31.8.22

São Lourenço do Bairro

 



Por uns dias, vou ficar por aqui... em desassossego. Não deveria ser assim, mas já que cheguei até aqui, vou continuar sem olhar para trás. Talvez leia a Eneida... para melhor me situar.

30.8.22

A parturiente indiana

A ministra da Saúde não sobrevive à morte da parturiente indiana.
Não vale a pena aprofundar o motivo do pedido de demissão. Só quem andar distraído é que não compreenderá  que a Senhora não tinha outra alternativa...
Bem podem revisitar o histórico, favorável ou desfavoral!

28.8.22

Os espinhos da ordem

Ao ver escrito que uma professora foi nomeada bibliotecária escolar contra a sua vontade, a qual iria no sentido de pedir mudança de escola, não posso deixar de pensar nas palavras de Elias Canetti, Massa e Poder, pág 401, edição cavalo de ferro:

«Seja qual for a perspectiva por que a consideramos, a ordem na sua forma compacta e acabada tal como é hoje, após uma longa história, tornou-se o mais perigoso elemento singular na vida comunitária das pessoas. Precisamos de ter a coragem de nos opormos a ela e de abalar o seu domínio. Teremos de encontrar meios e vias para manter afastadas da mesma a grande maioria das pessoas. Não poderemos permitir que ela nos arranhe mais do que a pele. Os seus espinhos deverão tornar-se trepadeiras que possamos desprender com um movimento fácil.»

23.8.22

Rabiscos

(Quando não se tem nada para oferecer, o melhor é desaparecer. Para quê insistir no rabisco? O que ficou para trás cai no anonimato... e por lá fica enterrado.)

Hoje, perguntaram-me como é que me tratavam quando ainda podia incomodar. Fiquei perplexo pois, até na identidade, me fui alheando. Houve várias fases de que aos poucos fui escapando: o 'pulo' porque um avô gabarola confessou um dia que tinha saltado sete dornas e meia e os arcos de outra; o 'mata2', por causa de uma placa toponímica facilitadora da memorização de um atencioso enfermeiro; o 'cabeleira', para a maioria,  uma misteriosa alcunha; o 'cabeleira gomes', adotado na academia; e finalmente o 'manuel gomes', porque num certo momento do percurso o normalizador me reduziu ao nome próprio e ao apelido paterno...
Entretanto, fui perdendo o nome, porque a identidade deixou de ser preocupação alheia.

PS. Convém registar que também me identificaram, da cabeça aos pés, com os números /09633075/ e /252/. No último caso, o número colou-se-me de tal modo que ainda hoje o procuro nas peças de vestuário e na lotaria...

20.8.22

O Castelo



Manhã cedo. Ninhos artificiais vazios - as aves não se deixam enganar facilmente...
Na linha Verde, carruagens cheias de imigrantes asiáticos seguem para o Rossio e para o Cais do Sodré. Vão ao engano.
Eu saio no Martim Moniz, na esperança de que o corpo preserve o seu segredo, apesar do empenho em atraiçoá-lo...
Distante o Castelo, um corpo estranho que já não engana ninguém.
Ontem! 
E hoje, alguma coisa terá mudado?

17.8.22

Os dias

Há quem perca a noção de dia. É um pouco como se não houvesse ontem ou amanhã. 
O curso do tempo deixa de obedecer a qualquer convenção humana.
Esta indiferença acaba por provocar sobressaltos em quem sempre se submeteu à disciplina das horas, pois, inesperadamente, os factos misturam-se e a agenda perde grande parte do sentido inicil.
Onde se respira um pouco melhor é no passado: as memórias continuam organizadas, apesar de efabuladas.
A corrente desagua em ilhas singulares, distantes.

13.8.22

A intromissão

«Todo o ato de perguntar é uma intromissão.» No entanto, «antes de lhe ser feita a pergunta, uma pessoa, muitas vezes, não sabe o que pensa.» Elias Canetti, Massa e Poder, pp. 345 a 351, ed. cavalo de ferro

Ultimamente, tenho evitado fazer perguntas por mais que me apetecesse ouvir as respostas,  porque isso poderia deixar o interlocutor sem saber o que responder...
Por um lado, temo que à falta de perguntas corresponda um alargamento da ignorância e, por outro lado, receio que, afinal, a minha curiosidade não passe de puro abuso.
Fiquemos por aqui, deixemos as perguntas à matreirice de quem, antecipadamente, se preparou para o ofício da dissimulação.

9.8.22

Atos inacabados


Sinto que é meu dever andar devagar, no entanto todos me convidam a andar mais depressa, não por palavras mas por atos inacabados...
Atos inacabados são aqueles que solicitam a nossa a atenção para que os corrijamos, os completemos ou, por vezes, para que os realizemos na sua totalidade.
Pode parecer absurdo, mas o problema resulta mais do meu excesso do que da falta de zelo alheia. 
Afinal, nada se perderia se reduzisse a minha ação a assegurar algum sossego.
A verdade é que por este caminho, mais não sou do que uma assombração num mundo de marionetas.

7.8.22

Estar vigilante


Por muito voluntaristas e obstinados que sejamos, pouco podemos fazer... Há sempre uma força que se opõe à nossa vontade e que impõe um rumo advinhado ou, mesmo, inesperado...
Lutar é certamente uma obrigação, mas, frequentemente, o combate é contraprudecente, porque esgota todos os recursos e energias.
Dir-se-ia que o estado de vigília é o que mais se adequa a certas circunstâncias da vida, na expectativa de que o Tejo não seque de vez.
Entretanto, o mar continua por mais algum tempo.

2.8.22

O Jorge Saraiva


Conheci-o ali perto já lá vão mais de 20 anos...
Tinha fortes convições, que sabia defender, mesmo quando a insistência em certos comportamentos lhe podia ser nefasta. Mais do que a vidinha, punha em primeiro lugar a aposta numa sociedade liberta de predadores... Acreditou quase sempre que seria possível construí-la e, para tal, não se poupou a esforços como professor e como agitador de consciências.
O Jorge era amigo do seu amigo, mesmo que, por vezes, a relação se tornasse tensa. Os seus amigos sabem-no bem... Agora partiu, não importando as circunstâncias. 
Enquanto a memória resistir, continuarei a vê-lo do lado de fora do gradeamento do Liceu Camões. À espera do toque, mesmo quando ele deixou de se fazer ouvir.