7.11.18

Mesmo se em efígie, Manuel Alegre

De modo que é chegada a hora de enfrentar cultural e civicamente o fanatismo do politicamente correcto. É uma questão de liberdade. Liberdade para não gostar de touradas. Mas liberdade para gostar. Liberdade para não gostar da caça. Mas liberdade para gostar. Algo que não se pode decidir por decreto nem por decisões impostas por maiorias tácticas e conjunturais, Não é democrático. Para mim, que sou um velho resistente, cheira a totalitarismo. E não aceito. Manuel Alegre_ Carta Aberta

Embora ribatejano, nunca apreciei touradas, e quanto às artes da pesca e da caça sou uma nulidade. Li, no entanto, a maior parte da obra de Manuel Alegre, como li a de Miguel Torga e a de Aquilino Ribeiro... Nelas sempre encontrei a exaltação da caça, da pesca e o respeito pelos bichos, entre eles os touros... 
Compreendo a exaltação dos moralistas do momento - o politicamente correto é intemporal, apesar de oportunista. Por isso não vejo qualquer necessidade de queimar Manuel Alegre na praça pública, mesmo se em efígie...
Ninguém lhe pode pedir que abjure da obra realizada nem do combate travado contra o totalitarismo do momento...

6.11.18

A cor da leitura

«Foi então que um crítico, batendo com a mão na testa, (…) descobriu que a literatura devia ser lida, tinha de ser lida. Era preciso ler. Mas ler como a virgem lê o Primo Basílio, ler sem História, ler sem Ciência, ler sem Cultura, ler sem nada, ler apenas. Isto constituía afinal para toda a gente um grande alívio. Os povos carregados de História libertavam-se de um peso opressivo…» Jorge de Sena, A Crítica Moderna e os Prazeres da Leitura, 1963, in O Reino da Estupidez- I

Por razões profissionais, todos os dias me debato com a pergunta colocada na fachada do Liceu Camões sobre a cor da liberdade para Jorge de Sena... Já aqui escrevi que Sena tinha esperança que um dia haveria de viver em liberdade no país em que nascera, e que a cor, acrescento eu, seria o que menos importava…
No entanto, ainda não encontrei resposta para a questão, talvez porque não haja… O que me vem à cabeça é inconfessável, pois o sangue derramado em nome da liberdade é outro oceano por achar… A cor do sangue talvez pudesse satisfazer mentes menos exigentes do que a de Sena. No meu caso, a simples ideia de que a liberdade se deixa tingir de qualquer cor aterroriza-me - azul, vermelho, verde, preto, amarelo… da cor do arco íris…
(…)
Na verdade, esta recaída só serve para interrogar o que se passa atualmente com a leitura - muitos anos após a chegada da liberdade… Voltámos a ler como em 1963! Ler sem História, ler sem Ciência, ler sem Cultura, ler sem nada, ler apenas…
A situação é tal que dá vontade de perguntar qual é a cor da leitura… 

5.11.18

Reparar é tudo!

Por vezes dar um passo, escutar a voz distante, reparar na silhueta desgrenhada que se afunda num caixote de lixo, é o suficiente para ultrapassar o limiar da incompreensão…
Reparar é tudo, pois significa parar e voltar sobre si ou sobre o que se abre aos sentidos sem os quais a razão se atola no caos dos dias…
Reparar é tudo!

4.11.18

O muro infinito

Ontem passei por aqui, mas não escrevi que estava no purgatório na porta de saída… sem saber se em frente há um muro infinito que não deixa enxergar nem a Luz nem o Fogo.
Dizer mais é um acrescento pleonástico para almas pastosas…
Ontem, a minha alma não era de todo para ser dita.

2.11.18

O que parece

Parece que ninguém sabe nada do que se passa no país, se é que se passa alguma coisa…

O que parece é que quem sabe prefere negociar a informação…
O que parece é que quem governa se acobarda… e em matéria de governação, a cobardia é o berço da descrença e da consequente radicalização.

                                                          Se quem devia saber nada faz, a não ser elevar a voz ou assobiar para o lado, então, pouco falta para que a estupidez se arme da velha autoridade e faça gato-sapato da democracia.

1.11.18

O presentismo

e o presentismo — quando a pessoa está presente, mas não está activa; está zombie. O presentismo é um problema que está a assumir uma dimensão importante. Teresa Paiva, especialista em sono

Há muitos anos, apercebi-me que, em certas reuniões, havia especialistas em estar… Entravam e saiam calados. Explicaram-me, à época, que se tratava de um comportamento sábio, de quem queria evitar conflitos antigos….
Com o tempo, também eu me habituei ao silêncio, não porque queira evitar qualquer mal-estar, mas porque deixei de compreender o frenesim reformista de quem anda convencido de que para trás fica o deserto e a estupidez…
Depois há aqueles jovens a quem "basta estar"; nas palavras de Teresa Paiva, que se encontram em modo zombie…, sem esquecer os que chegam naturalmente atrasados porque não dormiram o necessário… ou porque as linhas andam desorientadas…
Finalmente, lido diariamente com quem, porque «nunca dorme», procura a todo o custo passar os dias a dormir. 
Tudo somado, parece-me que o problema é outro: resulta da dificuldade de adaptação a uma realidade voraz…  

30.10.18

A dicotomia

Em Lógica, diz-se dela que é « a divisão de um conceito em dois outros que abrangem toda a sua extensão.»
Esta nota surge de uma dúvida: - A partir de que idade é que podemos exigir a alguém que conheça o significado do termo "dicotomia"? 
E a esta dúvida acrescento uma outra: - Em contexto escolar, quando e em que áreas disciplinares é que o conceito é explicitado e exemplificado?
Finalmente, num tempo de acentuada polarização política, o que fazer com aquela parte da humanidade que anda a dormir na forma?