5.3.09

Sobre o limite…

Vitorino Nemésio reclamava do limite de idade ( 18.7.1971) quando lhe inventaram uma última lição… ( Sem limite a idade, claro: / O Mundo não, / Que esse é finito na expansão / – « É bom não pôr limites à Misericórisa divina» / Disse um Papa velhinho / A quem exígua prece/ Votava uns anos mais / Como é próprio da Caixa de Descontos / Dos pequenos mortais. / Tudo deperece, / desaparece… /

Ontem, Raúl Mesquita não reclamou do limite (Out.1975 – 28 Fev. 2009). E a pretexto do poder da palavra ( do mito, da alegoria, do logos), utilizou-a para zurzir na professora de Português dos seus 10 anos, no reitor da sua adolescência, nos colegas da primeira fila, dos chefes de turma,  nos ribatejanos (um pouco?) pidescos dos finais dos anos 70, dos professores que gostavam de avaliar os pares. E atravessou o mundo dividido, através da palavra (palestra, romance…): «Tenho a honra de ter inimigos e o prazer de ter amigos! Pela palavra, dialogo com eles.»

Ontem, eu que sou ribatejano, fiquei perplexo. Ali, sentado, na sala 32, entre estranhos, ao ouvir a palavra do Raúl, comecei a interrogar-me se não sobraria um espaço ( se calhar só para mim!) entre os amigos e os inimigos. É que as dicotomias cansam-me. Será que não há 3ª via?

Em síntese: não sendo amigo, incomoda-me ser atirado para a matilha dos inimigos. E incomoda-me porque procuro sempre respeitar os outros…

4.3.09

Crónica de António Souto

EX ABRUPTO

Bosquejos

Carnaval. Regressou uma vez mais em grande! Aliás, o carnaval nem sequer regressou, o carnaval há muito que está, deixa-se ficar ao longo dos meses, do ano, dos anos, disfarçado, mascarado como é seu timbre. Fazem-se algumas remodelações de corsos, apresentam-se novos temas mais consentâneos com a actualidade sócio-política, ajustam-se os trajes e a figuração ao modelo inimitável da terra de santa cruz. Mas carnaval é sempre carnaval. Comandam as tropelias. Ora um magalhães descarado vulgarizando pornografia e logo suspenso de um desfile atrevido, para logo ser diligentemente restituído à folia, ora cinco exemplares de um livro desavergonhado ostentando pornocracia de arte e logo retirados de uma banca livresca, para logo serem devolvidos à erudição. Trejeitos carnavalescos que ninguém parece levar a mal, tudo reinação. O carnaval está, para durar.

Uma anódina peça de jornal. Como um fait divers. Lê-se que uma criança com uma doença rara, entre nós e no mundo, tendo apenas dez anos aparenta os setenta, envelhece a um ritmo alucinantemente doentio a cada instante. Aparenta, que é como quem diz, vemos nós por fora e vive a criança por dentro. Infelizmente, para a medicina hodierna não existe ainda cura, não haverá, portanto, qualquer resposta de esperança para quantos sofrem desta doença.

Chama-se Cláudia. É a única menina portuguesa com esta doença. Ainda está viva. Há quem entenda que é uma criança normal. Talvez seja, ou pelo menos deveria ser considerada assim mesmo, NORMAL, e por isso mesmo com direito a todos os direitos que qualquer pessoa normal tem. Mas não é o caso. Ser normal, neste caso, serve apenas para evitar que a Cláudia tenha, de facto, direito a ter direitos. O tratamento é caro e contínuo, exige deslocações ao estrangeiro. A mãe, para cuidar dela e a acompanhar, deixou o emprego. Tem o rendimento social de inserção. A filha, um subsídio de cerca de cem euros. Tudo somado, manifestamente insuficiente. Vai-lhes valendo o apoio de um instituto americano.

Quando sabemos que "uma criança com progeria [síndrome de Hutchinson-Gilford] tem uma expectativa média de vida de 14 anos para as meninas e 16 para os meninos", isto revolta-nos. As doenças raras, quase todas incuráveis e de terapia onerosa, mereciam neste século vinte e um uma atenção especial por parte da sociedade e do estado. É verdade que nos últimos anos muito se tem feito no sector social, mas há falhas inaceitáveis.

Ontem, no encerramento do congresso do PS (partido cujo governo mais tem feito neste domínio), fiquei preocupado e triste por não ouvir, na apresentação das políticas sociais para os próximos dois anos, uma palavra sequer sobre a deficiência. Ouvi com agrado novidades sobre o alargamento obrigatório do pré-escolar, sobre o alargamento do ensino a doze anos de escolaridade, sobre uma bolsa de estudos para famílias carenciadas, mas nada, nada sobre os milhares de doentes crónicos e deficientes dependentes. E a deficiência, silenciosa e pouco reivindicativa, é um problema social urgente, que não carece de debates públicos ou de referendos, não é um fait divers.

Ontem, domingo, foi assassinado o chefe do estado-maior da Guiné-Bissau. Hoje, segunda-feira, foi assassinado o presidente da Guiné-Bissau. Há quem fale em retaliação. Na Guiné-Bissau mata-se e morre-se por razões diversas. Há dois dias atrás, numa reportagem de Catarina Furtado, ficámos a saber como a morte é ditada à nascença na Guiné-Bissau. Nascer é uma autêntica aventura, ou melhor, vingar é um verdadeiro desafio. As mulheres têm em média seis ou sete filhos para poderem contar, no final, com um ou dois. A descendência assegura-se por tentativas. Às vezes, muitas vezes, nem os filhos nem as próprias mães vencem o parto. A esperança de vida, para as mulheres, está nos cinquenta e seis anos. Morre-se cedo. Na Guiné-Bissau, como em muitos outros sítios do planeta, a maternidade não é o início da esperança, mas um final anunciado. Na Guiné-Bissau, pelos vistos, não basta morrer, há quem insista e persista em matar. Na Guiné-Bissau a morte que nos chega parece ser mais penetrante, parece doer mais, porventura porque dói em português.

António José Souto Marques

Agualva (Sintra), Fevereiro de 2009

3.3.09

Tagmé Na Waié e Nino Vieira

Há muito que a morte de ambos fora decidida, e tudo leva a crer que pelos próprios.

Infelizmente, deixaram os guineenses mergulhados na crise de identidade há muito anunciada por Amílcar Cabral (1924-1973), também ele barbaramente assassinado:

Eu sou tudo e sou nada,

Mas busco-me incessantemente,

- Não me encontro!

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Ó farrapos de nuvens, passarões não alados,

levai-me convosco!

Já não quero esta vida,

quero ir nos espaços

para onde não sei.

Por muito absurdo que a ideia possa parecer, acredito que chegou a hora dos povos da Guiné se unirem e descobrirem aquilo que os une e não mais aquilo que os separa.

Da morte não interessa saber se é justa ou injusta, se no limite puder ser redentora.

28.2.09

No silêncio da oliveira... Vital Moreira

Ao Vital Moreira reconheço competência e honestidade intelectual, e espero que a sua escolha para encabeçar as eleições europeias tenha como objectivo reforçar a qualidade da intervenção portuguesa na união europeia e no mundo. Quanto ao argumento da sua abrangência política de esquerda, considero-o falacioso. Em relação ao congresso do partido socialista, não posso deixar de registar a falta de debate de ideias, a sacralização da liderança de Sócrates, a ausência de Manuel Alegre, e a pobreza intelectual de muitos dos participantes - houve quem confundisse um sinónimo com um silogismo! Por seu lado, as televisões primam pela falta de isenção. Os comentadores há muito que servem interesses económicos e aventureiros que se vão apoderando das nossas consciências.

25.2.09

Ali, ao lado...

O outro lado da cidade de Évora: esgoto a céu aberto, ao lado do parque de campismo; poço com banheira; azinheira com sombra de cimento. Nem a pega rabuda escapa. Fora da fotografia: duas carroças ciganas, repletas de crianças avançam no descampado, à procura de um lugar onde acampar.
Minutos mais tarde, os machos, soltos, enganam a fome junto do arame farpado da herdade vizinha; as crianças atravessam a 380, na direcção do povoado; as carroças jazem junto do poço...
Começo a pensar que, afinal, a sombra de cimento da azinheira vai ser muito útil na noite que se avizinha. Isto se não aparecer por ali nenhum sapo de loiça!

24.2.09

De novo, em Évora...

De registar, em relação à última visita, a conservação de alguns dos principais monumentos. Já não há ossos à vista de quem passa! No entanto, o Museu, junto à Sé continua entaipado e a Universidade fechada. Bem sei que é dia de Carnaval, mas o espaço ocupado pela instituição de ensino superior merece o olhar do turista, mesmo que acidental... Quanto a transportes públicos, nem vê-los!

22.2.09

Uma ideia matinal

O dia vai adiantado, não quero, todavia, terminá-lo sem registar uma ideia matinal: quem ensina a ler autores do século XVI não deveria comentá-los sem previamente ler VIDA NOVA, de DANTE ALIGHIERI. E já agora acrescento: A Metafísica Aristotélica.

Se esssa atitude vingasse, evitaríamos leituras biografistas e psicologizantes abusivas tão do agrado dos nossos literatos de moda.