28.11.13

Não me apetece escrever

Não me apetece escrever porque 4 portugueses são donos de 9,6 mil milhões de euros... 
Não me apetece escrever porque, de manhã, não pude folhear o CM, vendo-me obrigado a comprar o i, e este não me trouxe a notícia que ansiava - ela passava, fugaz, na primeira página do DN. Só mais tarde, percebi que, não sendo bordadeira nem carpideira, para mim, era NÃO-NOTÍCIA...
Não me apetece escrever porque não quero "autossuicidar-me" às 8 horas da manhã num banco de escola diante meia dúzia de plátanos chorões...
Não me apetece escrever porque o metro fechou as portas e os de sempre ficaram à lareira, com ou sem teste.
Não me apetece escrever porque não sei utilizar "palavras fortes", isto é, desconheço o que é o calão, pois há muito tempo que não viajo para as Mercês ou para Rio de Mouro. Se por lá andasse, arriscava-me a escrever um romance cheio de "palavras fortes". Supostamente, aquelas gentes não conhecem outro registo de língua, tal como há quem desconheça que possa existir a localidade "Rio de Mouro".
Não me apetece escrever porque Gabriel García Marquez inventou "Cem Anos de Solidão" para que um qualquer genealogista elaborasse uma árvore que desprezava os avisos...
Não me apetece escrever porque o Moita Flores prometeu que ia desvendar o assassinato do Presidente Sidónio e, afinal, ficou-se pelo título porque o processo consultado não dava para mais.
Não me apetece escrever porque Ulisses queixou-se da perfeição e preferiu voltar para Ítaca.
Não me apetece escrever porque, nas palavras de um esclarecido discípulo, o mesmo Ulisses foi substituído por um excêntrico boneco japonês, frustrando o Eça...
Não me apetece escrever porque a TAP está tentar vender-me um bilhete de regresso da Turquia sem que eu sequer tenha partido...
Não me apetece escrever porque na Universidade Nova, os gabinetes de trabalho fazem lembrar os gavetões do cemitério de São Marçal...
Não me apetece escrever porque Portugal, aconteça o que acontecer aos portugueses, não vai parar.

Só a imperfeição me faz regressar...

27.11.13

O compromisso

No ar, o desânimo, a descrença. 
Se a crença delega na intervenção externa, a descrença mina a vontade.
Entre ambas já não há fronteira: não há esperança!

Por enquanto a casa é lareira, 
embora não se saiba durante quanto tempo...
Só por cegueira se fica até mais tarde...

A linha (in)visível deslocou-se sem que a vela se deslocasse.
Já não há arvoredo nem flores nem aves

Só a mentira beija o frio dos teus lábios...

26.11.13

A crença

Há sempre quem acredite numa intervenção externa!
O Tribunal Constitucional virou lugar de peregrinação. São 13 os apóstolos da fé, pelo menos, foi o que entendi logo de manhã: 7 votaram pelo horário semanal de 40 horas para os funcionários públicos; os restantes votaram contra. 
Argumento, em registo familiar: os funcionários públicos não devem beneficiar de um estatuto privilegiado em relação aos funcionários privados ou até por conta própria, se esta categoria pode ser considerada.

O orçamento geral do estado acaba de ser aprovado pela maioria parlamentar, e logo, em coro, se roga ao Tribunal Constitucional que intervenha, que defenda a Constituição. O problema é que esta não proíbe os cortes nem  nada determina sobre a aplicação do princípio da retroactividade. Os legisladores eram homens sérios e, como tal, pensaram o texto constitucional como suporte do regime democrático, não imaginando que uma maioria eleita democraticamente pudesse fazer tábua rasa de princípios fundamentais...

Nesta situação, o pior inimigo do cidadão é a crença. Acreditar que os juízes irão fazer frente ao governo é o mesmo que pensar que, no Estado Novo, os tribunais plenários eram imparciais. Os juízes são homens e mulheres, têm família, amigos, partido e igreja, e acabarão por claudicar... 
A crença atual não é diferente da crença messiânica ou sebástica! Ela existe sempre como forma de compensar a inação, de manter o statu quo por muito precário que ele possa ser...

Por outro lado, é bom não esquecer que a maioria parlamentar é suportada, em grande parte, por um grupo significativo de cidadãos que continua a enriquecer, sem que os seus rendimentos sejam molestados... e desta vez não parece que eles façam parte do funcionalismo público.

25.11.13

O herói da futilidade

«A experiência é o terreno de prova.», Harold Pinter, Os ANÕES

Esta velha ideia já não encontra seguidores. 
Hoje, somos governados por homens e mulheres sem conhecimento e sem experiência. Estes governantes desprezam a experiência e, sobretudo, são um péssimo exemplo para as novas gerações...

Se os governantes maltratam os juízes, os professores, os médicos, os idosos, os doentes, os deficientes, o que é que poderemos exigir aos mais jovens? O que é que poderemos exigir às famílias? 
O que é que poderemos exigir...

A resposta surge sob a forma de notícia de:

a)  polícias que desrespeitam os pilares da democracia;
b) homens que agridem as mulheres até à morte;
c) assédio sexual e violação de menores e de idosos;
d) crimes de sangue por dá aquela palha;
e) assaltos, sequestros e vandalismo um pouco por toda a parte;
f) desfalques e tributação abusiva;
g) usura e tortura;
h) tráfico e consumo de droga a céu aberto e a coberto de opulentas mansões...

A notícia até tem jornal e TV para a amplificar, de preferência em direto!

( Na sala de aula, um professor não fala dos governantes sem conhecimento e experiência, não fala da notícia em direto! O professor procura que os alunos compreendam o pensamento de Vicente, Camões, Vieira, Garrett, Pessoa, Saramago... mas eles chegam naturalmente atrasados, sorridentes, pedem desculpa e sentam-se tranquilos como se fossem pedir uma cerveja ou charro, e ficam ali a desfiar um rosário de sensações, à espera do toque de uma campainha que, também, ela desistiu da sua função...)

«Se realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso.»

Dito de outro modo, o herói já não é o Nuno de Camões nem de Pessoa, nem o deus de Harold Pinter, que esse ainda conhecia o remorso. 
  

24.11.13

OS ANÕES. Não vale a pena querer recontar...

Não vale a pena querer recontar o romance "OS ANÕES" de Harold Pinter, porque falta a intriga ou, no mínimo, pode dizer-se que faltam as  peripécias. 
Quatro personagens - LEN, MARK, PETE e VIRGINIA - circulam num espaço fechado, discorrendo sobre comportamentos, em que a amizade e o amor mais não são do que um lugar de traição, de sadismo e de exibicionismo... As personagens, na verdade, não dialogam: acusam-se por vezes, bajulam-se outras...
Neste romance, a ação é puramente verbal: paroles, paroles, paroles... Parece haver nele um desafio ao leitor, como se este, ao ler, recriasse à mesa, na cama, à janela, na rua, num ou noutro bar, com os amigos, uma vida absurda, limitada à bebida, ao sexo, ao palavrear... tudo em discurso direto.
No essencial, estamos perante romance do absurdo em que todos queremos ser heróis ou deuses: «Se realmente sou um deus, sou o deus da futilidade e do remorso. Nunca fiz nada por ti. Gostaria de o ter feito
Neste romance, a fronteira que o separa do drama é muito ténue, talvez, apenas, uma convenção de época - 1952 -1956.
Confesso que li Os ANÕES até ao fim, não porque esperasse um qualquer desfecho, mas porque nasci no tempo da escrita, e as minhas memórias mais antigas situam-se também elas num espaço fechado em que as palavras teciam os seus próprios muros...

23.11.13

A pátria mesta

«Em virtude do Rei, da pátria mesta,
Da lealdade já por vós negada,
Vencerei não só estes adversários,
Mas quantos a meu Rei forem contrários!»
                 Os Lusíadas, Canto IV, estância 19

Este Nuno Álvares, que não tem dúvidas sobre qual deve ser o seu papel no combate aos inimigos externos e internos, em nada se assemelha a Nuno Crato que serve a todo o tempo interesses privados, sejam nacionais ou internacionais. Claro que Crato também serve o seu rei, vassalo da Troika!

Triste tempo, em que, não sendo mais possível nem aconselhável erguer a Excalibur, insistimos em jogos de poder, em  vez de desenhar uma estratégia de unidade que nos permita senão superar pelo menos imitar a Irlanda. 

'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!
                 Mensagem, Nun'Álvares Pereira


22.11.13

PACC - modelo - componente comum. Um incidente crítico?

Fui ler a Prova modelo e fiquei esclarecido. 
O objetivo é afastar, numa 1ª fase, todos aqueles que ainda encaram a escola como um lugar de aprendizagem responsável e que pensam que podem construir o ensino, tendo como âncoras não só o conhecimento atualizado, as novas tecnologias e, sobretudo, o aluno e as suas circunstâncias...

Há muito que defendo que a orientação do ensino está entregue a burocratas de gabinete partidário ou, em último caso, a arrivistas que desprezam tudo o que não tem origem nos modelos pavlovianos mais retrógrados. Só assim se justifica que o "modelo" apresentado seja o mesmo que já é aplicado tanto ao 4º ano como ao 12º ano de escolaridade. A matriz é a mesma!

O que mais intranquiliza é não se saber qual é o organismo (o IAVE.I.P?) que decide quais são «os conhecimentos e capacidades considerados essenciais para a docência». Qual é o papel das universidades? Qual é o papel das unidades orgânicas que se dedicam às ciências da educação?
Quanto ao objeto da prova, a sua especificação é vaga, citando os tradicionais estereótipos. Nada é concreto! Quem espera uma orientação, o melhor é começar a procurar um explicador formatado numa academia maoísta, se ainda existe alguma...
Há ali, no entanto, uma locução reveladora da doutrina subjacente: «um pensamento crítico orientado». Alguém deveria ter informado o relator que "pensar" sem capacidade de discriminar e valorar é absurdo. Pensar pressupõe orientação e capacidade crítica. Sem elas, caímos na fantasia ou, pior, no despotismo. De nada serve acrescentar adjetivos ao pensamento...
Os itens de escolha múltipla apresentados só podem ser pasto de humoristas pouco inspirados!
E quanto ao item de resposta extensa, se quisessem abordar o tema da tolerância em contexto escolar, então teriam escolhido um «incidente crítico"...