31.10.22

A propósito ou, talvez, não

Quem se pronuncia é mais uma vez Agustina Bessa-Luís, como ela tanto gostava e sabia:

«Quando dos centenários arrastamos corpos pesados do seu próprio esquecimento, devemos pensar se eles foram autênticos desesperados; se eles tiveram no sangue essa fecunda frescura das chuvas novas, ou se levantaram apenas iras, próprias dos melancólicos.
Só os amados se devem ressuscitar. Outros, ainda que ávidos do seu século, rigorosos com o saber e o ajuste dele à ocasião e ao meio, não se chamem, não se convoquem, não se recuperem para outras eras e costumes. Pois o ódio nunca se extingue, se uma vez foi descoberto; ele é como a esperança, mistura-se a tudo o que é disponível, à beleza mesma e ao desejo do bem.» Alegria do Mundo II, Argila e Bronze...

Se a verdade e o amor podem ser extintos, o ódio nunca prescreve. 

27.10.22

Cito Natália Correia

Exercícios nucleares russos foram um ensaio para “obliterar” a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, garante responsável
(...)
EUA antecipam envio de bombas nucleares ‘melhoradas’ para as bases da NATO na Europa. Começam a chegar em dezembro

«Eu não tenho certezas, mas tenho convicções, e uma das minhas convicções mais firmes é que nascemos para a liberdade. E, no entanto, veja o paradoxo: essa liberdade, esse caminho para a liberdade está ser cada vez mais obscurecido por aquilo que observamos no nosso mundo de hoje. Nós chegamos a esta coisa terrível, o chamado equilíbrio nuclear, que é o jogo de escondidas de duas disponibilidades criminosas para suprimir a humanidade. A humanidade está hoje pronta (parece que está sempre pronta!) para pôr luto por si própria. Isto não é uma forma humana de viver.» Natália Correia, em entrevista do DN de 11-9-1983. 

25.10.22

Da sujidade

Caminho pela direita, a pé. Em sentido contrário, aproxima-se um indivíduo que vem na minha direção e não se desvia...
Fico a pensar que o cidadão, talvez,  seja originário das ilhas britânicas.
(...)
No lago a limpeza das águas continua já lá vão dois meses. O número de patos não diminui... mudaram-se para a margem oposta àquela em que os trabalhos decorrem.
(...)
As eleições decorrem no Brasil. O que é que leva os governantes lusitanos a interferirem na guerra política de outro o país?
(...)
Cá no prédio, há quem se entretenha a enviar os elevadores para o 12º andar com paragem em todos os pisos...
(...) E depois há a questão da 'bomba suja' ucraniana, queixam-se os russos. E que pensar da 'invasão suja' russa?

23.10.22

Adriano Moreira e a política de integração

(Adriano Moreira. Foi meu professor, no sentido mais absoluto da palavra, sem que nunca tenha ousado dirigir-lhe a palavra. Bastava ouvi-lo, lê-lo... Aqui ficam algumas notas de 1993-94 na Universidade Aberta.)

Política de Integração

  Adriano Moreira[1]:
 
                1. Emigração e povoamento[2]
                2. Integração Multirracial[3]
                3. Estatuto dos Indígenas
                4. Assimilados
                5. Regedorias rurais[4]
                6. O problema das terras[5]
 
                Legislação[6]
 
                Decreto de 18 de Nov. de 1869 pôs em vigor no Ultramar o Código Civil ... ressalvou os usos e costumes das regedorias, e ainda dos emigrantes orientais, como os baneanes, bátias, parses e mouros (velha prática de séculos).
                Ver a acção do ministro João Belo em 1926.
                Lei orgânica do Ultramar, de 27 de Junho de 1953 [ S. Tomé e Príncipe e Timor deixaram de estar abrangidas pelo estatuto dos indígenas, tal como sempre acontecera com o Estado da Índia, Macau e Cabo Verde ].
                Estatuto dos Indígenas - dec.-lei 39666 de 1954 [ estatuto do direito privado dependeria do estatuto político ].
                Revogação do estatuto dos indígenas - dec.-lei 43893, de 6091961
                Dec-lei 43894 de 6091961 - regulamento de ocupação e concessão de terrenos nas províncias ultramarinas.
                O Dec. Lei 43895 de 6091961 sobre o povoamento (...) "independentemente da modalidade de povoamento e seja autóctone, natural ou imigrante o elemento povoador."[7]
        Dec.-lei 43896 de 6091961 regulamenta a organização das regedorias: organizam-se as regedorias, de modo a fazer intervir na gestão dos interesses comuns, de acordo com os processos tradicionais pelos quais sempre manifestámos o maior respeito.[8]
                O Dec.-lei 43897 reconhece os usos e costumes locais.
                Dec.-lei 43898 de 6091961 sobre a ocupação judicial do território.
                O Dec.-lei 43899 de 6091961 legisla sobre os serviços de registo.
 
                Livros: 
            * Ensaios, de Adriano Moreira
            * Angola do meu coração, de João Falcato
         * Actas do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos (Dr. Gilberto Freire; Prof. Damião Peres e Prof. Adriano Moreira)
           * Coleção Autores Ultramarinos (Lisboa)
           * Coleção Imbondeiro [9]
 
                Bibliografia:
           * Azeredo, Guilhermina de Brancos e Negros (1º prémio do concurso de Literatura ultramarina), 1955, A-G do Ultramar.
            Belchior, Manuel Dias ( prefácio pelo Dr. Marcelo Caetano), Compreendamos os Negros, 1951, A-G do Ultramar
                Cidade, Hernâni, A Literatura Portuguesa e a expansão ultramarina, 1943, A-G. do Ultramar
                Correia, Elias  História de Angola, 2 volumes, 1937, A-G do Ultramar
                Dias, Gastão Sousa, Os Portugueses em Angola, 1959, A-G. do Ultramar
                Galvão, Henrique, Dembos, col. "Pelo Império", nº3
                Guimarães, Pina, Campanha do Humbe, col. "Pelo Império", nº44
                Lavradio, Marquês do, A Campanha do Bailundo, col. "Pelo Império",nº2
                Monteiro, Armindo Governação de Angola, 1935, A-G. do Ultramar
                Morais, Belo, Operações militares de 1904 - o Bailundo, col. "Pelo Império", nº 91
                Oliveira, José Osório, Literatura Africana, 1944, A-G. do Ultramar
                Pires, António, Sangue Cuanhama, (1º prémio do concurso literatura colonial), 1949, A-G. do Ultramar                   
                Santos, Afonso Costa V. T., Angola, Coração do Império, 1945, Agência-Geral do Ultramar
                * Soares, Freitas, As operações militares no sul de Angola em 1914-1915, A-G. do Ultramar
                Soromenho, Castro, Sertanejos de Angola, col. " Pelo Império", nº98  
           

[9] - 0p.cit. p. 298, 299,300 (artigo de Mário António) - extensão do mundo que o Português criou [ o problema da definição de "cultura angolana" e da interpenetração de culturas ]
[1] - Moreira, Adriano, Política de Integração, in Boletim Geral do Ultramar, nº 434-435
[2] - "o povoamento constitui a melhor e a mais imprescindível das armas para que seja confirmada a missão de Portugal em África, a bem de todos os africanos."op. cit., p.217.
[3] - ver p. 221, op.cit.
[4] - Yaka, (Pepetela) p.69, 156,165 + a exemplaridade do Soba Moma
[5] - Yaka - p. 157 + Soba Moma
[6] - Boletim Geral do Ultramar, nº 434-435, Agosto-Setembro de 1961
[7] - "Por aqui se vê que o povoamento a realizar não se limita à instalação de europeus em áreas que oferecem condições de desenvolvimento intensivo. Abrange também a sedentarização organizada, a transferência cuidadosamente preparada, a assimilação mais rápida e eficaz de populações indígenas que se têm mantido à margem das formas de vida e trabalho da civilização." op. cit. 218
[8] - op.cit. p.213

21.10.22

S. Martinho

 
S. Martinho[1]
 
Pobre -------------- Tiago
Martinho ---------- Ricardo
Rainha Dona Leonor ---------
Fiéis ---------------
3 Pajens ----------- Marco e Pedro...
Morte ------------ Magda
Job --------------- Rui
Orvalho ----------
 
Local : Igreja das Caldas da Rainha
No dia do Corpus Christi de 1504
Adereços: capa; espada.
 
 À semelhança da representação do Auto da Índia penso que, devido à comodidade de representação e também devido à falta de recursos, se devia fazer um cenário completamente despojado e minimal.
No entanto os actores, principalmente o pobre, deviam estar um pouco mais cuidados para um maior realismo da peça.

 
O pobre encontra-se em frente à igreja do hospital das Caldas, no meio de uma multidão de devotos cristãos. Encontra-se quase sem roupa e coberto de chagas. Vai avançando e falando com diversas partes do seu corpo: mãos, pés...
 
Pobre:

Oh pernas minhas! Levai-me nem que seja mais um passo!
Mãos, peguem naquele pau e descansem, por um momento, as dores de tanta paixão.
Deixai-me passar por este caminho, para poder procurar o pão que alimente meu corpo doente até que venha a morte, que eu quero por minha companheira.
 
De seguida, e depois de ter interpelado algumas partes do seu corpo, dirige-se à assistência, que quer fazer participar na ação. A assistência representa, aqui, vários tipos de cristãos.
 
 Pobre:
 
Devotos cristãos, dai esmola a este desventurado,
Olhai como estou triste e magoado,
Olhai estes pés e estas mãos dilaceradas,
Contemplai estas chagas, que não têm cura;
São incuráveis para azar meu,
Ai que padeço de dores de morte!
E a vida que levo é contra natura!
 
Olhai mais uma vez o triste,
Que ainda antes de morrer é comido pelos vermes;
Olhai o mal servido de  pés e  mãos,
Olhai a miséria deste pecador;
Dai-me esmola por Aquele Senhor
Que vos protege de tantas dores;
Esmola bendita me dai, senhores;
Pois eu não a posso ganhar com o meu suor,
Tende compaixão deste pobre doente
Que, em tempos, foi um mancebo são e lúcido.
 
O pobre fala imaginariamente a entidades abstractas que poderão, ou não, ter corpos próprios.

Pobre:
 
Oh Mundo, a que tristes dias me trouxestes,
Eu que era vigoroso e valente,
Homem de bom semblante
Elogiado por toda a gente.
Oh Morte que tardas, quem te detém?
Eu já não me atrevo a ser mais paciente!
Oh paciência de Job,
Que queres que eu faça com tantos tormentos?
 Perdoa-me tu que os meus sofrimentos
 Não podem silenciar a miséria em que vivo!
 Fértil orvalho, que te fiz eu?
 Que as ervinhas florescem em Maio,
 E sobre as minhas carnes não lanças um saio[2] 
 Nem as dores deixam que eu o ganhe.
 
 
Pobre:
 
Morte,  deixa as meninas, as donas,
E as donzelas viver louçãs,
Deixa as aves cantar,
E deixa os rebanhos andar pelas penedias.
Leva-me a mim! Porque me desprezas
E matas quem merece a vida?
Tira-me a minha triste alma desta podre prisão,
Não queiras mais sinais.
 
O Pobre volta novamente a pedir.
 
Dai-me agora uma esmola pela paixão
Do filho de Deus que pobre se viu,
Daquele que por nós foi morto: ferido,
Flagelado e crucificado pela redenção.
Olhai, agora, ricos que bem me podeis
Dar os vossos bens, pois sois tesoureiros,
Sede, assim, bons despenseiros
E as vossas riquezas duplicarão.
 
O Pobre queixa-se das chagas, das dores e da fome. Entretanto, surge Martinho. O Martinho de Tours, o que reparte a capa... Martinho não é mais do que a máscara de Leonor.
 
Pobre:
 
Devoto senhor, real cavaleiro,
Volvei vossos olhos para tanta pobreza,
Que Deus vos recompense de vossa gentileza,
Dai-me  esmola, que eu morro de fome.
 
Martinho:
 
Irmão, agora não trago dinheiro.
 
E voltando-se para a sua escolta:
 
Vós outros trazeis dinheiro que possamos dar em nome de Deus?
 
Pajens:
 
Não, de modo nenhum.
 
Martinho:
 
Nenhum de vocês tem nada que dê a este romeiro?
 
Pobre:
 
Não há dor que eu não sinta,
Senhor, tende compaixão de meus males.
 
Martinho:
 
 Quem agora tivesse dessa paixão
A parte que mais te atormenta!
 
Pobre:
 
 Guarde-vos Deus de tão grande afronta,
 Deus vos dê riqueza e muita saúde,
 Dai-me esmola por vossa virtude,
 Que a minha grande pobreza não há quem a sinta.
 
Martinho:
 
Não te posso dar nada para as dores,
Nem aos teus males posso pôr cobro.
Pois não trago outra esmola,
Partamos, aqui, esta capa ao meio.
Rogo-te irmão que rezes por mim,
pois ao sofreres dores nesta triste vida,
A tua alma em glória será recebida
com doces cantares.
 
Enquanto com a espada corta a capa ao meio, Martinho canta o Lauda Sion Salvatore:
 
Laus et honor tibi sit rex Christe redemptor
Cum puerile decus prompsit hosanna pium.
Gloria, laus et honor...
 
Saem em procissão... do Corpus Christi
[1] - Adaptação do Auto de Gil Vicente "Martinho". Autores João Miranda ( 10º A) e  Manuel Gomes (2002-2003)
[2] - antiga veste larga e com abas e fraldão.

19.10.22

Água de Outubro

 

A moral é da Agustina Bessa-Luís. Roubei-a de uma crónica intitulada 'Água de Maio'... Um lavrador, de visita a um filho deslumbrado com a cultura cosmopolita, respondeu do seguinte modo à pergunta ' - Conhece alguma coisa que possa valer mais do que isto, meu pai?':
- Um dia de água em Maio, lá na terra, vale muito mais .

Hoje, chove com alguma intensidade, o que, de facto, vale mais do que todos os planos, todos os debates, todas as acusações que a classe política vai atirando ao vento...

Água de Outubro, em vez de mistificações de bolso...

17.10.22

A tristeza do mundo


Tenho aqui ao lado, em planos distintos,  A Alegria do Mundo, da Agustina Bessa-Luís. A leitura deixa-me a sensação de que o título é demasiado subjetivo. Naqueles anos, o mundo não seria assim tão alegre! No entanto, a autora conseguia recriar as ruínas de tempos esquecidos, imaginando, assim, que participava ativamente de uma alma que só na província permanecia viva... Talvez a Sibila lhe tivesse soprado ao ouvido que o pior ainda estava para vir...
De todas as imagens que hoje vi, apesar do espírito festivo de umas poucas, também elas paroquiais, só decorre malvadez e impunidade. 
Várias placas se movem na expetativa de aniquilar uma grande parte da humanidade, como se estivesse em curso uma grande limpeza cósmica ...

14.10.22

No tempo em que se lia A Sibila de Agustina...

Abertura: diálogo entre Germana e Bernardo - continuação do diálogo iniciado no cap. XIX. (234) Sob o olhar de Germa: o velório (o seu significado sociológico) de Quina, reacções de Augusto, ingénuo, puro e bronco; o contraste entre a atitude dos familiares e a atitude de Augusto - o papel do discurso directo; a impressão de vazio - de fim de um tempo - entrecortada pela alegre gaita de beiços de Custódio, a transformação física de Custódio - o retrato de Custódio / o “fascínio do olhar morto”, o desgosto de Custódio - a analepse referente ao “amortalhar” de Quina - as reacção de Inácio Lucas. O testamento (238), Germa, a herdeira absoluta, excepto do que Quina adquirira após a morte de Maria... Reflexão sobre a herança, como empréstimo e não como dávida (239)
Custódio, porém, não ficava deserdado... esbanjador... recusa abandonar a Vessada - a vida de Custódio após a morte de Quina (240). A morte de Estina no verão seguinte (?) o caminho de Inácio Lucas .... Tinham passado dois anos (245)
Este diálogo introduz a situação / caracterização destas personagens e a questão essencial colocada pela obra: Quem sou eu / Germana?
A resposta é nos dada pela história da família Teixeira.
(...)
Cap. XVIII: A morte de Quina - p. 233-234
Comentário detalhado, sobretudo, em termos ideológicos: a concepção animista da vida e da morte face às concepções trágica e dramática; a singularidade da personagem-herói. O “diálogo” de Quina (consciência e, sobretudo, sentidos auditivo e visual) com os “passos” - a presença fantasmática da morte que atravessa a casa na direcção de Quina; a chama da vela e o vento. O papel da questão de retórica ( as estratégias do narrador: o ponto de vista). A noite alta e a madrugada. A morte: passagem / regresso ao cosmos. O advérbio de modo; a escolha do léxico; as comparações e as metáforas; o simbolismo; o contraste / paradoxo... a descrição dinâmica...
(...)
Num dia de chuva intensa - Outono, o carteiro anuncia o nascimento de Germa. (95) Quina detestava que lhe escrevessem postais - a indelicadeza: comunicação sujeita à curiosidade. Quina embriaga o carteiro. Maria manda-o embora.
Este nascimento não as entusiasmou (98).
(...)

“ De resto, a morte dum velho não inspira dor a outro velho - inspira pânico.” (89)
A vaidade de Quina:” Invadia-a uma exultação. “Ele precisa de mim - pensava -, ele está calmo e não sabe que vai morrer só porque eu quis assim...” (91) / a jubilosa agonia de Quina / o tom postiço da voz de Quina / penetrada de exultante felicidade(93)
“Na morte não há irmãos, ele já não é mais nosso...” (93)
O velho morreu de madrugada
Domingas, viúva, amortalhadeira, atreita a amores... Quina detestava-a, “pois a sabia enredadeira e mentirosa.” Dominga era a única mulher que “bendizia os homens” (92)
O abade e a casa da Vessada (94-95): “O padre era-lhes venerável, ainda que a criatura humana fosse para elas cheia de misérias.”

Só quem por lá passou compreende como a vida pode ser postiça... o resto é presunção e muita água benta para afogar as indelicadezas ...

12.10.22

Divulgação: @

        Sabe qual é a origem da arroba?

Na Idade Média os livros eram escritos pelos copistas, à mão. Precursores da taquigrafia, os copistas simplificavam o trabalho substituindo letras, palavras e nomes próprios, por símbolos, sinais e abreviaturas.

Não era por economia de esforço nem para o trabalho ser mais rápido (tempo era o que não faltava naquela época ). O motivo era de ordem económica: tinta e papel eram valiosíssimos.

Foi assim que surgiu o til (~), para substituir uma letra (um “m” ou um “n”) que nasalizava a vogal anterior. Um til é quase um enezinho sobre a letra.

Já para substituir a palavra latina et (e), os copistas criaram um símbolo que é o resultado do entrelaçamento dessas duas letras: &. Esse sinal é popularmente conhecido como “e comercial” e em inglês tem o nome de ampersand, que vem do and (e em inglês) + per se (do latim por si) + and.

Com o mesmo recurso do entrelaçamento de suas letras, os copistas criaram o símbolo @ para substituir a preposição latina ad, que tinha, entre outros, o sentido de “casa de”.

Veio a imprensa, foram-se os copistas, mas os símbolos @ e & continuaram a ser usados nos livros de contabilidade. O @ aparecia entre o número de unidades da mercadoria e o preço – por exemplo: o registo contábil “10@£3” significava “10 unidades ao preço de 3 libras cada uma”. Nessa época o símbolo @ já ficou conhecido em inglês com at (a ou em).

No século XIX, nos portos da Catalunha, o comércio e a indústria procuravam imitar práticas comerciais e contáveis dos ingleses. Como os espanhóis desconheciam o sentido que os ingleses atribuíam ao símbolo @ (a ou em ), acharam que ele seria uma medida de peso. Para o entendimento contribuíram duas coincidências:

1-  a unidade de peso comum para os espanhóis na época era a arroba, cujo “a” inicial lembrava a forma do símbolo;

2- os carregamentos desembarcados vinham frequentemente em fardos de uma arroba. Dessa forma, os espanhóis interpretavam aquele mesmo registo de “10@£3” assim: “dez arrobas custando 3 libras cada uma”. Então o símbolo @ passou a ser usado pelos espanhóis para significar a medida de peso arroba.

A palavra Arroba tem origem na palavra árabe ar-ruba, que significa “a quarta parte”; efectivamente a medida de peso arroba (cerca de 15Kg) correspondia a ¼ de outra medida de peso árabe o quintar (quintal) correspondente a 58,75 Kg.

As máquinas de escrever, na sua forma definitiva, começaram a ser comercializadas em 1874, nos EUA e o seu teclado tinha o símbolo @ que posteriormente sobreviveu no teclado dos computadores.

Em 1972, ao desenvolver o primeiro programa de correio electrónico (e-mail), Roy Tomlinson aproveitou o sentido do símbolo @at”, disponível no teclado, utilizando-o entre o nome do usuário e o nome do provedor. Assim fulano@provedorx ficou a significar “fulano no provedor X”.

Nos diversos idiomas o símbolo @ ficou com o nome de alguma coisa parecida com a sua forma:

Ø  italiano - chiocciola (caracol)

Ø  sueco – snabel (tromba de elefante)

Ø  holandês – apestaart (rabo de macaco)

Ø  austríaco – strudel

(extrato do livro: “A Casa da Mãe Joana” – Reinaldo Pimenta)

10.10.22

O teste deu positivo...

 O teste rápido de antigénio (nasal) deu positivo... No entanto, a Direção Geral de Saúde não recomenda isolamento nem qualquer outra medida específica - talvez a máscara, talvez a lavagem das mãos... e um ben-u-ron de tantas em tantas horas...

Considerando que o teste de antigénio num hospital custa 28,50 e que deixou de haver qualquer tipo de comparticipação, creio que os portugueses já devem ter concluído que há outras formas de esbanjar o dinheiro... Por isso o número de testes diminui. E a morte voltou a ser um acontecimento privado...

 Eu lá paguei o teste. Sonso!

9.10.22

O espirro

Será que devo tomar um IVILCO? Porquê este e não outro medicamento?
Ou será que devo esperar para tomar a decisão? 
O quê? Outro espirro?
Hipocondríaco? Talvez.

Esta preocupação só encontra justificação na falta de sentido ... Não há nada pior do que a aposentação dos dias...

Há ainda, no entanto, coisas que não compreendo. Por exemplo, a pesquisa no blog não abrange todos os conteúdos... 

(A temperatura baixou, o sol encolheu-se... e o corpo reage sem razão, se tivermos em conta o que fica dito.)

6.10.22

O tempo

Como dissemos, as linhas de demarcação entre passado, presente e futuro modificam-se constantemente, porque os próprios sujeitos para quem um dado acontecimento é passado, presente ou futuro se transformam ou são substituídos por outros. Eles se transformam individualmente, no caminho que os conduz do nascimento à morte, e colectivamente, através das sucessivas gerações (e também de muitas outras maneiras). É sempre em referência aos seres vivos do momento que os acontecimentos se revestem do carácter de passado, presente ou futuro. A sequência social dos “anos que correm” (do ano 1 ao 2000 e além dele) desenrola-se, exactamente como as sequências principais de uma evolução estelar ou biológica, sem qualquer referência a seres humanos determinados. Por esse ponto de vista, entretanto, existe uma diferença entre as sequências de carácter social e as que, alheias ao homem, são de carácter puramente físico. Nas sociedades humanas, a experiência vivida de sua estrutura evolutiva pode contribuir para modelar o desenrolar dos próprios processos sociais. Por isso é que a experiência vivida das sequências de acontecimentos é parte integrante, na ordem social, do próprio desenrolar dessas sequências. Mas isso não acontece com  relação ao que chamamos de “natureza”, isto é, à dimensão física do universo.
Assim, o esclarecimento das relações, por vezes confusas, que se estabelecem entre conceitos temporais do tipo “ano”, “mês” ou “hora” (ou também “antes” e “depois” ) e conceitos do tipo “presente”, “passado” e “futuro” leva-nos a uma conclusão meio inesperada. Os conceitos do segundo tipo não se aplicam ao nível físico, àquilo que chamamos “natureza”, onde a causalidade mecânica passa, com ou sem razão, pelo modo representativo de ligação. Ou então, só se aplicam a ela na medida em que haja seres humanos que remetem a si mesmos os acontecimentos que se desenrolam nesse plano. Os conceitos de “presente”, “passado” e “futuro”, de qualquer modo, só podem relacionar-se com o perpetuum mobile das cadeias causais que compõem a natureza com base numa identificação de carácter antropomórfico, como quando se fala do futuro do Sol.
(…) O presente é aquilo que pode ser imediatamente experimentado, o passado é o que pode ser rememorado, e o futuro é a incógnita que talvez ocorra, algum dia.
                           Norbert Elias, Sobre O Tempo, 65-66, Zahar, 1998

3.10.22

Elucidação

Há um tempo para tudo, dizem os ponderados. De facto, não é assim quando se começa a pensar se devemos eliminar tudo o que esboçámos ou se há algum modo de 'arquivar' os esboços que fomos construindo ao longo da vida - isto quando não há obra feita... Felizes os que souberam fechar a obra! E há muitos, felizmente...
No meu caso, é tudo imperfeito e incompleto, talvez porque a pressa ou a necessidade de cumprir certos objetivos nunca deixou tempo de pausa... ou avançava ou ficava para trás - e o pior é que a paragem arrastava outros que não tinham culpa nenhuma. Há quem chame a este comportamento 'sentido de responsabilidade'...
A esta distância, a responsabilidade dilui-se e fica a dúvida se as apostas diárias foram acertadas ou apenas resultaram de um encadeamento mais ou menos gratuito. Por isso, este blogue passa a ser o depósito de registos desgarrados, mas que, à época, eram a expressão do empenhamento necessário à execução da vida.

2.10.22

Pedaço de mau caminho

Em toda a parte há um pedaço de mau caminho.”

As notícias diárias parecem querer impor a ideia de que só há maus caminhos.
O Governo cede aos interesses; os bispos fazem vista grossa ou os clérigos assediam os indefesos; a União Europeia deixa-se enredar na teia tecida por Moscovo e por Kiev; o Brasil é obrigado a escolher entre quem já deu provas de abuso de poder...
E depois há os fanáticos de todas as cores, de todas as bandeiras, que, em nome da justiça, agem como se o amanhã não interessasse mais...
E depois...