17.6.14

Qual é o seu palpite para o exame de amanhã?

«Palpite não é opinião. Esse é o erro mais comum entre os palpiteiros amadores. Palpite está para a opinião como a crença está para o conhecimento. O palpite se funda no que o palpiteiro acha que sabe. A opinião sobre o que realmente se sabe.» http://blogdopierri.blogspot.pt/2008/09/teoria-geral-do-palpite.html

À pergunta cerimoniosa, respondo que não arrisco qualquer palpite. Nem mesmo o argumento  defensor de uma envenenada homenagem a Saramago me persuade. A coligação já  faz tempo que enterrou a voz do prémio nobel, a voz do povo esmagada pelo peso do desemprego, da austeridade e do estrangeiro...
No entanto, enquanto me interrogo se haverá uma teoria geral do palpite e se, na verdade, não é esta que impera, por exemplo, nos exames de História, Filosofia e Português, aqui transcrevo um excerto de Memorial do Convento que bem poderia servir para verificar a qualidade do ensino e da aprendizagem:

«Castiguem-se lá os negros e os vilões para que não se perca o valor do exemplo, mas honre-se a gente de bem e de bens, não lhe exigindo que pague as dívidas contraídas, que renuncie à vingança, que emende o ódio, e, correndo os pleitos, por não se poderem evitar de todo, venham a rabulice, a trapaça, a apelação, a praxe, os ambages, para que vença tarde quem por justa justiça deveria vencer cedo, para que tarde perca quem deveria perder logo. É que entretanto vão-se mugindo as tetas do bom leite, que é o dinheiro, requeijão precioso, supremo queijo, manjar de meirinho e de solicitador, de advogado e inquiridor, de testemunha e julgador, se falta algum é porque o esqueceu o padre António Vieira e agora não lembra.»

Bem sei que o exame não visa medir a inteligência do examinando, mesmo assim, se começássemos por verificar a ligação de Saramago com Vieira (a intertextualidade), o que é que encontraríamos?
E se o tema da dissertação fosse a "justiça" neste sorumbático país?
Talvez seja pedir demais...

16.6.14

Sem nunca terem entrado em campo

A história da decadência é antiquíssima e a receita para a superar sempre a mesma. Assenta na criação de ilusões – o sebastianismo. O rosto vai variando: índia, sebastião, joão, brasil,  josé,  saldanha, bandeira,  costa, sidónio, antónio, império, angola, mário, eusébio, fátima, língua, rui, figo, ronaldo… Sempre a esperança no retorno do messias!

A esperança e a desilusão!

Na rua, nas paragens de autocarros, só mulheres! Esperam conformadas, indiferentes aos ecrãs. Nas televisões, enxames de comentadores! Só homens! Acusam e deliberam, humilhados sem terem entrado em campo…

Sem nunca terem entrado em campo…

14.6.14

A vida invisível


Depois do filme, fui à Feira do Livro, onde tive oportunidade de trocar algumas palavras com Lídia Jorge…
Uma leve emoção  expressa num aperto de mão, repetido…
Lídia Jorge foi minha professora de Português, em Tomar, no longínquo ano de 1972/73.

No filme de Vítor Gonçalves, tudo ganha vida desde que a câmara repare, isto é, pare e volte a parar. A câmara, por vezes, parece imobilizar-se por falta de luz. A penumbra assombra os interiores como se estes fossem apenas a projeção das personagens masculinas – António e Hugo. A primeira está lá para que, na morte, anuncie qual será o futuro de Hugo, cujos últimos seis anos foram de completa submissão ao passado.
Hugo é, assim, uma personagem sem presente nem futuro; só passado. Até o Terreiro do Paço promete ter melhores dias! Se estas duas personagens foram delineadas para simbolizar o estado da nação, o objetivo é alcançado, mas com tal lentidão que desespera qualquer espectador…
Hoje, na sala dois do Monumental, às 15h15, não estavam mais do que dez espectadores. Entre eles, uma velha senhora que ia comentando a inação, lembrando que Vítor Gonçalves pertenceria à “escola” de Manuel de Oliveira, que os parisienses é que iriam delirar com o filme, que Hugo era “psicótico”, e que Adriana estaria melhor em Amsterdão…
À saída, encontrei um colega, professor de Filosofia, que já tinha visto o filme e que, de chofre, me disse que não recomendava A Vida Invisível a ninguém… Eu, ao contrário do companheiro da velha senhora, não adormeci, tendo apreciado alguns planos crepusculares, mas penso que o argumento foi muito maltratado e arrastado…
Finalmente, gostaria que, na ficha técnica, não tivessem chamado Fabiana à minha filha Susana. Ainda se fosse Sofia!
/MCG

13.6.14

Miguel Rovisco procurava estabelecer analogias...

Agora que as aulas acabaram, os exames se aproximam, o calor abrasa e o futebol escraviza, Caruma vai regressar a velhas páginas de jornais e de revistas com o propósito de (re)parar a ligeireza do tempo vivido. Por outras palavras, com o propósito de volver sobre si própria...
Vamos começar pelo (aprendiz de) dramaturgo,  Miguel Rovisco (1960-1987). Aprendiz porque passou a sua curta existência a interrogar-se, a interrogar o lugar ( Portugal), a ensaiar a escrita de teatro, sem ir ao teatro, mas a ler teatro...
Escrever para o teatro é em Portugal uma arte menor! Ir ao teatro é um pouco como fazer um safari... É caro, mal acomodado e arriscado, por lapso ia escrevendo arricado, neologismo não autorizado...
Em 1988 (Capital, 26 de fevereiro), Tito Lívio, no artigo "Teatro de Rovisco Revisita a História", escreveu:
«Miguel Rovisco era um grande admirador das tragédias de Corneille e de Racine de que o seu teatro acusa claramente a influência ao debruçar-se sobre um tempo passado, ao estabelecer as analogias claras com o presente que vivemos, mostrando o quão pouco se terá evoluído em certos aspectos, nomeadamente  a tíbia industrialização do país e a dependência face ao estrangeiro sob o ponto de vista da importação dos géneros mais fundamentais.»
O crítico, referindo-se à "Trilogia Portuguesa", no D. Maria II, retrata Rovisco como um incipiente carpinteiro teatral, desritmado, atabalhoado e desenhador de personagens alienadas - pobre D. Maria I! Ora essa dificuldade era bem conhecida do aprendiz que, ao contrário de outros, tradutores apressados de tudo quanto era moda anglo-saxónica, batalhava, entre quatro paredes, por escrever em português sobre a questão mental que nos persegue há séculos... Doença coletiva que procurava exorcizar em si e no palco e que acabou por o levar ao suicídio... 
A consciência da imperfeição fê-lo rasgar muitos dos seus textos, porém isso não faz esquecer o caminho: a indagação do presente através do conhecimento do passado, a leitura dos grandes dramaturgos e, sobretudo, a dedicação à escrita até que o texto se autonomize do escrevente...

Para quem goste de papéis antigos, pode procurar Miguel Rovisco no Expresso de 6 de fevereiro de 1988.

Se algum dos meus alunos do 12º ano ler esta prosa, dedico-lhe a citação, pois, afinal, de Camões a Sttau Monteiro, sem esquecer Almeida Garrett, todos os verdadeiros autores vivem para estabelecer analogias... Entendê-las é um objetivo da aprendizagem!


12.6.14

Símbolos existenciais


Qualquer Dicionário de Símbolos reafirmará que o verde é a cor da esperança, da força, da longevidade; a cor da imortalidade, universalmente simbolizada pelos ramos verdes.
A Literatura dá conta desse simbolismo, por exemplo, em Felizmente Há Luar!, quando, no dia da execução,  Matilde exibe a saia verde que o General Gomes Freire d’Andrade lhe oferecera em Paris.
No entanto, a maioria de nós fica verde sempre que o Governo anuncia as medidas de estratégia orçamental!
O que significa que, em Portugal, os símbolos não são universais…

11.6.14

O dia começou cedo…


Foram mais de 500 quilómetros!

Toda a manhã: a velocidade, a luz, a cor, o rendilhado – o coreto e o silêncio…

À tarde: o ruído, a adivinha, a demora, o ensimesmamento, o ar pesaroso e a histeria – o coreto e a revelação de que eu tenho sido uma espécie de “padrinho”.

Fantástico! Eu que só tenho um afilhado e que, por sinal, é meu irmão…

10.6.14

Um desmaio agitou o conformismo

Às Musas agardeça o nosso Gama
O muito amor da Pátria, que as obriga
A dar aos seus, na lira, nome e fama
De toda a ilustre e bélica fadiga;
Que ele, nem quem na estirpe seu se chama,
Calíope não tem por tão amiga
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As telas d'ouro fino e que o cantassem.
Camões, Os Lusíadas, Canto V, estância 99
                              *
«Aceito falar, como eu mesmo, da importância e do significado de Camões hoje, e da necessidade de ter presente ao espírito esta ideia tão simples: um país não é só a terra com que se identifica e a gente que vive nela e nasce nela, porque um país é isso mais a irradiação secular da humanidade que exportou.» Jorge de Sena, Discurso da Guarda, 1977.

Hoje, na Guarda, o ar era frio e fúnebre; apenas um desmaio agitou o conformismo. Até Eduardo Lourenço e Mário de Carvalho se perfilaram!