30.4.22

Uma ideia insensata

Para terminar este trágico mês de abril, em que alguns continuam a celebrar o passado enquanto que outros são chacinados ou obrigados a fugir do chão que os viu nascer ou os acolheu, vou anotar aqui uma ideia insensata: os americanos, mais do que a vitória da Ucrânia, desejam a derrota da Rússia.
Lá no fundo, os americanos sabem que tal vitória ucraniana só será possível com o envolvimrento direto da Europa, o que significa que, no melhor dos cenários, os povos da Europa também sairão muito mais pobres...
Esta ideia pode parecer insensata, mas surgiu-me no momento em que li que o Pentágono está a pressionar o governo português para que envie para Kiev um conjunto de blindados de lagartas do modelo M113A, de fabrico norte-americano, que se encontram no Campo Militar de Santa Margarida há quase 30 anos - veículos já em vias de obsolescência tecnológica. https://sol.sapo.pt/artigo/769878/eua-pressionam-portugal-a-ceder-blindados-a-ucr-nia

Enviar equipamento obsoleto não compromete os americanos, mas dá um sinal errado aos russos. E como bem sabemos, esta guerra não é só contra a Ucrânia, serve os interesses americanos e chineses, por mais que eles digam o contrário.

25.4.22

O pavor de Putin

Bem sei que no dia 25 de Abril recuamos no tempo e por lá ficamos umas horas, perdendo-nos em citações, umas mais poéticas outras mais grotescas... e poucos levam a mal.

No entanto, hoje, as minhas citações obedecem a uma preocupção distinta. Vou citar Elias Canetti, com uma singela recomendação. Procurem ler atentamente o ensaio PODER E SOBREVIVÊNCIA, publicado em 1962:

  • Entre os fenómenos mais sinistros da história intelectual humana encontra-se a fuga ao concreto.
  • O autêntico intuito do poder é tão grotesco como incrível: ele quer ser o único. Quer sobreviver a todos, para que nenhum lhe sobreviva. É a todo o custo que ele é quer escapar à morte e, portanto, não deve haver ninguém, mesmo ninguém, que lhe possa causar a morte. Enquanto houver pessoas, sejam elas quais forem, ele nunca se sentirá seguro. 

23.4.22

O Primo Basílio, porquê?

Um pulha flaubertiano que atravessa íncólume o romance. No entanto, Eça de Queirós dá-lhe a capa...
Da Srª D. Luísa Mendonça de Brito Carvalho, o que dizer?  Apesar da nefasta leitura de romances românticos, o que parece ter-lhe desfeito a felicidade conjugal terá sido a partida do marido para o Alentejo, ausência aproveitada pelo retornado primo. O estrangeirado fascinou-a! 
A hipótese de Luísa conhecer o Mundo reduz-se ao viajado e experimentado Basílio. Afinal, o engenheiro Jorge vive num espaço fechado, cercado de amigos sem grandes ambições... a não ser  Acácio, 'a figura digna do Conselheiro'. 
Só que Acácio representa uma dignidade retrógrada, uma caricatura de um zelo artificioso, de um saber bafiento, de uma seriedade questionável... valores estes premiados com o grau de cavaleiro da ordem de Sant'Iago.
Não fossem a Juliana e o Julião, tudo no romance cheiraria a ranço, e não sei se valeria a pena propor a leitura do 'Primo Basílio' a quem quer que fosse, embora destas duas personagens também não haja nada a esperar... a revolta social esfuma-se num aneurisma, e a revolução não passa de uma ameaça inconsistente.
E o estilo? Esse fica para os estilosos...

18.4.22

Os estrénuos defensores da Terra... e a guerra


Não percebo o que é que está a acontecer com os estrénuos defensores da Terra.
Ainda não há muito, moviam céus e terra para estarem presentes no palco mediático, defendendo as energias limpas, combatendo a desflorestação, apelando à descarbonização e, sobretudo, à mudança da mentalidade consumista e predadora de recursos...
Agora que a Rússia tudo põe em causa, destruindo, de forma sistemática, o território e todas as espécies que nele coabitam, sabotando os esforços, entretando, encetados para preservar a Terra, os estrénuos defensores da Terra parece que optaram pelo silêncio cúmplice...

15.4.22

O ator não perece, mas falece a pessoa...

 

Por uns tempos, o ator não perece, mas falece a pessoa...e se alguma coisa sobra é a máscara... A Eunice vai continuar por cá na memória de uns tantos, mas não para sempre...
E as personagens vão continuar a ser reinventadas, esperar-se-ia que para sempre... 
No entanto, noutros palcos, há certas pessoas que se imaginam imortais... e que apostam tudo no aniquilamento da vida, querendo  convencer-nos que os seus gestos são nobres...
Esses atores proclamam a palavra e, ao mesmo tempo, disparam as armas... cada vez mais mortíferas.
E nós assistimos serenamente, esperando que um dia as forcas se erguerão das cinzas... Só que nessa hora não haverá ressurreição possível!

10.4.22

Aquele que tem plena autoridade


 “Neste período difícil para nossa pátria, que o Senhor ajude a cada um de nós a nos apoiarmos mutuamente, inclusive em torno do governo, e que ajude o poder a ser responsável pelo povo e a servi-lo com humildade e boa vontade, inclusive dar a sua própria vida.”, disse Cirilo I na missa do dia 10 de março, em Moscovo

Nota: Cirilo (em russo: Кирилл, Патриарх Московский и всея Руси), (nome secular: Vladimir Mikhailovich Gundyayev (em russo: Владимир Михайлович Гундяев - Leningrado, União Soviética, 20 de novembro de 1946) é um bispo ortodoxo russo e Patriarca de Moscou e Toda a Rússia e Primaz da Igreja Ortodoxa Russa desde 1 de fevereiro de 2009.

Cirilo: 'aquele que tem plena autoridade' para se sujeitar a Putin... 

Que mais dizer? A Igreja lá, como em muitos outros lugares, no passado e no presente, continua ao serviço dos ditadores megalómanos que continuam a alimentar sonhos imperiais anacrónicos...

7.4.22

Por onde é que andam os satélites?

«Além de ajudar a prevenir os impactos de eventos naturais, os satélites também fornecem dados da atuação humana irresponsável ou até mesmo ilegal, conforme leis nacionais e internacionais, na Terra.»

Li algures que os satélites servem para monitorizar tudo e mais alguma coisa, como, por exemplo, atividades ilegais. 
Ora a invasão da Ucrânia é uma ação irresponsável, desumana e certamente ilegal. E se assim é, qual é a verdadeira monitorização dos movimentos bélicos da Rússia no seu território, nos territórios vizinhos e noutros mais distantes?
Que informação é que a NATO está a transmitir à Ucrânia? E a China que uso é que está dar aos  seus satélites? 
Será assim tão dificil monitorizar tudo o que se passa no solo, no mar e no ar, acabando com a desinformação que vai fazendo o seu caminho, permitindo que se instale um sentimento de indiferença e, ao mesmo tempo, uma corrida desenfreada a todo o tipo de armas, sem falar no rearmamento de muitos países?

5.4.22

A Propaganda tolhe-nos a vista

 

«Uma vez disse a António Ferro: Você faz a propaganda da Propaganda. E eu acho que a propaganda é como a luz indirecta: deve iluminar sem ser vista.» Leitão de Barros

São tantos os olhos que se movem no palco da guerra que, paradoxalmente, as imagens vão cristalizando, deixando-nos na dúvida...
No caso da invasão da Ucrãnia, melhor seria que os encenadores se retirassem da boca de cena..., deixando atuar simplesmente os repórteres de imagem, sem previamente os domesticar, claro está.

Talvez, então, percebêssemos quem está a tirar proveito desta barbaridade. Sim, porque, desde que o conflito teve início há quem tenha ficado mais rico...

2.4.22

Elias Canetti, A Língua Resgatada - História de uma Juventude

«Tu ainda não és nada e convences-te de que és tudo o que conheces dos livros e dos quadros.»

O romance revela-nos a vida de um jovem de origem sefardita, entre 1905 e 1921, em várias cidades: Ruse (Bulgária); Manchester (Inglaterra); Viena (Austria); Zurique (Suiça)...

Vivendo num meio judaico, vai tomando partido..., rejeitando aqueles que asseguram o sucesso financeiro da família, e amando os que o deixam crescer no mundo das ideias, da inteligência. Mantém uma relação muito profunda, primeiro com o pai, entretanto falecido, e depois com a mãe com quem estabelece um diálogo confessional permanente, por vezes, asfixiante... que acaba por afastá-lo da vida real, como fica claro no última sequência - O Paraíso Perdido.

Como a leitura da obra não deve ser substituída por qualquer resumo, aproveito apenas para chamar a atenção para a sequência Como uma Pessoa se Torna Odiada (páginas 259 a 265 da edição portuguesa, editora cavalo de ferro, 2018). Faço-o, porque em termos pedagógicos este texto pode ser ser extremamente útil para quem todos os dias gere uma sala de aula.