19.4.10

Art Research de Jorge Castanho…

 No 58 B da Rua dos Navegantes (Lisboa) é, agora, possível ver, em suporte material, a Fábrica de Anatomias que o Jorge vem disponibilizando online desde Setembro de 2008. Numa visão clássica mitigada, o primitivo (o mitológico) acorda em mim o movimento dos fantasmas que, outrora, habitavam as minhas horas… É com surpresa que acolho a paciência e o rigor do artista que ousa entrar em espaços que eu preferi desertar…

Espero que o Jorge não leve estas palavras a sério, porque, como ele ontem me disse, quem escreve vê sempre as coisas de um modo diverso… O escolho, no meu caso, está de tal modo escondido que as coisas se me escapam antes que as possa reter. E, ao contrário, o Jorge fixa a “res”, mesmo que ela insista em transfigurar-se…

18.4.10

Robert Longo, Freud's Desk and Chair, Study Room

Confesso que a exposição ‘Robert Longo - Uma Retrospectiva’, no Museu Colecção Berardo, me impressionou ao ponto de procurar mais informação sobre o artista norte-americano, nascido em 1953. E encontrei o sombrio gabinete onde Freud secava as almas dos seus pacientes. A secretária é me familiar; a cadeira lembra-me uma sentença de morte : http://www.artnet.com/awc/robert-longo.html

Ao lado, o gigantismo e o colorido de Joana Vasconcelos surpreendem. Mas só isso! Um pouco, como se estivesse de regresso ao séc.XVII: o deslumbramento é efémero…

17.4.10

Eyjafjallajokull…

Diversões é título da crónica de Filipe Nunes Vicente (Revista Ler 2010). Para quem não tenha tempo para ler os Pensamentos de Pascal ou as meditações de Freud, designadamente O Mal-Estar na Cultura, vale a pena reflectir sobre os exemplos do Dinis e do Rúben, sobre o modo como ocupam o tempo… «as grandes diversões, paulatinamente, assumem o papel anteriormente exercido pelos narcóticos: tornam-nos indiferentes às limitações da vida.»
Será a natureza (tropical ou vulcânica) capaz de nos fazer sobressaltar? Agora é que o TGV vinha a calhar!

14.4.10

Santos do pé-da-porta

 ... não fazem milagres
Colega de José Cardoso Pires e de Luiz Pacheco no Liceu Camões, Jaime Salazar Sampaio morreu, aqui, ao lado, sem que o tenhamos convocado…
Jaime Salazar Sampaio (Lisboa, 5.5.1925-13.4.2010). Obra: Teatro Completo 1997; Aproximação (1945[1]); O Pescador à Linha (1961)[2]; Os Visigodos (1968); Junto ao Poço (1971); A inauguração da estátua (1974); Conceição ou O crime Perfeito(1979)[3]; Desconcerto (1980); Fernando (Talvez) Pessoa (1982); Magdalena Lê Uma Carta (1984); Olá, Fernando (1988). Poesia: Em Rodagem, 1949; Poemas Propostos (1954); Palavras para um Livro de Versos; O Silêncio de um Homem; O Viajante Imóvel (1979); O Poço (nota incompleta)

[1] - Editada pelo autor e por Luiz Pacheco
[2] - Quando vi Beckett, achei que era tudo o que me faltava para saber o que era o teatro (…) A sua influência na minha escrita é inegável. Ver Entrevista ao Expresso, 6 de Dezembro de 1997.
[3] - Um dramaturgo de mulheres?

12.4.10

A caça e a retórica da masculinidade…

«Essas pessoas não sabem o que é o marialvismo. Eu sou um antimiguelista profundo. O marialvismo vem de D. Miguel. (…) Há muita gente profundamente antimarialva que gosta de touros e que gosta de caça. De resto, eu acho que tudo nasceu da caça. Tudo. A começar pela poesia. Tudo nasceu da caça.» (Revista Ler, Abril 2010, pág. 36.)

«Já fora do terreno, apercebi-me de que o tema do marialvismo surge como recurso retórico central em três outros universos discursivos e/ou performativos: no fado, recentemente construído como “forma musical nacional” mas na realidade surgido nas classes populares de Lisboa e apropriado pela aristocracia; na tourada e no mundo tauromáquico; e em discursos de mitologia política sobre a “alma nacional”, em tomo do tema do Sebastianismo e da Saudade.Em todos estes campos, um traço comum: encontram-se par a par dois extremos da hierarquia social: na tourada, a aristocracia dos cavaleiros e a plebe dos forcados; no
fado, a aristocracia boémia atraída pelo exótico e o lumpen proletariado urbano; no saudosismo-sebastianismo, as figuras mitológicas de reis divinamente inspirados lado a lado com uma Nação composta de camponeses. A figura do Marialva, a do fadista, a do rei providencial, a do cavaleiro, são protótipos de masculinidade: compõem-se, mais do que por oposição ao feminino, por oposição a uma “falta” de masculinidade na burguesia, na intelectualidade, na modernidade; e discursam sobre contradições dinâmicas da masculinidade ideal: entre a valentia e o deboche, entre a nobreza e a pulsão dos instintos.»
(Miguel Vale de Almeida, Marialvismo)

O escritor (José Cardoso Pires) define-o mais lapidarmente: o marialva é um indivíduo interessado num tipo de economia e política assentes no irracionalismo. (Miguel Vale de Almeida, Marialvismo)

Por mais que o Escritor pense que é um antimarialva convicto, talvez valha a pena reler e repensar a obra de Manuel Alegre, pois o homem que já tem uma cátedra na Universidade de Pádua  não descura a hipótese de ter outra em Belém.

10.4.10

Sem muralhas…

Durante séculos, empenhámo-nos em construir muralhas. Criámos um espaço público. A “praça” (a plazza; a ágora) era o centro da vida pública. Ricos e pobres, descíamos ao “centro” e partilhávamos o que queríamos tornar público. Lá, tomávamos conhecimento do que se passava no mundo.

Do outro lado da muralha, residia o privado, individual e institucional. Indivíduos e instituições apregoavam o direito à vida privada, à intimidade, ao sigilo, à confidencialidade, ao segredo de estado.

Hoje, a muralha abriu uma fenda de tal ordem que nem os indivíduos nem as as instituições resistirão à voracidade da rua.

A Igreja começa a ver na rua aquilo que tanto trabalho deu a preservar. O Estado é pasto da arraia-miúda. A Escola, ao querer sair à rua, acabará por sacrificar os pilares que a suportavam.

8.4.10

Borras…

Infelizmente, nem tudo é plano, circular e colorido. Vergado pelo odor das borras de azeite, tento dar mais um passo em frente, sabendo que a felicidade não passa de uma faúlha. Há odores capazes de destruir a luminosidade do fio translúcido do azeite.