates…

Terá Sócrates sentido de humor? Será Sócrates um cínico? Não é frequente um primeiro-ministro, na escolha dos seus ministros,  deixar-se condicionar pela ágora. No entanto, no caso do ministro da educação, o nome da Drª Alçada Isabel Alçada circulava há meses na comunicação social, como certeza…

Quem é que a tornou imprescindível? Inevitável? Apesar do que se diz da arrogância de Sócrates, parece-me que a escolha não é de Sócrates, a não ser que Sócrates tenha decidido pôr à prova a paciência dos portugueses… Um ministro da educação não tem que ser um professor (filósofo ou não!) nem um escritor!

Um ministro da educação tem que ser capaz de desenhar e aplicar um projecto educativo nacional a longo prazo, liberto das teias de interesses que minam o terreno…

Para gerir os interesses, basta um secretário de estado ou um director-geral.

Se a Drª Isabel Alçada não entender este princípio, tornar-se-á na cicuta de Sócrates.

21.10.09

O elogio da formiga…

Quem é que respeita a formiga? Hoje, elogiei uma formiga, apesar de esta se ter deixado seduzir pelas cigarras. Enfim, ninguém é perfeito!

Lembro-me que a ceifeira de Fernando Pessoa cantava na sua alegre inconsciência. Pode parecer que a ceifeira veste de cigarra, mas não: a ceifeira, na alma, não passa de uma formiga mal remunerada que prefere a canseira à pasmaceira antecipada da morte…

19.10.09

Não temos pejo…

R.E. continua convencido que M.S. era um finório. Tudo em nome do semi-presidencialismo. Afinal, o modelo constitucional ainda não tinha sido experimentado. E ele, R.E., convenceu-se que lhe competia tutelar o governo e, como M.S. não deixava, fundou um novo partido. Em nome da nação! A bem de Portugal!

Nesta, como noutras questões, convencemo-nos facilmente que temos razão. Iluminados, não temos pejo em deturpar a História, não temos pejo em ajustar contas com quem não se pode defender…

Andamos, desde João das Regras, a construir e a legitimar heróis em nome das instituições. E sempre do mesmo modo!

(E, também, se tivessemos optado pela verdade, pela legitimidade, há muito que não existiriamos como colectividade.

18.10.09

100 anos a aprender no Camões

Video da Presidência da República que regista a intervenção do Sr. Presidente da República na sessão solene de 16 de Outubro de 2009.
Uma intervenção que deve ser tomada em consideração na revisão do Projecto educativo que agora se inicia.
http://www.youtube.com/watch?v=kzGKJ5hgmIY

17.10.09

Pôr à disposição…

Ter uma ideia

participada

e vê-la abocanhada

desfolhada

embrutece.

Estar lá e ficar de fora…

vassalos devorados

rasurados

traídos no Livro da vida.

 

15.10.09

Do Quiroptário à Pedreira do Galinha...

Foi no Quiroptário do Carsoscópio do Alviela que os alunos do 10ºA e do 10ºQ da ESCamões se sentiram, no dia 14 de Outubro de 2009, mais envolvidos, sem esquecer a vertigem proporcionada pelo simulador do Geodromo. E esse envolvimento foi de tal ordem que sempre que surgia uma "aberta" na visita, os 47 jovens se lançavam ao farnel, procurando imitar os morcegos que, de acordo com a informação que lhes foi prestada, comem, em cada noite, metade do seu peso.
Desta vez, os olhos de água tinham secado.

No monumento natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire. (Um misto de desconfiança e de curiosidade.)

As Pegadas. Com dedo?

(O direito à preservação da imagem.) O Dr. Granja explica e, neste caso, os alunos, cansados, ouvem a história dos trilhos dos dinossáurios.
 Uma paisagem bem diferente daquela que existiria há 175 milhões de anos! E já que passámos por aqui, aproveito para recomendar a leitura de LAPEDO UMA CRIANÇA NO VALE, de João Aguiar...
/MCG

13.10.09

Padre António da freguesia da Assentis no Jogo Duplo?

Atónito, telefonei a confirmar. Seria mesmo o Padre António?Confirmado. Nunca pensara vê-lo ali. Mas porquê? Padre António não faz jogo duplo. Se ali estava é porque terá um motivo muito forte... o contributo dos  paroquianos para a côngrua deve ter diminuido significativamente! Sinal dos tempos. Não creio que o Padre António tenha cedido à vaidade nem ao desejo de partir para os mares do Sul. Aqueles olhos não mentem: concentrado no objectivo, Padre António procura 10000 €, ciente que Deus há muito deixou de se ocupar dos problemas dos seus presbíteros e que os paroquianos só se lembram de Santa Bárbara quando troveja. Como eu o comprendo!

12.10.09

É a hora de…

Apurados os resultados das europeias, das legistativas e das autárquicas, é tempo de, nos próximos quatros anos, governar com responsabilidade, cumprindo as promessas exequíveis.

As manobras políticas devem cessar, dando espaço à clarificação das iniciativas para o desenvolvimento, e no caso dos perdedores ao reajustamento e à preparação do futuro.

E na circunstância seria bom que o presente ocupasse o palco por inteiro.

(Claro está que já andam por aí umas almas a assombrar qualquer decisão, a pôr em causa qualquer escolha, a menorizar o sentido do voto dos portugueses.)

É a hora de desprezar os intriguistas, os manipuladores, os derrotistas. É a hora de construir o presente!

11.10.09

Nota biográfica incompleta…

Jorge Freitas e Silva Melo

Nasceu, de cesariana, em Lisboa, a 7 de Agosto de 1948. Residiu inicialmente no andar onde mora actualmente o primeiro-ministro José Sócrates, na rua Castilho. A mãe era professora do ensino primário e o pai comerciante (?). Até aos 4 anos, viveu em África. De regresso, foi viver para a rua da Artilharia 1 (bairro judeu, à época), onde foi vizinho de Esther Mucznick e de Vera San Payo Lemos. Entretanto, foi viver para um prédio situado perto da Igreja de S. Mamede, onde também residia a actriz Manuela Porto.

Estudou nos Maristas, onde quis fazer uma redacção sobre o dirigente africano Lumumba, sendo suspenso durante três dias.

De 1963 a 1965, fez o 6º e o 7º ano no Liceu Camões, tendo como professores, para além da própria irmã[1], Mário Dionísio, João Bénard da Costa e Padre Fernando Belo. No entanto, de acordo com um testemunho seu, também terá frequentado o Liceu no 5º ano (1962-1963), pois referindo-se ao mestre Mário Dionísio, cita a resposta que ele dava aos alunos que não conseguiam exprimir o seu pensamento: “só que enquanto não souberes dizer, não sabes". O seu ensino era só isto: seja nas aulas de Francês – até ao 5º ano – seja nas de Português – 6º e 7º – ensinava “ a saber dizer”. Por isso insistia – e se insistia! – na organização do discurso, na estruturação do comentário, na propriedade dos termos, na ordem da apresentação, na convenção da paginação...

Estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi aluno do Padre Manuel Bernardes, com ele tendo aprendido a ler / descobrir Les Mots et les Choses, de Michel Foucault.

Em 1969 e 1970, estudou cinema na London Film School. Mais tarde, estudou teatro em Berlim – estagiário[2] na Schaubühne – com Peter Stein – e no Piccolo Teatro/ Scala de Milão – com Giorgio Strehler.

Fundou e dirigiu, com Luís Miguel Cintra, o Teatro da Cornucópia (1973/79). Fundou, em 1995, a sociedade Artistas Unidos de que é director artístico e onde se centra, actualmente, a sua actividade.

Produtor, realizador, encenador, actor, argumentista, cronista, ensaísta, crítico e tradutor. Recentemente, Jorge Silva Melo trouxe à cena a peça Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello. E, também, é possível ver nas salas de cinema a curta-metragem A FELICIDADE com Fernando Lopes, Pedro Gil e Miguel Borges.

Na relação de Jorge Silva Melo com a Escola Secundária de Camões, vale a pena recordar a produção dos Artistas UnidosO Amante de Ninguém” apresentada ao público nas Caves do Liceu Camões, em Abril de 1999. E acrescente-se que Jorge Silva Melo continua a inspirar-se em José Rodrigues Miguéis, um autor nosso, demasiado esquecido.


[1] - Doze anos mais velha. Hoje, JSM toma conta da irmã…

[2] - Bolseiro da Gulbenkian.

O Baile da vida e dos nós…

Ontem, tive oportunidade de ver o filme-documentário Le Bal des Actrices, de Maiwenn le Besco. Um documentário sobre o universo selectivo e competitivo da vida das actrizes na vida e na tela. O documentário acaba por virar ficção, levando à simulação de revolta das actrizes convidadas, ao aperceberem-se que perderam o protagonismo. A documentarista (esposa-mãe-amiga-fotógrafa-realizadora) acaba por valorizar/questionar os múltiplos papéis que desempenha, deixando no ar uma certa insatisfação. Uma ideia de precariedade… em tons de comédia musical ligeira.

Este filme integra a 10ª Festa do Cinema Francês. Os franceses continuam a apostar em nós.

E nós, como é que explicamos a decadência da cultura e da língua francesa  em Portugal? O que é feito dos nós culturais e afectivos que, pelo menos, desde o séc. XVIII, fomos desenvolvendo até 1974?

Desgraçadamente, este apagamento da cultura e da língua francesa envolve as restantes línguas românicas, gerando, por seu turno, o desvirtuamente da língua portuguesa.

Há dias em que chego a pensar que os nossos linguistas e os nossos gramáticos são de raíz anglo-saxónica!

9.10.09

O registo detalhado da vida…

Procuro notas biográficas de individualidades várias e apercebo-me que, na maioria dos casos, estas notas são lacunares. Nascemos e saltamos de imediato para a faculdade, amamos a referência a formações obtidas no estrangeiro ou, pelo menos, sob a asa de algum guru estrangeiro.

Emancipamo-nos, libertando-nos da mãe e do pai, ocultando o nome do professor do ensino básico ou secundário, a não ser que este, laureado por uma qualquer causa alheia ao ensino nos possa abrir portas…

Fragmentos mais ou menos extensos do passado evaporam-se, mistificando o leitor incauto…

Riscado o registo detalhado da vida, vejo-me na ideia de que a biografia se tornou caprichosa, no limite inverosímil, para não dizer mentirosa…

Descrentes, amamos, no entanto,  a hagiografia feita da suspensão da história.

O hagiógrafo suspende a História.)

Se, hoje, me dedicasse a esse registo detalhado da vida, o dia seria feito de violência armada, de violência verbal, de irresponsabilidade, de abuso de poder, de deturpação, de manipulação… mas, hoje, Obama viu ser-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz…

6.10.09

A imortalidade ao nosso alcance?

Nobel para a Telomerase – a enzima da imortalidade celular
«Desde os anos 30 que se reconhecia uma função especial das extremidades dos cromossomas. As pontas dos cromossomas estavam protegidas por estruturas a que se deram o nome de telómeros. Mas foi com a descoberta da estrutura do ADN que os telómeros saltaram para a ribalta. O problema que surgiu era simples: se as enzimas que sintetizam o ADN necessitam de uma cadeia molde pré-existente, o que acontece quando chegamos ao fim do molde nos telómeros?»
Depois da teologia nos assegurar a imortalidade, à condição da travessia …, de tempos a tempos, a ciência promete-nos a morte da doença e a abolição do tempo, sem qualquer ritual de passagem… Sempre a esperança de sermos os eleitos! Mas de quem?
No meu caso, registo a fortuna destes novos lexemas: “telómero” e “telemorase”…, e espero que a fortuna seja boa, mas temo que os tempos vindouros sejam de grande aborrecimento, tal como acontecia no paraíso antes da serpente se enroscar no tronco da macieira… 

4.10.09

Uma atitude perversa

No que me diz respeito, ignoro se o velho se atirou ao mar. Receando que a minha aproximação o pudesse assustar, afastei-me sorrateiramente, ficando, no entanto, à espera de notícias, o que não deixa de revelar uma atitude perversa. Sabia, de antemão, que qualquer queda do velho despertaria a atenção dos surfistas, gulosos da onda...
Ao certo, não sei nada daquele velho e por isso não arrisco continuar a narrativa, ciente de que se o fizesse estaria a forjar uma 'estória' que, na melhor das hipóteses, teria como narrador um dos surfistas.

3.10.09

Se me abrir, o que é que achará?

Se você abrir uma pessoa, irá achar paisagens. Se me abrir, irá achar praias”. Agnès Varda

No filme “As Praias de Agnès”, Varda revisita o passado (uma boa parte do séc. XX) e mostra o envelhecimento do presente.  Vemos numa encenação /instalação: a infância, o período como fotógrafa, o casamento com Jacques Demy, o feminismo, as viagens, a família e os filmes. Predomina sempre o ponto de vista de Agnès. Quase que não há opinião. Sobre a ausência do ‘Maio de 68’, responde: - Não estava lá! Assim, cruelmente, porque o seu olhar nos falta…

Um documentário a não perder, apesar de uma ou outra erupção fálica… 

(No meu caso, se me abrirem, encontrarão apenas agulhas mais ou menos secas, algumas com cheiro a mofo. Portanto, mais vale suspender o gesto.)

1.10.09

Ler com…

O primeiro contacto com os jovens de 15 anos, acabados de entrar no 10º ano, mostra-me que Isabel Alçada e Ana Magalhães já passaram à história. Uma Aventura… já não preenche o imaginário destes alunos. Lêem pouco e, quando o fazem, preferem o imaginário anglo-saxónico…

E se a leitura é marginal na ocupação dos tempos livres,  não é fácil perceber em que é que ocupam o tempo. Se ainda vêem televisão, não o confessam e, sobretudo, admitindo que alguns ainda passam uma ou duas horas em frente do televisor, nada aprendem, em termos linguísticos e históricos…

A leitura em voz alta parece cansar estes jovens que não a vêem  como uma forma de partilhar ideias, emoções. Lêem em surdina, de forma arrastada, como se o outro não existisse… e o outro, o colega, não revela qualquer disponibilidade para ouvir, para compreender as palavras, os enunciados, e por isso, na sala de aula, o diálogo torna-se fútil, digressivo…

30.9.09

De regresso à labuta…

Como, actualmente,  o comentário político exige um profundo conhecimento dos bastidores, decidi deixar de falar de quem nos governa. A opacidade desagrada-me. A intriga palaciana aborrece-me e faz-me perder tempo. Mas isto não significa que passe a pertencer ao grupo dos grandes indiferentes.

29.9.09

Mau perder…

Pelos vistos o Presidente tem mau perder. Nem uma palavra sobre os resultados do acto eleitoral do dia 27! De facto, o Presidente desejava uma vitória da ordem cavaquista.
Ofendido e incomodado, lança a atoarda de que o PS o quer prejudicar e ao fazê-lo estará a prejudicar “o supremo interesse do país”. A prelecção de Cavaco ao país ( ou aos jornalistas?) enredou-se numa teia de grande inquisidor, vítima de uma cabala libertina, mentirosa e indecososa. E como os grandes inquisidores, assegurou-nos através de um discurso sibilino que o cepo espera o pescoço de Sócrates…
Cavaco aproveitou  para cavalgar a ideia daqueles que defendem que Sócrates terá que ser afastado do poder o mais depressa possível. ( E ele espera que continuem a ser muitos! De verdade, conta com a união das oposições.)
Não sei se Sócrates tem ou não telhados de vidro, mas desconfio que o Presidente (o cavaquismo) tudo fará para minar a resistência física e psicológica do Primeiro Ministro. Cavaco diz querer ser o Presidente de todos os portugueses, mas não com o actual secretário-geral do PS.
Começo a pensar que é tempo do futuro governo ajudar o presidente a completar o seu mandato, de modo a que possa descansar tranquilo em terras de Boliqueime…

28.9.09

A derrota da aritmética…

Vivemos num país que não sabe calcular. Até ao dia 26 de Setembro, o PS não passava de um partido de direita. Governava em ditadura, asfixiando a sociedade esclarecida e manipulando o povo.
Desde ontem,  o PS passou a integrar a esquerda. O Povo vota sempre à esquerda! Uma parte desse povo votou Sócrates, outra votou BE e o restante povo, genuíno, votou CDU.
No entanto, 39 %  da população não votou e outros 39% dos que não são povo votou PSD e CDS. 
O resultado global dá uma vitória esmagadora dos que por alguma razão inefável não são povo (78%) sobre a maioria de esquerda - povo des(unido) - (55%).
Sócrates vai ter que gerir esta absurda aritmética, sabendo, de antemão, que não vale a pena fingir que é povo… até porque o povo de esquerda tem horror a cuscos…
(Amanhã, Cavaco Silva revelará ao país que como alguém o tem andado a espiar, de futuro deixará de receber o 1º ministro no Palácio de Belém. E, como por enquanto não quer afrontar a maioria de esquerda saída das últimas eleições, passará a presidir mensalmente ao Conselho de Ministros, na esperança de que Sócrates opte pela cicuta.)

27.9.09

Um novo ciclo democrático…

A partir de amanhã, começa um novo ciclo democrático. Governar em tempo de crise global exige muita concertação e, sobretudo, disponibilidade dos grupos parlamentares para a construção de soluções capazes de mobilizar a sociedade portuguesa, diminuindo as desigualdades e promovendo a produção de riqueza cultural e material.

Qualquer estratégia de bloqueio que venha a ser criada porá em causa o futuro da democracia e abrirá a porta a soluções totalitárias.

Amanhã é outro dia…

Às 8 horas em ponto compareci na mesa de voto nº 10, na Portela, Loures. E votei em consciência e em liberdade! Mais diligente do que eu só a senhora presidente da Junta, candidata à presidência da Câmara que, no seu passo decidido, acompanhava idosos pontuais, mas que não sabiam em que mesa de voto deveriam colocar a “cruz”… Por ela, nenhum deles deixaria de cumprir o seu desígnio!

E votei desapaixonadamente, liberto do espírito de vingança que absorve a lucidez de uns tantos paladinos da justiça e acaba por os atirar para becos-sem-saída.

E não se pensa mais nisso. Para quê? Amanhã é outro dia e não tem que ser o último…

25.9.09

Um país atarantado…

Considerando que a abstenção poderá diminuir nestas eleições em relação às «europeias», resta perceber de que lado estão as corporações que suportam o Estado, depois de Sócrates as  ter afrontado.
Dos partidos da oposição nada há a esperar. Aos problemas e às propostas de resolução, nada disseram. E tudo leva a crer que, na próxima 2ª feira, a mesma oposição faça de conta que nada perdeu no dia 27 e, sobretudo, que o inimigo continua o mesmo.
Tal como o calor insiste em ficar durante o mês de Setembro, também, em Outubro, o país continuará o mesmo: contestatário, mas sem capacidade de resolução dos problemas que mais o afligem.

23.9.09

De regresso à 1ª República…

A comunicação social trocou o rigor informativo pela intoxicação da opinião pública. A verdade e a mentira deixaram de estar em campos opostos, de tal modo caminham de braço dado que acabam por criar um sentimento de desorientação que poderá comprometer o futuro da democracia.

Os candidatos tornaram-se inverosímeis e risíveis. O presidente da República não soube ou não quis afastar-se dos interesses partidários, perdendo muita da autoridade que lhe era reconhecida.

Externamente, o país perde credibilidade, dilui-se em contradições partidárias que hipotecam a legitimidade do Estado.

É no universo do audiovisual que se travam as maiores batalhas. Hostes de comentadores mais ou menos fanatizados manipulam / criam descaradamente factos, evidências…

A palavra, o gesto, a imagem desconcertam a cada momento, introduzem a incerteza…, tornam-nos desconfiados, descrentes, cépticos, convidam-nos a ficar em casa.

Da abstenção falar-se-á na noite de 27, mas é nestes dias que ela cresce…

21.9.09

Em liberdade e em consciência...

«...e votamos em liberdade e em consciência.», A. Souto, Crónica, Floresta do Sul (blogue)
De acordo com Manuela Ferreira Leite, não é bem assim. A liberdade já não é o que era no cavaquismo. De facto, já nos esquecemos do que foi o cavaquismo, presumimo-lo enterrado, mas ele anda por aí,à espreita da oportunidade. Creio mesmo que uma boa parte da desgraça de Sócrates ao cavaquismo se deve ( a outra parte vem-lhe do tempo em que ele, Sócrates, terá militado no PSD!). Finalmente, apesar do que pensamos, não votamos em consciência, porque ao esquecermos o passado, a nossa consciência perde verticalidade.
E por isso, é melhor não esquecer as origens do Bloco de Esquerda. Lá dentro, há de tudo! 
Anda por aí muita gente que já não se recorda de como tudo começou. Atente-se em Mário Soares que não se lembra de quando foi Presidente da República, de tal modo que não lhe repugna uma coligação do PS com o BE. Quem diria? Se lembrasse do papel do PC na sua eleição como presidente, talvez, hoje, apostasse numa coligação de sinal menos radical. Mas se o fizesse, sabe-o bem, perderia o estatuto de paladino da democracia, em 1974 e 1975.
( O melhor seria mesmo sair de cena, mas, quando os interesses estão em jogo, não há ninguém que nos faça abandonar o palco.)

20.9.09

Matizes

Sobre a fina areia, ora corre a lagoa para o mar, ora o mar invade a lagoa. O azul profundo vinca no horizonte a serra.
À volta a lixeira; tudo é clandestino; instalações precárias (pós-25 de Abril de 1974?) que se eternizam. A poeira esmaga o pinhal. O povo também tem direito ao paraíso da Lagoa de Albufeira! Até quando?
Tenho pena de não ter observado se, de facto, António Lobo Antunes continua a ter razão: «A classe SG-Filtro tinha o poster de Che Guevara na parede do quarto, nutria-se espiritualmente de Reich e de revistas de decoração, não conseguia dormir sem comprimidos e acampava aos fins de semana na Lagoa de Albufeira conspirando acerca da criação de um núcleo de estudos marxistasMemória de Elefante, 1979
No entanto, creio que as campanhas antitabágicas nivelaram as marcas de cigarros e, sobretudo, penso que a actual esquerda portuguesa desconhece Che Guevara, Reich ou Marx. A esquerda portuguesa prefere os "gatos fedorentos" às ideologias "fedorentas". A esquerda portuguesa só pensa em ocupar legal ou clandestinamente as "lagoas" deste país, de preferência em condomínio fechado.


18.9.09

Doentes sem saber…

Quando adoecemos tornamo-nos hipersensíveis ou a hipersensibilidade é um sintoma de doença?

Há muitos anos que esta questão se me coloca quando assisto a manifestações de irritabilidade e de agressividade mais ou menos violenta. Com o tempo, aprendi a tolerar comportamentos que a maioria das pessoas é incapaz de suportar, porque, de acordo com a minha experiência, a doença acaba por irromper,  ceifando inexplicavelmente (?) as vidas daqueles que maior dificuldade de autodomínio manifestaram.

No entanto, não posso deixar de pensar que o autodomínio (o silêncio – a suspensão da voz, do gesto) acabará, um dia, por ceder… e esse dia será já de morte…

( Nestes últimos dias, de formas bem diferentes, a voz da morte soprou mais forte do que a voz da vida. )

17.9.09

Quando dizer não é fazer…

«Se os ouvintes ouvem uma coisa e vêem outra, como se hão-de converter?» Padre António Vieira, Sermão da Sexagésima, 1654.

Do século XVII para o séc. XXI nada mudou, apesar de ninguém nos querer converter ao socialismo ou à social-democracia. Alìás, das ideologias já ninguém fala.

Fazendo tábua rasa do passado, isto é, das acções passadas, os lideres exortam-nos a ouvi-los, mesmo que nada digam, nada expliquem do que se propõem fazer.

De facto, sem doutrina, sem acção e sem exemplo nada pode ser posto ao serviço da colectividade.

As ideias desertaram da campanha…

A campanha eleitoral avança, os discursos radicalizam-se e o esclarecimento dos cidadãos decresce.

Face ao desemprego galopante, que medidas para o evitar?

O que é que se propõem fazer para melhorar a qualidade dos empreendedores portugueses?

Que passos querem dar para tornar a administração pública mais eficaz?

Como é que se propõem avaliar o desempenho dos administradores, dos directores, dos médicos, dos enfermeiros, dos professores…?

Objectivamente, não encontro respostas. Ninguém espera milagres!

Com a verdade, escondem a mentira; com a naturalidade, cobrem a manipulação e o discurso oral de uns tantos envergonha todos aqueles que não tiveram oportunidade de aprender a língua portuguesa.

15.9.09

Carta Aberta

Ao Director(a) do Centro de Saúde de Moscavide

Exmo(a) Senhor(a) Director(a)

do Centro de Saúde de Moscavide:

Começo por me apresentar: chamo-me (…), e venho apresentar a minha reclamação relativamente às seguintes situações:

1º: Tendo tido necessidade de entrar no vosso site ou de enviar esta carta por email, constatei que este Centro de Saúde não possui nem email(não disponível), nem website(não disponível ou em actualização), o que é infelizmente ainda um facto comum, mas sem dúvida lamentável, ainda mais pertencendo este Centro ao distrito de Lisboa e ao Concelho de Loures, que deveria estar apetrechado de todos estes meios. Deste modo, desconheço completamente a quem me devo dirigir, se este Centro é dirigido por um director ou directora, a identificação deste ou desta, dados imprescindíveis em qualquer instituição de saúde pública interessada em interagir com os seus utentes e em conhecer as suas dificuldades e «queixas»;

2º: Tendo-se reformado a minha médica de família, Drª Teresa Resina, em Junho ou Julho, facto para o que fui informada por acaso em Setembro, quando contactei por via telefónica esse centro, responderam-me para meu espanto que me encontrava sem médico de família, bem como todos os outros utentes, penso eu, por não haver nenhum médico que a substituísse. Este é o meu motivo principal de queixa e de total indignação, pois sabendo vossa excelência com certeza que aquela médica se ia reformar, não entendo como não foi assegurada a sua substituição imediata, pois ficaram sem médico de família mil e tal pessoas, no mínimo, entre as quais se encontra grande maioria de idosos (a população de Moscavide e mesmo Portela é uma população bastante envelhecida), e muitos doentes crónicos, que necessitam de prescrições médicas de medicamentos indispensáveis para as suas doenças crónicas (encontro-me nesse caso). Tendo tido necessidade de validar um atestado médico passado pela minha médica psiquiatra, informaram-me que me podia dirigir a esse Centro às dez horas, todos os dias. Assim o fiz na sexta-feira, dia onze de Setembro, chegando às 8h 50m. Fui informada que nesse dia, o médico que substituía a minha médica afinal vinha às 13horas, voltando eu a esse local às 11h 30m, uma hora e meia antes das inscrições. Informaram-me então que já não havia vagas nesse dia, estando todos os utentes já lá sentados à espera das 13 horas. Desconhecia que era necessário vir tão cedo para tomar vez (possivelmente às 6h da manhã, no mínimo) e não tive outro remédio se não passar o fim-de-semana a pensar no «expediente» que havia de arranjar para conseguir vaga na segunda-feira seguinte (levar cadeira para me sentar, várias refeições para não passar fome, etc). Devo lembrar que eu, tal como todos os outros utentes, alguns com oitenta e tal anos, somos pessoas doentes, no meu caso fragilizada por uma doença auto-imune, que me provoca grandes prejuízos físicos e psicológicos, tais como astenia, grande fadiga, entre outros. Sendo vossa excelência médico ou médica, presumo, não lhe serão certamente indiferentes todos estes factos, podendo-lhe assegurar que já presenciei a muito desespero e angústia de muitos utentes, por razões perfeitamente ridículas e facilmente ultrapassáveis, no Centro que vossa excelência dirige. Pergunto-lhe ainda: no distrito de Lisboa, capital do país, não há realmente médicos interessados em ser médicos de família no Centro de Saúde de Moscavide, ou esse facto deve-se a outros interesses e factores alheios aos interesses da Saúde Pública? Ou simplesmente à intrínseca e histórica desorganização à boa maneira portuguesa?

3º: O facto de terem deixado de fazer marcações por via telefónica ou presencial para as consultas com os médicos de família, dando como desculpa a Gripe A, obrigando todos os utentes a irem para a fila às tantas da madrugada, para se inscreverem por ordem de chegada, é uma medida absolutamente desumana e não praticada em lado nenhum que se intitule por instituição a bem da Saúde Pública. Desconheço se foi uma decisão da autoria de vossa excelência ou se a ela foi obrigada, mas garanto-lhe que é uma medida péssima, não só para a transmissão da Gripe A, como para os interesses dos utentes que deviam ser preservados de tais condições de humilhação e de indignidade em pleno século XXI.

4º: Em último lugar, peço a vossa excelência que envide todos os esforços possíveis junto da Tutela, no sentido de fazer compreender à Senhora Ministra da Saúde e a todos os que têm algum poder para mudar o que está mal, a enormidade e a humilhação para doentes e médicos que constitui a actual legislação que obriga um doente (imaginemos um doente de psiquiatria ou um doente com gripe A ou outra qualquer), a passar horas num Centro de Saúde para o seu médico de família (se o tiver), lhe escrever a mesma coisa que está no atestado passado por médicos idóneos e conhecedores dos doentes, num outro papel, por um médico que não pode conhecer tão bem este doente e que não faz mais do que perder o seu precioso tempo com esta terrível e incompreensível medida 100% burocrática e inútil, que dura há cerca de nove meses. Chega de atentar gravemente contra a saúde pública e contra os direitos humanos.

Espero que esta carta venha a ser ao menos lida por vossa excelência e que seja objecto da sua atenção, pois acredito à partida na bondade e boas intenções das pessoas, sejam elas quais forem.

Informo, ainda, que enviarei esta «carta aberta» para o Ministério da Saúde e, caso não venha a ter uma resposta adequada, nem de uma instituição nem de outra, ver-me-ei obrigada a seguir para outras instâncias superiores, até aos tribunais europeus, pois trata-se, sem dúvida, de um caso de desrespeito dos direitos humanos e de Saúde Pública em Portugal.

15 de Setembro de 2009

13.9.09

A decadência da Ibéria

Enquanto a mentalidade nacionalista se sobrepuser ao factor demográfico, dificilmente sairemos da periferia económica, social e cultural para que nos empurramos, muito por efeito do inquisidor que há séculos reside em nós.

A classe política portuguesa ainda não percebeu o que significa fazer parte dos grandes espaços, seja o da união europeia ou o da lusofonia. Com o 25 de Abril de 1974, regressou às fronteiras de 1415 e por aí continua. Pensa pouco e pequeno. Continua a ver o espanhol como manhoso e inimigo.

Ferreira Leite corporiza este Portugal envergonhado, lembrando a Maria da Fonte perante as tropelias higienizantes e fiscalistas do Costa Cabral, ao querer impor um “estado”, a um país dominado por “juntas”.

Sócrates percebe que o futuro pode ser diferente, acredita no futuro, sabe, em parte, o que é necessário fazer. Falta-lhe, no entanto, a coragem para ser quem, de facto, é. Falta-lhe a coragem para confessar os seus pecados (que parecem ser grandes e nada abonatórios!). E, sobretudo, Sócrates ainda não percebeu que os portugueses são magnânimos para quem pede perdão…

11.9.09

A saúde que nos abandona…

Um psiquiatra passa a um doente um atestado médico que, por força de lei, deve ser confirmado pelo médico de família, para que, no prazo legal, seja entregue no local de trabalho.

Entretanto, o médico de família reformou-se e o utente ficou sujeito a deslocar-se de madrugada ao centro de saúde (Moscavide) sem qualquer garantia de ser atendido até ao final da tarde por outro médico, sobretudo, agora, que os efeitos da gripe A começam a sentir-se.

O relato corresponde ao que se passou hoje com  um utente do serviço nacional de saúde e com muitos outros utentes. Neste centro de saúde nem sequer há entrega de senhas de espera. Por exemplo, hoje, sexta-feira, o utente poderia receber uma senha que evitasse que ele tivessse de deslocar-se, na 2ª feira, às 6 da manhã, para a porta do centro de saúde, sem qualquer garantia de vir a ser atendido no próprio dia ou no dia seguinte...

Não vou continuar o relato, mas esta situação é desumana para qualquer cidadão e, sobretudo, para quem se encontra debilitado e, frequentemente, tem um sistema imunológico frágil.

Num contexto de risco como o actual, a certificação de atestados médicos deve ser urgentemente revista, para que os riscos de contaminação para o utente não aumentem e para que os centros de saúde não fiquem completamente bloqueados.

Em síntese, no contexto actual, tendo ficado sem médico de família, integrando um centro de saúde bloqueado e desorganizado, como é que o doente, que tem um atestado médico passado por um médico idóneo, pode, em tempo útil, sem os prejuízos descritos, entregar um atestado "oficial" no seu posto de trabalho?

8.9.09

Lavemos as mãos!

Há dias em que percebemos que a dedicação deixa de fazer sentido. Não vale a pena contar a história porque as peripécias que a constituem se tornaram absurdas. E quando a história cessa é porque a barbárie está instalada. Lá, no fundo, começo a sentir-me como Pilatos, com a vantagem de, ao lavar as mãos, estar eventualmente a contribuir para afastar a gripe a, b, c,d ...

6.9.09

Cobrindo a Megera, de olho na fera

Cobrindo a Megera, de olho na fera, peça deteatro infantil de rua ,  apresentada no Centro Cívico de Carnaxide, aborda de forma didáctica, mas extremamente divertida, o problema das doenças sexualmente transmissíveis (DTS)... Uma forma de abordar o problema da SIDA,  de modo simples e eficaz.
No entanto, apesar de o público nada pagar, naquela tarde de Domingo, às 18 horas, a maioria dos presentes no Centro Cívico preferiu ficar sentada nas esplanadas adjacentes, à espera do Dinamarca-Portugal. E nem sequer se pode argumentar que os espectáculos eram inconciliáveis! 

4.9.09

Intenções vs propostas

Há em Portugal tantos problemas que exigem resolução imediata ou, pelo menos, que necessitam de análise cuidada para que as soluções não sejam indefinidamente adiadas, e nós o que fazemos?

- Sentimo-nos asfixiados na nossa liberdade porque finalmente alguém teve a coragem de pôr termo à desinformação permanente, ao insulto e à arrogância de 2 ou 3 desbocados… ( em nome da liberdade de expressão! Mas, afinal, o que é a liberdade?)

- Desenhamos paulatinamente a árvore genealógica do chefe democraticamente eleito para, no momento certo, atirarmos para a opinião pública (o eleitorado, no caso) mais um ramo podre… Se o chefe é culpado de algum delito, porque é que não é feita prova? Não deve ser falta de empenhamento dos investigadores! Uma qualquer investigação não pode levar tanto tempo!

- Procuramos os melhores argumentos jurídicos para, no caso do povo oferecer uma maioria absoluta a Sócrates ou a Leite, podermos democraticamente impugnar as decisões do Governo… Que o povo vote, não abdique do seu direito desde que o faça a nosso contento! Cada vez mais as minorias silenciam as maiorias. Tudo porque às minorias não falta a convicção…

Não seria preferível, os candidatos à governação deste triste país apresentarem as suas propostas, debatendo-as à exaustação, para que o povo possa escolher?

Continuo sem saber quais são as propostas dos candidatos, por exemplo, nos domínios da educação e da justiça, sectores fundamentais para a resolução da maioria dos problemas nacionais. E quando refiro propostas não me estou a referir a intenções simpáticas e vagas.

3.9.09

The Fountainhead, 1949

Bénard da Costa na recensão que fez do filme The Fountainhead (Vontade Indómita) escreve: «E explica (King Vidor) que foi ao tempo da filmagem de The Fountainhead  que leu a obra de Jung e que os problemas do auto-reconhecimento, da dignidade interior e do poder e da divindade que cada homem traz em si se lhe impuseram 'If you can't find God in the expression of man, then where do you find it?'»
O arquitecto Howard Roark, inspirado no célebre arquitecto americano Frank Lloy Wright, representa todos aqueles que nascem para acrescentar ao mundo algo de  novo, insubmissos ao gosto e ao mando dos poderosos ou das turbas.
No meio da actual luta política, é bem mais fácil descobrir mil Gay Wynand / Peter Keating ( símbolo do poder dos media, das corporações, em suma do dirigismo das consciências) do que um Howard Roark. Porque será?
Este filme estreou em Portugal a 17 de Abril de 1950 e algo me diz que ele terá ajudado Vergílio Ferreira a enquistar-se contra a literatura oficial do Estado Novo, e sobretudo contra o neo-realismo português.

2.9.09

Ser claro...

Sócrates admite que errou na questão dos professores. Leite quer rever o estatuto da carreira docente. Os restantes pura e simplesmente revogam tudo. Compreende-se a posição do CDS, do PC e do BE - a chefia do governo não passa de uma miragem.
Até aqui, tudo bem. Mas o que é que Sócrates e Leite propõem para que os eleitores possam escolher?
NADA. Adiam a resposta na esperança de, embolsado o voto, fazerem o que lhes der na gana. 
É, agora, que precisamos de respostas claras para que a contestação não desça à rua já em Novembro... até porque, neste país, há quem não saiba fazer mais nada.

31.8.09

A oliveira

                                                                               Quantos anos terá esta oliveira? Apesar da doença que a esventra, persiste hirta e pronta a recomeçar a cada momento... e dá fruto a quem o quiser colher. Conheço-a há mais de 50 anos, no entanto ela parece indiferente à minha presença, um pouco como o elefante ignora a formiga...
A oliveira não avança nem cai, a oliveira cresce e permanece. Mesmo que água lhe falte por uns tempos, a oliveira nutre-se da seiva milenar que gera a vida.
Não conheço os pensamentos da oliveira, mas já percebi que ela não se deixa afectar pela propaganda nem tem qualquer tipo de inveja das minúsculas filhas que se deixaram europeizar.
À oliveira ninguém pede para votar, mas se isso acontecesse ela votaria no arco-íris...

30.8.09

Saramago, o cornaca

«A História é uma tola.
Eu não posso abrir um livro de História, que me não ria. Sobretudo as ponderações e adivinhações dos historiadores acho-as de um cómico irresistível. O que sabem eles das causas, dos motivos, do valor e importância de quase todos os factos que recontam?»
Almeida Garrett, Viagens na minha Terra
Saramago, tal como Garrett, reivindica para o romancista o privilégio de estar do lado da verdade, desde que esta dê a devida atenção ao povo. Ao escritor, iluminado, cabe o mesmo papel que ao cornaca. Montado no cachaço do elefante, o escritor, ora de fato vistoso ora imundo, conduz o povo, não a Santarém ou a Viena, mas ao cinismo e ao cepticismo. A ironia e, sobretudo, a paródia prazenteira dos valores dominantes encarregam-se de nos libertar do peso da História.
No final da leitura, fiquei como a Dona Catarina, ao tomar conhecimento da morte do elefante, Não quis saber, embora não tenha desatado a chorar…
Agora, refeito do impacto, parece-me que Saramago ficou a ganhar a Garrett. Pelo menos por uns tempos, o Ministério da Educação pode declarar A Viagem do Elefante como leitura obrigatória, pois não correrá o risco de cansar os alunos com erudição (desnecessária!), seja ela histórica, política, económica, filosófica, geográfica, literária… Afinal, quem é que tem estômago para ler As Viagens na minha Terra?
« No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da pura realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso.»
José Saramago, A Viagem do Elefante
Quanto mais leio Saramago mais me convenço que se ninguém tivesse inventado os milagres, ele estaria no desemprego! Quanto à História, bem sabemos que o espírito do «revolucionário” é reescrevê-la, ou, em alternativa, queimá-la. E quanto à Geografia, não vale a pena esforçarmo-nos, o santo GPS resolve! E finalmente, sobre os clercs não deixa de ser curiosa a nota (solta) na página 227: «Estas observações talvez venham a ser consideradas desnecessárias pelos leitores mais interessados na dinâmica do texto que em manifestações pretensamente solidárias…»
Ora em termos de dinâmica do texto, fiquei finalmente a compreender a gramática do autor: utiliza a mesmo do seu ilustríssimo antepassado: «tão rápido como santo antónio quando usou a quarta dimensão para ir a lisboa salvar o pai da forca.»
E a propósito, em nome de tratamento igual e solidário, é mesmo necessário eliminar os nomes próprios?
Para terminar, e de acordo com a profunda reflexão de Saramago de que não é possível descrever uma paisagem com palavras, deixo aqui uma foto por identificar, assegurando que não se trata do mar das rosas, a norte de Barcelona.

24.8.09

CEDDO

Ontem, vi o filme CEDDO (1977) de Ousbane Sembene (Senegal, 1923-2007). CEDDO documenta o processo de colonização islâmica de um reino africano. Em nome do Corão, o imã vai ao ponto de desapossar o rei do seu título, pois o termo "rei" só poderia ser atribuído a Alá, tal como proíbe qualquer ícone e ídolo. O processo de colonização recorre à eliminação de todos os sinais de identidade do grupo e do indivíduo, terminando numa guerra santa (jiad)...
O filme tornou-se me interessante porque a literatura (e o cinema) que conheço raramente abordam o papel do Islão na destruição das tradições africanas. Neste filme, curiosamente o padre, representante da colonização cristã católica, não passa de um lunático sem tropas, completamente ignorado, apesar de ser colocado no mesmo plano do comerciante europeu, mais ou menos anglo-saxónico, cujo papel é vender álcool (proibido pelo imã) e armas...
De certo modo, Ousbane Sembene documenta a história da colonização: 1º Cristo, depois Maomé que mantém o seu domínio até hoje, apesar da resistência, sobretudo, feminina. De facto, a mulher africana, na maioria dos países continua a ser a maior vítima da colonização islâmica... No essencial, ficou-me a pergunta: - O que é que é mais importante o ser humano ou a religião?

23.8.09

MEDIOCRIDADE...

Nota crítica

António José Silva Carvalho (Vila do Conde, 1948) tem feito o favor de me oferecer os seus livros a que, infelizmente, não tenho dado a atenção que merecem. Confesso que a leitura nem sempre é fácil e nos tempos apressados que nos governam o mais fácil é suspender a leitura…

Por coincidência ou talvez não, decidi levar a bom porto a leitura de duas obras, à partida resistentes e muito diferentes, mas que, afinal, talvez o não sejam: - Que Farei Quando tudo Arde? (D. Quixote, 2001), de Lobo Antunes; Mediocridade (Aquário, 2000), de Silva Carvalho. De facto, Silva Carvalho, no poema “Insignificação”, datado de 6-10-2000, interroga-nos, à semelhança de Sá de Miranda: / que se poderá viver quando a vida arde / e arfa nos mimetismos da presença? / Tanto Silva Carvalho como Lobo Antunes suspendem os géneros literários em que se inscrevem. Coincidências!

No caso do autor de Mediocridade, a pretendida auto-exclusão da poética de raiz greco-romana leva-o, em compensação, à defesa de uma linguagem porética que define, no texto ENTRE do seguinte modo: / A linguagem porética é um discurso / entre, entre a poesia e a filosofia, / capaz por isso de fazer interpenetrar / a abstracção do pensamento tacteante / no tecido afectivo da expressão lírica. / É um espaço onde a temporalidade / ganha o seu momento histórico, / não porque reflicta a ideia do mundo / ou de tempo concebida pela política, / mas porque inventa um outro mundo / capaz de fazer sugerir a presença / do mundo em que todos vivemos. /

Neste poema, Silva Carvalho define de forma lapidar a sua insatisfação com a arte produzida no Ocidente, uma arte serva de si própria ou engajada, incapaz de dar conta do único “mundo em que vivemos”… e, para tal, procura na escrita a língua que dê conta do fulgor do presente, isto é, da nossa fugaz presença no mundo.

O arco temporal deste livro decorre entre 6 de Julho de 2000 e 30 de Outubro de 2000. Numa 2ª parte, podemos ler um conjunto de “Sonetos Imbecis”, situados entre 13-2-1984 e 15-5-1984. E, na 3ª parte, encontramos um lúcido ensaio sobre a escrita porética de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro: À Procura de uma Tradição / Alberto Caeiro, A Linguagem Porética e a Estética da Imperfeição.[1]

O título deste obra – Mediocridade - voluntária ou involuntariamente, expressa a reivindicação de reconhecer à língua uma função mediadora, uma função de vida, num tempo em que para se abafar a memória se acelera a morte das línguas: / A língua não pode ser um deserto / nem desertar o mundo, a língua / arfa no sigilo de si mesma , árdua / tarefa para quem procura sentir / a existência como coisa sensível. /(A Dor, 28-9-2000)



[1] - Perante a quantidade de disparates ensinados aos portugueses sobre este heterónimo, ainda vamos a tempo de corrigir o rumo, lendo o ensaio de S.C. E já agora porque não adoptar nas universidades um contrato de leitura que permita aos nossos estudantes ter um efectivo conhecimento de tudo o que se escreve no espaço da lusofonia, mesmo que os lentes não consigam dar conta do recado? Se isso acontecesse, não teríamos um escritor como António (não é Armando!) José Silva Carvalho, zangado com os seus contemporâneos porque estes lhe passaram ao lado e não viram… NÃO O VIERAM VER..

Em 27 de Setembro...

É decisivo que os portugueses votem em consciência. De acordo com a sua consciência e não em função de argumentos catastrofistas ou de dilemas mais ou menos arcaicos.
Há muito tempo que a esquerda e a direita morrerram. Quem nos governa fá-lo em nome de interesses mais ou menos ocultos... e o interesse tornou-se inimigo da necessidade!
Por isso, em 27 de Setembro, cada português deve equacionar as suas necessidades e expressar o seu pensamento, independemente dos que prometem ou dos que nada prometem.
Prometer 'tout court' pode ser a expressão de um sonho, mesmo que se torne irrealizável. Prometer apenas o que se pode cumprir não ´corresponde a qualquer tipo de promessa, é uma obrigação!
E convém ter presente que os políticos não são nem melhores nem piores do que nós. São apenas o nosso rosto...
E independentemente do sentido do nosso voto, no dia 28 de Setembro, o rio seguirá o seu antiquíssimo caminho...

22.8.09

A falha...

Quando me falha (ou falha à língua) o termo capaz de expressar o sentido, posso sempre recorrer à catacrese... Resta, porém, saber se a falha justificativa do recurso à figura é da língua ou minha...
Nos últimos dias, por razões diferentes, atravessei dificilmente Sintra e percorri, surpreendido, a parte histórica de Tomar. No primeiro caso, falhava o lugar para estacionar ou para sentar (tudo era movimento apertado de gentes mais ou menos estrangeiras ao lugar!); no 2º caso, edifícios e ruas em ruína pareciam apontar uma falha prístina... Lugares por mim longamente vividos, mas que, por estes dias, esperam a chegada não apenas de turistas mas, sobretudo, de dirigentes responsáveis para que as arribas soalheiras deste país não desabem definitivamente...
Nem sempre falha a língua ou o ser, nem sempre precisamos de recorrer à catacrese...

16.8.09

Finalmente...

António Lobo Antunes, Que farei quando tudo arde? (2001)

Finalmente, conclui a leitura deste romance... De facto, agora que cheguei à página 637, sinto que deveria recomeçar a leitura, sobretudo, querendo dizer algumas palavras sobre a referida obra. Honestamente, talvez fosse melhor não o fazer, mas por respeito pelo meu velho amigo Sá de Miranda que, consciente das fraquezas do Amor e da Razão, decidiu trocar o Paço pela Arte. E por isso aqui o cito para que António Lobo Antunes compreenda que o Destino o afastou definitivamente do Paço, onde o senhor dava por nome Gil Vicente. (E nem a nova noiva lhe devolverá a Ilha para sempre perdida!)

Desarrezoado amor, dentro em meu peito,

tem guerra com a razão. Amor, que jaz

i já de muitos dias, manda e faz

tudo o que quer, a torto e a direito.

Não espera razões, tudo é despeito,

tudo soberba e força; faz, desfaz,

sem respeito nenhum; e quando em paz

cuidais que sois, então tudo é desfeito.

Doutra parte, a Razão tempos espia,

espia ocasiões de tarde em tarde,

que ajunta o tempo; em fim, vem o seu dia:

Então não tem lugar certo onde aguarde

Amor; trata treições, que não confia

nem dos seus. Que farei quando tudo arde?

Sá de Miranda

Quando o relativismo comportamental alastrava imperialmente, qual napalm, António Lobo Antunes decidiu mergulhar nos estilhaços de uma família desestruturada, retratando-a de forma fragmentada e, sobretudo, dando espaço a descontextualizadas, travestidas e sangrentas vozes, para sempre incapazes de se libertarem de iniciáticas cenas de traição e de despersonalização.

Fascinado por essa nova realidade, o autor arrasta o leitor para um espaço circular e de non-sense, criando um labirinto em que a palavra e a imagem se tornam no único fio redentor. Quem procura acção situada no tempo e no espaço, quem procura compreender as causas e os efeitos, quem, no limite, admite a peripécia como factor de complexidade ou de equívoco, bem pode desistir da leitura…, aqui tudo se traveste, tudo se intersecciona num permanente fascínio pela enumeração verbal, pela iteração verbal, pelo tom verbal, pelo ritmo verbal, pela imagem verbal, pela metáfora luminosa, como se as coisas (a realidade) se limitassem a flutuar em torno da voz do criador…

À sua maneira, A.L. Antunes dá, neste romance (?) a mesma resposta que Sá de Miranda: Quando tudo (as coisas, os padrões) entra em decadência, então, só a linguagem pode gerar novos possíveis narrativos. Apenas a arte nos pode redimir, principalmente se porética… E quando isso acontece, a leitura torna-se lenta e dolorosa…