26.8.15

Os títulos são tão óbvios e fraldiqueiros

Por enquanto, ainda dou alguma atenção aos escaparates das livrarias. Só que perco a vontade de entrar: os títulos são tão óbvios e fraldiqueiros!
E quando entro, fico com a sensação de que caio numa das várias dornas que ali foram colocadas para me sufocar. A custo, liberto-me das aduelas, e passo os olhos pelas estantes, fixando-me sempre nos mesmos autores à espera de uma obra-prima... a vista turva-se, incapaz de distinguir a árvore do arbusto, e saio. Respiro fundo e sigo o caminho de regresso aos livros que já li e já esqueci ou, então, que ainda não li.
Saio com uma sensação de vazio e de perda. Mas, de certo modo, saio mais tranquilo porque, de facto, nunca tive o desejo de plagiar ninguém, de ser o que não sou. E como tal, conformo-me com as reflexões de Roberto Bolaño, romance 2666, pág. 901:

«A literatura é uma vasta floresta e as obras-primas são os lagos, as árvores imensas ou estranhíssimas, as eloquentes flores preciosas ou as escondidas grutas, mas uma floresta também é composta por árvores vulgares, por ervas, por charcos, por plantas parasitas, por fungos e por florezinhas. Estava enganado. As obras menores, na realidade, não existem. Quero dizer: o autor de uma obra menor não se chama fulaninho ou beltraninho. Fulaninho e beltraninho existem, disso não há dúvida, e sofrem e trabalham e publicam em jornais e revistas e de vez em quando até publicam um livro que não desmerece o papel em que está impresso, mas esses livros ou esses artigos, se você reparar com atenção, não estão escritos por eles.»   

25.8.15

Estado de anomia

ANOMIA é um daqueles termos que pode ajudar a caracterizar múltiplas situações. Por um lado, no que me diz respeito, 'anomia' define a dificuldade em selecionar a palavra apropriada ao objeto, à ideia, ao estado... Com a idade, a anomia vai-se agravando...
Por outro lado, a 'anomia' caracteriza o estado das sociedades em acentuada decadência, cujos membros deixam de respeitar as normas vinculativas; os indivíduos e, por vezes, as corporações passam a agir por conta própria desprezando os valores tradicionais. Aparentemente, os membros mais ativos parecem procurar uma nova ordem, criando situações favoráveis ao caudilhismo...

A anomia, de acordo com alguns teóricos, tanto pode trazer resultados positivos como negativos, sobretudo, em épocas de depressão financeira, económica e axiológica...
Eu, no entanto, quando olho para um país que, nas próximas eleições legislativas, apresenta a votos 3 coligações e 14 partidos, não consigo vislumbrar nada, para além de grupos e grupúsculos que procuram um lugar ao sol, porque, afinal, não sabem produzir nada.

E a prova do estado da anomia portuguesa é que não encontro uma única proposta que mobilize o país. Basta pensar nos milhões de euros consumidos pelos fogos de verão e de outono! Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um plano concreto para limpar o mato, para limpar a floresta, para desimpedir e abrir acessos, para melhor aproveitar os solos?   Qual é a coligação, qual é o partido, que apresenta um projeto nacional concreto para demolir ou para restaurar o património rural e urbano deixado ao abandono?    




24.8.15

Veneno ambulante

La belleza no es un capricho de un semidiós, sino el ojo implacable de un simple carpintero.
                                                                                                          Osip Mandelshtam

No outono de 1912, um grupo de seis jovens reúne-se em segredo para debater o futuro da poesia: Gumilev, Gorodetsky, Ajmátova, Mandelshtam, Narbur y Zenkevich.

Estes acmeístas russos defendiam a claridade apolínea, opondo-se ao delírio propagado pelos poetas simbolistas russos. 

Esta breve nota foi me imposta por Roberto Bolaño que, na página 843, do romance 2666 narra, de forma sumária, a vida de «um poeta acmeísta e a sua mulher reduzidos à miséria e à indignidade sem repouso», rejeitado pelos outros poetas russos, pois consideram  o acmeísmo «veneno ambulante».

Esta obra parece ter sido escrita para me confrontar com a minha ignorância!

23.8.15

A minha cruz

Não saio da rotina, a que a minha mãe chamava "a minha cruz". Múltiplas vezes, a ouvi falar da sua cruz, sem que tal eu interpretasse como "queixa". Quem é que iria queixar-se da "cruz", sobretudo em terra de cristãos velhos?
A verdade é que, ultimamente, tenho-me recordado das palavras, quase de rotina, de minha mãe. A terra continua a ser de "cristãos", cada vez em menor número, e a locução de certo modo tornou-se anacrónica... 
Já não sei se nisto tudo não há um misto de nostalgia, talvez a "cruz " da minha mãe lhe tivesse acelerado a passagem, ou, talvez, a nostalgia seja daquele tempo em que para mim não havia cruz a não ser a de Cristo. E essa era a vida que o Pai lhe dera...
A rotina prende-nos de tal modo que, quando damos por isso, já é demasiado tarde. No entanto, não é Deus nem o Fado nem o Homem que nos impõem a cruz, mas o Tempo, ou a falta dele...
(...)
Não saio da rotina nem me estou a queixar. Não estou é disposto em entrar em depressão nem a procurar o cirurgião plástico! 

21.8.15

No reino dos silvas, ainda há quem defenda que as figueiras são malditas

Figueira cercada 

As silvas matam a figueira
No país dos Silvas nem as figueiras escapam! E desta vez, nem posso atribuir a responsabilidade a outrem... sou eu que deixo que as silvas matem tudo o que lhes aparece pela frente...

Claro que se o Senhor Silva, no seu tempo de primeiro ministro, não tivesse desinvestido na agricultura, talvez eu, hoje, não me sentisse tão incomodado com o que observei ao querer apanhar uma dúzia de figos...

Porfiei e consegui apanhar uns tantos figos, sem esquecer as pobres pêras, também elas cercadas pelas malditas silvas, mas não escapei à fúria do silvado.

Em conclusão, estou disposto a vender o Vale do Oceano a quem queira erradicar as silvas e os Silvas deste país. 

Quem ler este desabafo, pode pensar que nunca se sabe se estou a falar a sério ou a brincar. Confirmo, no entanto, que já não estou em idade para brincadeiras.

20.8.15

Poupas às portas de Lisboa

Portela, LRS
Estas aves despertaram a minha atenção, porque não esperava vê-las aqui, na Portela...
Parece que vão estar por cá entre Agosto e Outubro e quando partirem far-se-ão acompanhar pelas crias que, entretanto, já estarão a crescer nalgum tronco de árvore da Quinta do Seminário. Será?
Estas aves são persistentes, pois no dia em que as descobri estiveram pelo menos duas horas a alimentar-se no mesmo lugar. Pobres das minhocas!

19.8.15

Sinal positivo, sinal negativo

Jardim do Campo Grande (Lisboa)
Limparam e repararam as brechas do lago. Sinal positivo!
Agora que ele está a encher de água límpida, há logo quem não resista a profaná-lo. Sinal negativo!
O homem é assim mesmo: não descansa enquanto não marca o território, não deixa a pegada da sujidade.
Paciência! Pode ser que, neste caso, a água de amanhã já não seja a de hoje, e, então a profanação já estará esquecida.

( Por cima do lago, a estátua mira-se num espelho mudo.)