29.11.18

Vem aí a caranguejola

Hoje percebi, ao tentar chegar a horas a uma consulta, em dia de chuvada, que a cidade de Lisboa  se transforma num charco donde é quase impossível escapar… Uma cidade sitiada!
Enquanto desenhava pontos de fuga, surpreendi-me a pensar que, estando a geringonça em fim de vida, vem aí a caranguejola…

Não, não estou para mais — não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar…
Que querem fazer de mim com este enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar…


                        Mário de Sá-Carneiro

28.11.18

Viva a propaganda!

Em vez do desenvolvimento económico, com mais emprego qualificado e remunerações justas, o país continua a preferir uma política de baixos salários, de subsídios, de manipulação das taxas do IVA…
Diz o ministro do Ambiente que a redução do custo  dos passes sociais é para aplicar em todo o território…
Mas como, se a ferrovia está descarrilada, a rede viária, em grande parte, abandonada, os meios de transporte são escassos e em mau estado de conservação?
A quem é que vai servir este novo esforço do contribuinte se, afinal, a geringonça não passa de um monte de sucata?
Viva a Propaganda!

27.11.18

Na Biblioteca do lyceu camões...

O poeta, tolhido, dói-se em versos e
carpidos (A. S.)

Hoje, o António Souto oferece-nos as suas "Palavras Inadiáveis" - não sei se já com piano - virtuosas, porém, e exactas. 
Os restantes encómios deixo para os cientistas do verso e para os amigos da Hora…

Com o António ando sempre ao contrário… Eu que fui feito para ceder a direita, não por uma questão de respeito mas de jeito - o pescoço tem um qualquer defeito que o impede de volver à esquerda…

26.11.18

Eu não tenho casa em Lisboa

Eu não tenho casa em Lisboa. Fico-me pela Portela…, longe do metropolitano e dependente dos caprichos da carris…ou, em alternativa, refém dos fluxos de trânsito…
Tenho, todavia,  uma porta de saída aérea, mas que de pouco me serve pelo motivo de não ter casa em Lisboa…

25.11.18

Um blogger aculturado

Não é que eu seja um blogger, pelo menos no sentido que lhe é dado atualmente. Talvez me considere um bloguista, apesar de não gostar de muitas das palavras que resultam do acréscimo do sufixo nominal / adjetival - ista... 
A verdade é que espero que o Benfica não esteja a preparar-se para me acusar do que quer que seja, até porque eu não guardo informação de ninguém que seja do Benfica… nem para o bem nem para o mal.
No entanto, o simples pensamento de que o 'inimigo das águias' seja um, ou mais bloggers, levou-me a apurar o significado do termo.  
A origem estará no conceito (?) weblog - web /rede + log / registo de atividade - configurando, assim, um novo empréstimo linguístico para a expressão "diário online", ou melhor, diário em linha, um empréstimo resultante de uma amálgama

(Para os mais avançados: bloggersomeone who writes a blog (= a regular record of someone's ideas, opinions, or experiences that is put on the internet for other people to read).) 

Em conclusão, mais uma ideia sem qualquer interesse, a não ser que haja alguém à procura de evidências de aculturação.

24.11.18

Aquém da ironia

Aquém da ironia, a incontornável realidade distingue a coragem de enfrentar os obstáculos, mesmo que o desfecho possa ser trágico, de quem, apesar de reconhecer a necessidade da luta, prefere o comodismo do sorriso, da sobranceria inteletual…
Vem isto a propósito do quê? 
Da facilidade com que nos refugiamos na ironia, ostentando-a como atestado de superioridade em lugares inundados pela estupidez…
E em rodapé, não posso esquecer que acabámos por preferir Eça de Queirós a Antero de Quental - cultivamos a ironia porque ela nos permite esquecer / esconder a realidade...

23.11.18

Para além da ironia de Álvaro de Campos

«Maravilhosa gente humana que vive como cães,
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!»
Álvaro de Campos, excerto de Ode Triunfal

O Poeta canta o triunfo da vida moderna, fruto da ciência aplicada, do êxodo dos campos, da multiplicação das cidades, da morte da pessoa e, sobretudo, da ilusão tecnológica
O Poeta celebra o mundo novo, todo ele artifício, apoteose da humanidade, mas do qual uma grande parte da espécie humana é escorraçada… uns dias, essa parte é infrahumana, outros, precária, tornando-se larva…
Por isso, é indesculpável que se veja apenas ironia na apologia da vida moderna.

«Ah,e a gente ordinária e suja que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias, 
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto é belo e amo-o! -
Masturbam homens de aspeto decente nos vãos de casa.»
Álvaro de Campos, excerto de Ode Triunfal

Cem anos depois, o que é que mudou? Talvez, a apropriação momentânea pela religião, pela arte e pela política…

22.11.18

Doravante, só os estilhaços

Doravante, Caruma autonomiza-se do Facebook. Por uma questão de dependência vê-se, no entanto, obrigada a continuar associada ao Google+... 
Se houver quem se interesse por ela, certamente que a encontrará sem qualquer estímulo externo… Caruma nunca quis lançar as bases de qualquer religião, porque, por princípio, não aspira ao divino. Caruma mais não é do que uma tentativa de aproveitamento do que sobra da fragmentação do espelho primordial… surgiu como expressão de quem entende que os estilhaços também podem ganhar vida própria e não como rememoração de qualquer nostalgia matricial…
… quem diz os estilhaços também podia dizer os cacos… 

21.11.18

São réplicas

As velhas existem. Não são ficção nem meninas…
As velhas acreditam, detestam manipansos e nunca lhes explicaram que todos os ícones são manipansos e mesmo que lhes tenham explicado que só a solidão justifica a fé numa qualquer religião - única para elas -, elas preferem colocar-se nas mãos do IGNOTO … e imaginar-lhe um rosto, porque a abstração não se dá bem com os medos que lhes perturbam as horas…
Estas velhas vivem da fé, mas podem desprezar a caridade…  ou praticá-la em benefício próprio se o ato se nutrir da esperança de que o Manipanso as acolhe no seu regaço… 
Se me perguntarem se estas velhas são eternas, eu responderei que sim porque as réplicas, mesmo se meninas, não me deixam mentir…
Se me perguntarem se estas velhas são velhos, eu responderei que isso é ficção.

20.11.18

Sacudir a água do capote

Quando chove, a culpa é da chuva, quando não chove, a culpa é da seca... Quando a terra abate, ninguém assume a culpa - ainda no dia anterior tudo estava  seguro até porque ninguém avisara…
Ninguém avisara nem o autarca perguntara ou decidira ler os relatórios produzidos nas últimas décadas e que já tinham servido ao Governo Central para se descartar de responsabilidades em nome de políticas de descentralização, de modernização e de pretensa democratização…
É assim em todos os pilares do território - da rede viária e ferroviária à educação; da saúde à energia e à agua… 
A chamada delegação de competências é uma farsa demagógica, pois não assegura os necessários recursos financeiros e, em particular, não gera competências locais… somente faz crescer o compadrio e o caciquismo...

19.11.18

Para fugir da obnubilação...

Para fugir da obnubilação, acena apenas! 
Qualquer outra saída pode tornar-se incontrolável nas palavras e nos gestos. Ainda se fosse seguidor de Marinetti, poderia recorrer à bofetada e ao soco e ter futuro, mesmo quando só o Momento importa(va)…
De facto, há momentos em que a obnubilação parece querer tomar conta da situação - a consciência e o pensamento começam a perder nitidez… No entanto, ainda há uma 'voz' que impõe rédea curta, mas até quando?
Um destes dias, restará apenas um patético aceno para não borrar definitivamente a pintura…

18.11.18

Acena apenas!

Se lemos e o dizemos pouco importa. O que pensamos nada acrescenta, mesmo o que sentimos é falso e justo, pois como saber se (não) fingimos…
Talvez por isso o ideal seria ir viver para a encosta e de lá contemplar o vale e acenar a quem passa…
E nada dizer, mesmo que sintamos vontade de explicar, de começar do princípio, da matriz (do latim matrix, - cis) - anula esse ímpeto e acena apenas!
- Foge do Grego e do Latim! Abomina os clássicos! Passeia-te com os românticos e voa, voa com os nefelibatas e não sonhes com os surrealistas! Despreza os modernistas de todos os ismos! Acena apenas, mas bem longe dos pós-modernistas…
- Acena apenas lá da encosta para o vale, acena sem lágrimas nem sorrisos e, sobretudo, sem rimas...

17.11.18

Alexandre Vargas, nota imperfeita

Vargas, Alexandre (1952-2018). Filho mais novo do poeta José Gomes Ferreira, foi encontrado morto em casa no dia 15 de novembro. Poeta e tradutor.
De poesia publicou «Morta a sua Fala», «Cyborg», «Vento de Pedra», «Lua Cisterna», «Organum», além de ter participado em antologias, cadernos, etc. Traduziu os músicos-poetas Peter Hammil e Patti Smith
Sintra ocupa um lugar especial no seu imaginário.

Marcado pelo universo pós-simbolista e modernista, e sobretudo pelos fantasmas de Antero, Pascoaes, Sá-Carneiro, Álvaro de Campos e José Gomes Ferreira, é essencialmente um poeta visionário que exprime a conflitualidade interna de uma mitologia pessoal dividida entre um passado naturalista e um futuro cibernético. [...] Poeta que traduz o visionarismo da sua epopeia lírica numa discursividade a um tempo meditativa e narrativa, tecnicamente neobarroca, sustentando a retórica da imagem e os seus efeitos oniristas em mecanismos surrealizantes, mas por vezes cedendo perante a construção alegórica, exibe nas suas criações mais recentes uma forte atracão pela temática luciferina e por um experimentalismo formal vazado em enumerações caóticas, neologismos telescópicos, sinestesias e misturas polifónicas que provocam em certos ângulos uma impressão estética muito próxima de um Ângelo de Lima na sua faceta pré-joyciana. (Palavras de Luis Adriano Carlos, o antologiador de "Poesia Digital - 7 Poetas dos Anos Oitenta".)

16.11.18

Os fumos da Índia

As folhas outoniças dos plátanos encobrem os azulejos da fachada em frente. O som de uma  vassoura move as beatas interditas e os veículos circulantes escapam-se a meio da tarde desta ensoleirada sexta-feira. Em fundo, uma sirene dá conta de uma enfermidade de última hora… 
Por baixo, adivinhado, o patrono prepara-se para acolher mais uma ilicitude em nome de uma campanha contra os fumos, que não da Índia…
É melhor ficar por aqui, não vá eu, um destes dias, referir-me aos "Fumos da Índia" e solicitar uma nota breve sobre o modo como o Poeta os denunciava n'Os Lusíadas… ( A verdade é que não me atrevo a questionar os "jovens sábios" do momento… até porque a Índia está agora tão cerca. )

15.11.18

A receita do momento

Há que dar a palavra aos jovens sábios! Especialistas em metodologia, defendem os enlatados sem lhes discutir a origem e o conteúdo… e se alguém o fizer, acusam-no de dispersão e de anacronia, não nestes termos porque, orgulhosamente, os ignoram…
O que importa é a receita do momento, não é que a queiram memorizar e experimentar, pois só lhes interessa estar, nem sequer lutar...
É preciso grande resistência para lidar com tal sabedoria, de qualquer modo finjamos que a montante nada aconteceu e que a liberdade herdada é perene…
A jusante, logo se verá ou, talvez, não seja necessário…, mas essa é uma linha impossível de abordar - está toda no Manifesto de Marinetti, publicado a 9 de fevereiro de 1909... Ai o passado!


1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.
3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insónia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.
4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com o seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.
5. Nós queremos glorificar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.
6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, esforço e liberdade, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostrar-se diante do homem.
8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!… Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade omnipotente.
9. Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo –, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda a natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda a vileza oportunista e utilitária.
11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifónicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor nocturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas lutas eléctricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as fábricas penduradas nas nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta. 

14.11.18

Estou curioso

Se a Polícia Judiciária não consegue identificar os meliantes que roubaram as armas de Tancos, se o Governo nada sabe sobre a matéria, se o presidente da República confessa o seu desespero por nada saber sobre quem furtou, quem devolveu e quem foi conivente, se até há gente detida por excesso de zelo patriótico, não percebo para que é que foi criada um comissão parlamentar de inquérito…
Estou, no entanto, curioso sobre os resultados de tal inquérito… até porque das comissões de inquérito anteriores só saiu fumaça...
Há, todavia, um estudo que os cientistas políticos poderiam fazer: descobrir por onde é que circulam tão ilustres "comissionistas"... para além dos "passos perdidos"...

13.11.18

Por aqui, as velhas

Por aqui, as velhas saem à rua, enraposadas e gaiteiras. Mal se aguentam nas canelas, mas nada as impede de ir beber o chá e destratar o criado, sim, porque elas ainda nasceram no tempo da criadagem…
Estas velhas não se furtam a mostrar (o smartphone tornou-se-lhes imprescindível!) as crias, a enaltecer-lhes as virtudes e a prole, mesmo se desgarrada…
Por aqui, as velhas não necessitam de ser velhas para se comportarem como tal: - ai, ai, já estou a sentir uma dorzinha, ai! oh! amiga, não tem por aí um analgésico?
( Analgésico? Devo estar cair nalguma impropriedade linguística, lexical, em rigor, semântica…)

11.11.18

Vou ver se há castanha

Chove, há castanha, jeropiga, um casaco puído que podemos oferecer aos vencidos… Que mais queremos?
Chove, hoje não é dia de finados, mas é como se fosse, os governantes brindam aos vencidos e aos vencedores, e compreende-se: uns morreram mais cedo, outros mais tarde; todos morremos…
Enquanto não chega a hora, brindemos a São Martinho, senão houver água-pé, há certamente jeropiga ou um malvasia, e castanha rica que outrora era dos vencidos…
Chove, vou ver se há castanha...

10.11.18

Usabilidade

O desenvolvimento de produtos e serviços que sejam fáceis de usar, respondam às necessidades dos utilizadores e tornem mais simples o acesso à tecnologia são os objetivos principais de quem se dedica à usabilidade, mas também a inclusão de pessoas com limitações físicas e seniores... 8 de novembro - World Usibility Day + O dia da usabilidade no mundo

Usabilidade. Mais um termo arrevesado, mas a globalização impõe o neologismo... O problema é que a Escola não acompanha; apesar da doutrina da flexibilização e da inclusão, não é capaz de acompanhar a mudança... Talvez seja por isso que a boçalidade alastra, pois a descrença no passado não encontra no processo de aprendizagem as verdadeiras ferramentas que poderiam alterar os comportamentos... Porquê?
Por falta de planeamento, de investimento, de renovação e efetiva formação do quadro docente... 

9.11.18

Tarde, muito tarde...

Eles comentam sem ter lido. Em geral, com posicionamentos radicais. Também não se esforçam para interpretar textos. Sua leitura superficial não é somente de um escrito, mas do mundo. Apaixonados por uma causa, ideologia ou credo, dividem o mundo entre contras e favoráveis à sua posição. São maniqueístas. Mas quem são eles? Gilmar Pereira, O primor da boçalidade

Não ouvem, não leem ou leem literalmente, não têm passado nem memória, calcam os valores e só lhes interessa o poder, mesmo que não passem de súbditos que anunciam lugares-comuns como verdades…
Claro que o alastrar da boçalidade é da maior utilidade para quem manuseia estes novos bonifrates que, por enquanto, ainda perguntam "Isto é fado?"
Tempo virá, no entanto, em que nem perguntas nem comentários e o coro das lamentações crescerá. Tarde, muito tarde…
Como tive acesso à password de caruma, inadvertidamente acabo de me fazer passar por ela, mas tal não tem qualquer significado nem desrespeita qualquer valor, até porque muitos outros, antes de mim, se habituaram inadvertidamente fazer o mesmo…

7.11.18

Mesmo se em efígie, Manuel Alegre

De modo que é chegada a hora de enfrentar cultural e civicamente o fanatismo do politicamente correcto. É uma questão de liberdade. Liberdade para não gostar de touradas. Mas liberdade para gostar. Liberdade para não gostar da caça. Mas liberdade para gostar. Algo que não se pode decidir por decreto nem por decisões impostas por maiorias tácticas e conjunturais, Não é democrático. Para mim, que sou um velho resistente, cheira a totalitarismo. E não aceito. Manuel Alegre_ Carta Aberta

Embora ribatejano, nunca apreciei touradas, e quanto às artes da pesca e da caça sou uma nulidade. Li, no entanto, a maior parte da obra de Manuel Alegre, como li a de Miguel Torga e a de Aquilino Ribeiro... Nelas sempre encontrei a exaltação da caça, da pesca e o respeito pelos bichos, entre eles os touros... 
Compreendo a exaltação dos moralistas do momento - o politicamente correto é intemporal, apesar de oportunista. Por isso não vejo qualquer necessidade de queimar Manuel Alegre na praça pública, mesmo se em efígie...
Ninguém lhe pode pedir que abjure da obra realizada nem do combate travado contra o totalitarismo do momento...

6.11.18

A cor da leitura

«Foi então que um crítico, batendo com a mão na testa, (…) descobriu que a literatura devia ser lida, tinha de ser lida. Era preciso ler. Mas ler como a virgem lê o Primo Basílio, ler sem História, ler sem Ciência, ler sem Cultura, ler sem nada, ler apenas. Isto constituía afinal para toda a gente um grande alívio. Os povos carregados de História libertavam-se de um peso opressivo…» Jorge de Sena, A Crítica Moderna e os Prazeres da Leitura, 1963, in O Reino da Estupidez- I

Por razões profissionais, todos os dias me debato com a pergunta colocada na fachada do Liceu Camões sobre a cor da liberdade para Jorge de Sena... Já aqui escrevi que Sena tinha esperança que um dia haveria de viver em liberdade no país em que nascera, e que a cor, acrescento eu, seria o que menos importava…
No entanto, ainda não encontrei resposta para a questão, talvez porque não haja… O que me vem à cabeça é inconfessável, pois o sangue derramado em nome da liberdade é outro oceano por achar… A cor do sangue talvez pudesse satisfazer mentes menos exigentes do que a de Sena. No meu caso, a simples ideia de que a liberdade se deixa tingir de qualquer cor aterroriza-me - azul, vermelho, verde, preto, amarelo… da cor do arco íris…
(…)
Na verdade, esta recaída só serve para interrogar o que se passa atualmente com a leitura - muitos anos após a chegada da liberdade… Voltámos a ler como em 1963! Ler sem História, ler sem Ciência, ler sem Cultura, ler sem nada, ler apenas…
A situação é tal que dá vontade de perguntar qual é a cor da leitura… 

5.11.18

Reparar é tudo!

Por vezes dar um passo, escutar a voz distante, reparar na silhueta desgrenhada que se afunda num caixote de lixo, é o suficiente para ultrapassar o limiar da incompreensão…
Reparar é tudo, pois significa parar e voltar sobre si ou sobre o que se abre aos sentidos sem os quais a razão se atola no caos dos dias…
Reparar é tudo!

4.11.18

O muro infinito

Ontem passei por aqui, mas não escrevi que estava no purgatório na porta de saída… sem saber se em frente há um muro infinito que não deixa enxergar nem a Luz nem o Fogo.
Dizer mais é um acrescento pleonástico para almas pastosas…
Ontem, a minha alma não era de todo para ser dita.

2.11.18

O que parece

Parece que ninguém sabe nada do que se passa no país, se é que se passa alguma coisa…

O que parece é que quem sabe prefere negociar a informação…
O que parece é que quem governa se acobarda… e em matéria de governação, a cobardia é o berço da descrença e da consequente radicalização.

                                                          Se quem devia saber nada faz, a não ser elevar a voz ou assobiar para o lado, então, pouco falta para que a estupidez se arme da velha autoridade e faça gato-sapato da democracia.

1.11.18

O presentismo

e o presentismo — quando a pessoa está presente, mas não está activa; está zombie. O presentismo é um problema que está a assumir uma dimensão importante. Teresa Paiva, especialista em sono

Há muitos anos, apercebi-me que, em certas reuniões, havia especialistas em estar… Entravam e saiam calados. Explicaram-me, à época, que se tratava de um comportamento sábio, de quem queria evitar conflitos antigos….
Com o tempo, também eu me habituei ao silêncio, não porque queira evitar qualquer mal-estar, mas porque deixei de compreender o frenesim reformista de quem anda convencido de que para trás fica o deserto e a estupidez…
Depois há aqueles jovens a quem "basta estar"; nas palavras de Teresa Paiva, que se encontram em modo zombie…, sem esquecer os que chegam naturalmente atrasados porque não dormiram o necessário… ou porque as linhas andam desorientadas…
Finalmente, lido diariamente com quem, porque «nunca dorme», procura a todo o custo passar os dias a dormir. 
Tudo somado, parece-me que o problema é outro: resulta da dificuldade de adaptação a uma realidade voraz…