16.11.12

João de Mello Alvim.

O Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Fernando Seara, entregou,  ao final da tarde na Casa de Teatro - Chão de Oliva,  a medalha de mérito de grau ouro ao Dr. João de Mello Alvim. Esta distingue o jornalista, o professor e, sobretudo, o dinamizador da arte dramática no concelho, no dia que assinala os 25 anos da fundação da Associação Cultural CHÃO DE OLIVA.
A cerimónia foi singela e constituída por quatro momentos de encómio: a narrativa de vida; o encontro com a poesia dramática, mas, também, pessoal; a explanação formal dos méritos do homenageado; o agradecimento informal em três "parágrafos". 
Do agradecimento, não posso deixar de referir a evocação do professor José Luís Amaral.

(Caro João de Mello Alvim, tudo o que ouvi nesta sessão reforça a ideia de que ainda há homens que nasceram para servir a comunidade. Tu és um deles!)

15.11.12

Maravalhas!

«Se tudo são ramos, não é um sermão, são maravalhas.» Padre António Vieira

I - Em certas afasias, as referências (espaciais, temporais, interpessoais) vão-se extinguindo, deixando os signos desorientados. Talvez por isso, os discursos de hoje pareçam bolhas de sabão. Começam por enfunar para sorrateiramente desaparecer...
Um destes dias, alguém se referiu à visita da chancelarina alemã. Que eu tenha conhecimento, ninguém deu atenção ao termo! No entanto, como ele não me saía da cabeça, fui pensando que a senhora teria perdido importância, um pouco como a Chancelaria, lugar meu conhecido, sede de freguesia, situado entre a Maçaroca e o Pafarrão. Desconheço qual terá sido o chanceler que gerou tal topónimo, sabendo, contudo, que o termo tem mais proveito na Germânia que na Ibéria...
Não sei se o criador da chancelarina queria, na verdade, desvalorizar a chanceler por correr o mujimbo que não tinha sido convidado para nenhum dos encontros oficiais, mas pressinto que o facto de ser senhora  nascida na antiga República Democrática Alemã terá pesado na criação do neologismo.

II - Afinal, este blogue bem poderia ter como o título "Maravalhas"! Este termo estaria mais de acordo com o seu verdadeiro conteúdo - aparas de madeira; acendalha; caruma; bagatela... Tudo o que lenta, ou subitamente, perde importância e acaba por desaparecer...  



Sala de aula - XXXV

Contrato de leitura. Obras apresentadas: Amor de Perdição; Queda dum Anjo; A Viagem do Elefante. Camilo Castelo Branco e José Saramago. Estes alunos do 10º ano são audaciosos, apesar das dificuldades resultantes do desconhecimento da História. Por outro lado, a apresentação oral nem sempre é eficaz, pois os locutores continuam a ignorar os interlocutores - tom muito baixo; dicção sofrível.

De regresso ao Sermão da Sexagésima, hoje, o auditório foi constituído por 6 elementos. A sessão foi de leitura:
a) da matéria do sermão - da grande dúvida: «Pois se a palavra de Deus é tão poderosa, se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que não vemos nenhum fruto da palavra de Deus?»
b) da composição do sermão: «o sermão há de ser de uma só cor, há de de ter um só objecto, um só assunto, uma só matéria» 
A ÁRVORE é o ponto de partida e o ponto de chegada do sermão. O discurso torna-se progressivamente alegórico, chegando, no entanto, a momentos de desconstrução da própria alegoria: « Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, a que podemos chamar "árvore da vida"...»

( Sob o freio da razão, a imaginação desfaz-se em preciosos conceitos, de tal modo que o auditório anteporá o deleite à censura...)

14.11.12

Sala de aula - XXXIV

Os alunos de Literatura Portuguesa não chegaram a entrar na sala de aula, apesar de dois se encontrarem no recinto escolar. (Não se pode dizer que tivessem feito greve, mas que a ausência foi geral não há dúvida!) Esperemos que o tempo tenha sido aproveitado para realizar o projeto individual de leitura.

13.11.12

Ouvir e apagar logo-logo

«Ouvir e perceber enquanto ouvia mas apagar prontamente, era o traçado em que ele se movia. Ouvir e apagar logo-logo.» José Cardoso Pires, DE PROFUNDIS, Valsa Lenta

Capaz de ouvir, perceber e argumentar com acutilância, vive, no entanto, no limiar da afasia. Diante de si, o pânico da deterioração da linguagem, da expressão desconexa, do registo errado do termo, da hesitação. A cada passo, a hesitação! E o circunlóquio, traiçoeiro, capaz de arruinar a comunicação...

Enquanto o acidente vascular cerebral está a decorrer, sob a forma de lentíssima isquemia, ele corre para a página em branco na esperança de ainda chegar a tempo de registar aquele lampejo de felicidade que lhe sorri nas palavras encantadas do leitor do dia, antes que tudo se apague irremediavelmente.

Ao contrário de José Cardoso Pires, ele não espera pela consumação do AVC, pois sabe, de antemão, que não lhe será concedido tempo para qualquer reconstituição feliz da memória...

Para ele, o acidente vascular cerebral está em curso, mesmo que, um dia, de forma brusca, se torne oficial e sem regresso. Por agora, o mais difícil está em chegar a tempo e em disfarçar a hesitação.   

Sala de aula - XXXIII

Por vezes, os dias são enfadonhos! Hoje, no entanto, há acontecimento. Três alunos apresentaram oralmente obras de épocas distintas, mas significativas: O Auto da Alma (1518), de Gil Vicente; A Birra do Morto (1973), de Vicente Sanches; De Profundis Valsa Lenta (1997), de José Cardoso Pires . As duas primeiras no âmbito do contrato de leitura; a última no âmbito do projeto individual de leitura.
Sem qualquer ajuste prévio, as três tratam da vida e da morte, cada uma à sua maneira. Para a primeira, alegórica, a morte feliz é um lugar que deve ser metodicamente  preparado, apoiando-se na Igreja e nos seus Doutores ( os pilares da  estalagem); para a segunda, burlesca, a morte deve ser evitada a todo o custo mesmo que os regulamentos sejam taxativos quanto ao destino de quem, por erro, seja oficialmente declarado morto; para a terceira, é possível regressar da morte e, sobretudo, através da escrita parece possível reconstruir a memória de um tempo sem retorno... e esse renascimento é de lenta aprendizagem...
(Os leitores - Eduardo, João e Diana - estão de parabéns porque deram conta do prazer que a leitura lhes despertou e porque conseguiram cativar os respetivos auditórios.)
    

12.11.12

Sala de aula - XXXII

I - A referência deítica. Volta a ser necessário clarificar o significado de deítico como apontador, indicador para o exterior da linguagem ( do signo linguístico: significado+ significante) - o referente. Também este último termo oferece resistência, embora o princípio esteja no objeto, na coisa (res). Afinal, na família de palavra, encontramos: referir, referir-se a, referente, referência, referencial... O jogo de palavra acabou por  gerar uma comparação com docência, docente / ensino, professor, ensinar... Falta, no entanto, o verbo docere
II - Novo problema terminológico: distinguir o valor deítico do valor anafórico de certos termos. E abstive-me de problematizar o significado do vocábulo valor. E a dificuldade começa com a necessidade de recapitular o significado de anáfora (retórica, tropologia, estilística) - figura de repetição de palavra ou expressão no início de verso ou de frase...

III - Na Literatura, a dificuldade resulta da falta de atenção, (alheamento quase involuntário, estado de alma intermitente). Mas lá caminhámos lentamente do neoclassicismo das duas arcádias (Arcádia Lusitana e Nova Arcádia) que apostavam no lema inutilia truncat (objeto: barroco) para Almeida Garrett que, embora formado como árcade, vai rompendo com o rigor da mimesis clássica para um terreno mais popular, mais intuitivo e mais sensorial. Claro que foi necessário regressar à educação de Garrett, mas também voltar a explicar a importância ideológica e literária de um projeto como o Romanceiro. Esta mistura do arcadismo com a oratura torna-se explosiva!
E por isso nos ficámos no poema "Sine nomine corpus" / Corpo Despido. E também a interpretação se torna penosa, fundamentalmente porque, em termos de composição, Garrett apostou numa comparação, e o intérprete continua sem perceber que a comparação supõe dois termos e que, neste caso, o primeiro termo serve o segundo. O romântico fala da sua tristeza, da sua desilusão e para melhor explicar como chegou a esse ponto recorre à comparação com a árvore abrasada pelo fogo do estio, como se a intensidade da paixão acabasse por ser a causa do seu apagamento... e por isso o poema começa por "Qual tronco despido (...) Assim ao prazer, /À dor indif'rente, /Vão-me horas de vida..."
Talvez amanhã enxerguemos o árcade que habita nas Flores sem Fruto!