22.8.08

Fundão

Igreja de Santo António
Para além das marcas da religiosidade provinciana, há por aqui múltiplos traços do Estado Novo. Basta observar a arquitectura: Cafés Aliança, Portugal...o Cineteatro Gardunha. Mas há também o novo riquismo da democracia de Abril. Procure o Mercado Municipal e olhe em redor - uma arquitectura "faraónica". Por outro lado, o capital financeiro também se concentra de forma bem VISÍVEL na avenida principal. Se espreitarmos por detrás das fachadas, a realidade é, no entanto, menos apetecível. As páginas do Jornal do Fundão mostram-nos que as eleições se aproximam e que há equipamentos sociais condenados ao abandono... (Para além de acolher um artigo de agradecimento do medalhado Arnaldo Saraiva que frequentou o Seminário local que um dia visitei e do qual sempre guardei uma imagem de pobreza extrema.) Aliás, o abandono parece ser, também, o destino dos mais idosos, como prova o seguinte episódio. Sentados (eu e minha mulher) a uma mesa da esplanada de um dos cafés mais frequentados, vemo-nos subitamente acompanhados por duas enlutadas senhoras idosas que, cansadas, se sentam e desfiam misérias: abandono, solidão, lágrimas pela incompreensão de um filho, pensamentos suicidas. O empregado de mesa olha-nos com um ar de surpresa e repreensão. Não está acostumado a que os clientes possam ser incomodados... foi preciso tranquilizá-lo, embora me pareça que, de facto, ele não sabia como agir naquela situação. Do que pude ouvir, uma das idosas, mais sorumbática, era acompanhada pela serviços da Santa Casa da Misericórdia, enquanto que a segunda, de lentes garrafais e gordurosas, confessava a uma senhora caridosa (?), de meia idade, que, entretanto, se aproximou da mesa, que não tinha dinheiro para pagar a quem lhe levasse o almoço a casa e fizesse a limpeza. O Anjo da harmonia social lá lhe foi dizendo que não aceitava aquele desespero pecaminoso, que ela tinha direito a uma refeição e a limpeza uma ou duas vezes por semana, que o importante era a papelada...Resolvida essa questão, os dias serão de esperança e não de desespero... E lá fiquei a pensar nas benditas medidas dos engenheiros Guterres e Sócrates que, como no tempo dos faraós, para serem levadas à prática exigem que a miséria ganhe forma de letra. Se o pobre for analfabeto, infoexcluído, então, o melhor (Deus nos livre!) caminho é o suicídio.

1 comentário:

  1. Estas coisas dão que pensar. Hoje como ontem. Hoje, ainda mais.
    Fui hoje ao peixe, ao supermercado, aqui em Agualva, às portas de Lisboa. Uma senhora acima dos setenta acercou-se da banca e pediu uma garoupa. Só uma, que era só para ela. O bicho teleósteo teria pouco mais de um palmo. Sobre se queria que lhe desse um golpe ao peixe, a senhora pediu por favor que o cortasse em quatro postas, que era um bocado grande...
    Pelos vistos, do tamanho da fome, para durar...
    Em Agualva, como no Fundão, estas coisas dão mesmo que pensar...

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