8.6.06

Ondaka

«Ouvir, ouvimo-la mas agarrá-la é impossível - Ondaka, a palavra ou a voz Provérbio umbundu
Ultimamente, o ruído tem vindo a aumentar. Deixámos de procurar 'Ondaka'. Não parece sequer que a consigamos ouvir, quanto mais prendê-la.
Querem, agora, que a aprendamos maoisticamente, no pré-escolar e no primeiro ciclo, em sessões de 60 minutos de revolução cultural. Um robot lerá por nós estórias de encantar e nós, religiosamente, escutaremos a maviosa voz que se anichará definitivamente no nosso pequeno cérebro.
Naturalmente, desenvolveremos a competência de escuta difusa - aquela em que a voz robótica se deixa interseccionar pelos olhos azuis-verdes que nos fitam do fundo de um galheteiro esquecido no canto da aranha...
(...)
Mais tarde, aconselhar-nos-ão a procurar um psicólogo que nos explique por que motivo nos recusamos a ler e, sobretudo, que nos ajude a vencer aquela dispersão que nos impede de distinguir as vozes.
(...)
Enquanto o ruído continua a aumentar, uma distante e irremediável voz ecoa em nós...

4.6.06

Educação à la carte...

«Eu não sei se há país da Europa, em que a criatura, que sobre o seu destino e o dos outros ousa meditar, sofra tão miseravelmente a angústia de pregar no deserto (quando prega) ou a de sentir que os outros falam outra língua (quando se cala e os ouve).» Jorge de Sena, Meditações Sobre a Lei Seca.
Pensar a educação em termos nacionais não é prioridade do Ministério da Educação. A senhora ministra, talvez por influência do ministro da saúde, prefere gerir o ministério como um hospital repleto de doentes e em que a maioria dos médicos também se encontra doente. Por isso, para cada situação clínica, avança com um diagnóstico, que pode ir do encerramento da unidade de saúde a uma sanção pecuniária - em casos extremos, algum médico amigo mais saudável poderá receber um bónus a definir... Mas o que lhe interessa, é assinar muitos contratos e protocolos com as forças vivas locais e regionais, esperando que essas forças sejam suficientemente sensatas, honestas e desinteressadas, que ponham o interesse nacional acima do interesse particular...
(Como é sabido, há muito que essas forças minam o subsolo nacional, deixando qualquer estrangeiro estupefacto face à impunidade reinante. Em Portugal, a impunidade tornou-se um dado cultural. E não se diga que vivemos no reino da estupidez ou num jardim inefável! Pobre Jorge de Sena!)
Desde 1974 que na escola portuguesa não há liderança porque o Estado não tem uma política educativa clara. Prefere que cada escola faça a sua escolha, deixando que o critério político, oportunista ou de simples caciquismo local ou regional se sobreponha à execução de um projecto educativo nacional. E fá-lo hipocritamente, porque esse laxismo lhe permite não pagar devidamente a quem deveria gerir as escolas.
Sem mudança no modelo de gestão das escolas, não é possível mudar o modelo organizativo. A escola não pode continuar a depender da iniciativa de indivíduos ou de grupos - do amiguismo -necessita de ser pensada globalmente por um conselho de gestão executivo e pedagógico, suficientemente ágil nas decisões, mas a quem possam ser imputadas responsabilidades... E esse órgão deverá ser remunerado, de forma diferenciada, como acontece em qualquer empresa pública ou privada.
Em fundo, ouço a senhora ministra perorar prolixamente sobre aspectos pontuais. Não lhe ouço, no entanto, qualquer palavra sobre um projecto educativo nacional. E esse é o problema nº1 da educação: o país não sabe o que quer; prefere andar à deriva, ao sabor dos impulsos dos assessores - especialistas (atomistas) que nunca dão a cara e são pagos principescamente!

3.6.06

Variante Mbala

Querendo fundar uma nova sociedade 'igualitária', os jovens decidem matar os chefes de linhagem - todos os pais (símbolo: cabeça) e todos os tios (símbolo: perna). Passado pouco tempo, e vendo-se perante um animal monstruoso sem cabeça e sem pernas, os jovens decidem restaurar a autoridade dos velhos.
Na situação actual, nem os jovens parecem querer matar os velhos, desde que estes lhes continuem a alimentar os vícios, nem o animal acéfalo e perneta que nos governa parece disposto a prescindir do seu trabalho..., mesmo que lhes reserve uma prateleira supranumerária no disco rígido do ministério da rapina.
Os velhos são os novos escravos do séc. XXI, irremediavelmente sujeitos ao contrato da mobilidade, e totalmente anatemizados se procurarem viver para além dos 65 anos. Não podendo ser suportados pela família que, entretanto, deixou de ser a célula matricial da sociedade, é lhes pedido um esforço derradeiro: - Em nome dos futuros pensionistas, devem continuar nos seus postos de trabalho até morrer!
Paradoxalmente, a maioria dos futuros pensionistas - os jovens, pelo menos, até aos 35 anos de idade - continua desempregada sem mostrar qualquer vontade de eliminar os chefes de linhagem.
Muitos daqueles jovens que entraram na vida activa em 1973-74-75, começaram por colocar a sua juventude ao serviço de um Ideal 'igualitário', suportaram todas as arbitrariedades de preclaras luminárias, para agora estas lhes dizerem: - Sois um fardo que a nação só pode suportar se continuardes a trabalhar, de preferência, até morrer.
Entretanto, os jovens de hoje continuam uma vida virtual, comportando-se como os negreiros...

1.6.06

Um país sem alma!

«Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.» Álvaro de Campos, Ode Triunfal
O Governo em geral (o M.E., em particular) em vez de combater os factores que contribuem para o insucesso do sistema educativo, decidiu encabeçar uma cruzada contra os professores, responsabilizando-os pela insolvência do Estado. Quer, agora, reduzir a massa salarial global dispendida com os professores, aumentando aqueles que se encontram no início de carreira ( gesto hipócrita de quem não se propõe contratar novos professores!) e aumentando, também, os quadros superiores da Administração Pública ( o que esconde um efectivo aumento das medíocres hostes partidárias que ocupam todos os lugares de relevo - da Assembleia da República aos Ministérios, passando por todas as correias de transmissão...). Quanto aos restantes professores, reformula-lhes as carreiras de modo a que progressão seja mais lenta, isto é, reservando os lugares do topo, certamente melhor remunerados, para aqueles que se disponham a servir, não o Estado, mas os partidos (talvez, se pudesse, aqui, falar em castas!) que controlam a vida política.
O que está em causa não é a reforma da educação, não é a formação dos jovens de modo a que se possam integrar cedo na vida activa, contribuindo para o rejuvenesciento laboral, não é ajudar os professores a alterarem os seus métodos de trabalhar e, também, não é, ao contrário do que se veicula através das televisões, dar mais intervenção aos encarregados de educação na avaliação do trabalho realizado pelos professores. O que se esconde é a decisão de distribuir a riqueza, nacional ou europeia, por todos aqueles que zelosamente suportam o poder. É a partilha da pimenta, do ouro, do açucar, da borracha, dos diamantes, do petróleo, das remessas dos emigrantes, dos fundos europeus, dos subsídios, dos impostos... IVA, IRS, IRC...
É o salve-se quem puder num país que nunca conseguiu, por si, equilibrar o deve e o haver, e que não querendo (ou não podendo?) mudar de rumo, decide tudo fazer para desacreditar os seus funcionários...
Um país sem alma!
( Delírio)
E não vale pena dizer que vendemos a alma ao Diabo. Porque o Diabo é muito mais inteligente do que aqueles que, despuradamente, nos insultam e nos envergonham. É vê-los nos estádios, nas praças, nas televisões... sempre a trabalhar pela nação!
O que vinha a calhar era uma invasão estrangeira! Talvez os galheteiros fossem definitivamente corridos...
Post scriptum: Não sei se posso continuar por muito mais tempo contra-a-corrente. Já começo a sentir-me excedentário!

30.5.06

Homens que nunca tiveram escrúpulos...

«As grandes obras constroem-se no silêncio, e a nossa época é barulhenta, terrivelmente indiscreta. Hoje não se erguem catedrais, constroem-se estádios. Não se fazem teatros, multiplicam-se os cinemas. Não se compõem obras, fazem-se livros. Não se procuram ideias, procuram-se imagens.» Salazar, Extracto de entrevista publicada no Diário de Notícias em 16 de Outubro de 1938.
A multiplicação dos estádios, dos cinemas, dos livros e das imagens provocou a substituição da 'vida interior' pelo vedetismo, pelo voyeurismo, pela bisbilhotice, pela superficialidade. A morte da "alma" tornou-nos sobranceiros, violentos, maledicentes, vesânicos e, sobretudo, fez-nos perder a integridade.
A sobranceria permite-nos hostilizar grupos profissionais, étnicos e religiosos como se a decadência da nação fosse culpa deles e não dos sucessivos carreiristas sem escrúpulos que nos têm governado em nome de Abril.
Era bom que olhassemos sistemicamente para o interior das instituições de modo a separar o trigo do joio. Caso contrário, corremos o risco de sermos apenas um 'campo de joio'.
O joio alastra asfixiando os poucos grãos de trigo que compõem, por entre os escolhos, obras /ideias que, se lidas /ouvidas, bem nos poderiam ajudar neste implacável tempo de sujeição do homem.
E se não aprendermos a ser íntegros, os jovens responder-nos-ão com a violência, como aconteceu com aqueles que eram jovens em 1975 e que hoje nos governam.
Post Scriptum: A citação de Salazar é propositada. Ignorar o passado é hipotecar o futuro.

29.5.06

Exclusão e desertificação

(Expressão clara e revoltada)
Tenho 80 anos. Sou retornada de Angola. Recebo 240 euros de reforma. Tomo conta de um filho que a pátria sacrificou na guerra de Angola. Ele recebe 99 euros de pensão de invalidez. Vive fechado em casa. Não fala com ninguém nem mesmo comigo, a não ser para me dizer que não gosta deste ou daquele prato. Ainda ontem telefonei para a minha filha, não me atendeu. Também telefonei para a minha neta, com o mesmo resultado. Ninguém me ajuda. Há muito tempo que estou doente. A tomar conta deste filho que a pátria sacrificou e esqueceu. Fui à segurança social pedir ajuda, não quiseram saber. Voltei lá, disseram-me que como era dona de um apartamento não me podiam ajudar. Um apartamento que paguei com o suor do meu rosto e do meu marido, já falecido, há muito. Acabaram por me pedir os ordenados de todos os meus filhos. Os meus filhos têm a vida deles. Nasceram em Angola. Procuraram melhor vida na África do Sul. Não tiveram sorte. Partiram para o Brasil, também não. Um deles sei que regressou a Angola. Não sei se já tem emprego. Ele tem muitos filhos. Para que é que a segurança social quer os ordenados deles? Como é que eu posso preencher os papéis, se não sei deles, se eles não me respondem. O senhor presidente, que também serviu a pátria, eu sei, está preocupado com a exclusão daqueles que se encontram nos lares, e eu, senhor presidente, porque é que ninguém se preocupa comigo? Eu tenho 80 anos e o meu filho não tem vida, senhor presidente. O que vai ser de nós? E, sobretudo, dele? A segurança social não quer saber de nós! E o senhor presidente?
(Nocturno)
Deixo o carro no cimo do monte, e avanço, a pé, pela vereda que há muito não percorro. Reparo que o trilho está coberto de cartuchos de munições gastas em recentes caçadas. À volta, ergue-se o mato cada vez mais denso. Percorridos 800 metros, sob um calor de maio escaldante, apercebo-me que me encontro na outra extremidade da propriedade que queria visitar. Contemplo-a e apetece-me voltar para trás: o solo ressequido começa a abrir rachas, as figueiras e as oliveiras estão cercadas por densas plantas agrestes. É quase impossível avançar. Penso no futuro daquelas oliveiras, algumas com centenas de anos, e naquelas figueiras que, no passado, tanto odiei - as figueiras malditas. E vejo todo trabalho de gerações anteriores à minha a arder!
E, hoje, não tive coragem para me aproximar do poço que se encontra junto à ribeira, seca. Nem sequer o vi, completamente escondido pela exuberante e predadora vegetação.

28.5.06

Nunca soube...

Já não sei se parta se fique... ............................................................ Raramente estive na primeira linha e das poucas vezes que lá cheguei compreendi o incómodo de lá estar
Sempre fui um céptico
a quem exigiam certezas que eu não podia ofertar Faltava-me conhecer a terra vivi demasiado tempo longe do mar Só tarde me dispus a voar - as aves já não tinham onde pousar.