15.5.15

Afonso Reis Cabral na Esc. Sec. de Camões

Foto cedida por Mário Martins
Apesar de ainda não ter terminado a leitura do romance "O meu Irmão", posso, desde já, assegurar que se trata de uma obra original que não defrauda o leitor porque não cede nem à ciência literária nem à vulgaridade tão em moda. 
Esta minha convicção saiu, hoje, reforçada pelo modo autêntico, sincero, como Afonso Reis Cabral se disponibilizou a responder às perguntas que lhe foram colocadas sobre a génese, a maturação e a composição do romance. 
O autor deixou a ideia de que escrever exige sonho, empenho, indagação, tempo e, sobretudo, reformulação e revisão. Escrever não resulta de inspiração divina, nem deve submeter-se a qualquer exigência de natureza editorial,  nem se inscreve num qualquer legado familiar por mais nobre que seja. 

(A iniciativa de trazer o escritor à Escola foi da responsabilidade dos professores Maria Teresa Saborida e Mário Martins. Este último leu um excerto do romance gerando condições para que os alunos colocassem algumas perguntas pertinentes.  A sessão decorreu na sala 32 e contou com cerca de 50 participantes, entre alunos, professores e dois representantes da editora Leya.)  

14.5.15

Um futuro sem perguntas

Desde ontem que assumi que não devo fazer perguntas. Isto não significa que não possa ser questionado. Se o for, responderei de forma concisa de modo a não cair em tentação... A ação (ou a inação) decorre num contexto específico.

Dou agora conta que há uma hora fiz uma pergunta, não interessa qual. E apesar de não obter satisfação, obtive, no entanto, uma resposta. 
Enquanto leio "O Meu Irmão", de Afonso Reis Cabral, romance que aborda precisamente as dificuldades de comunicação resultantes de um dos interlocutores sofrer do síndroma de down, vou-me interrogando sobre a natureza da comunicação a partir do momento em que abdicamos de fazer perguntas...
Não desejando, por enquanto, remeter-me ao silêncio absoluto, porque dá cabo de qualquer contexto, vou experimentando os efeitos do diálogo em que B responde a A sem poder contra-interrogar... As respostas passam a ser secas, concisas, mergulhando no silêncio até que surja nova pergunta. Pressinto que esses hiatos poderiam ser desafiantes, não fosse A alhear-se por vontade própria ou por incapacidade momentânea...

(E, de súbito, revejo os avós paternos, sentados diante um do outro, e eu à espera que eles se questionem sobre um qualquer assunto por mais mesquinho que seja, mas nada acontece entre eles. Nem A nem B colocam qualquer pergunta, e estou sem saber se tinham feito um pacto contra a indagação ou se, apenas, se lhes tinham esgotado as perguntas.)

Ao fim de tantos anos a fazer perguntas noutro contexto específico, parece que se anuncia o tempo de deixar de fazê-las. E esta possibilidade começa a despertar-me a vontade de começar a ir à pesca...

13.5.15

Afonso Reis Cabral, na próxima 6ª feira, na Esc. Sec. de Camões

A nota biográfica que se segue corresponde à transcrição de um artigo publicado pelo Semanário Expresso.

Em 1990, Lisboa viu-o nascer. Depois disso, o Porto viu-o crescer. Até ao 9º ano, Afonso Reis Cabral frequentou o Colégio dos Cedros. Do 10º ao 12º, foi aluno na Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Nestes três anos letivos, a professora Alexandra Azevedo introduziu-o aos Estudos Clássicos. Foram dois anos a aprender Latim e um a aprender Grego. Mas, pelos vistos, em 2008, Afonso não se viu assim tão grego no European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature. Em 3552 concorrentes, era o único português e ficou na oitava posição. 
Mas recuemos um pouco - até aos 15 anos de Afonso. Bom, com 15 anos era altura mais do que certa para andar em namoricos ou a colecionar cromos em cadernetas. Quem diz isso, diz publicar um livro de poesia. Afonso carregou as nuvens de poemas e depois choveu o resultado: "Condensação". Apesar de chovido, este livro, publicado pela Corpos Editora, não foi caído do céu. Afonso entregou-se à escrita durante cinco anos (dos 10 aos 15).
Invicto e convicto, Afonso Reis Cabral deixou o Porto para regressar ao berço. Licenciou-se e amestrou-se na Universidade Nova de Lisboa, primeiro em Estudos Portugueses e Lusófonos e depois em Estudos Portugueses. 
"Fernando Pessoa e Nietzsche: O Pensamento da Pluralidade", "O teatro da Vacuidade ou a Impossibilidade de Ser Eu: Estudos e Ensaios Pessoanos", "Teoria Geral e Previsional dos Ciclos Económicos e Galileu na Prisão: e Outros Mitos Sobre a Ciência". O que é que estas obras têm comum? Foram todas revistas por Afonso. Mas não são as únicas. Aliás, o jovem português já se deu ao luxo de 'corrigir' a nonagenária Agustina Bessa-Luís. Foi em 2012, quando fez a revisão de "Cividade". Afonso já foi revisor em várias editoras e trabalha atualmente na Alêtheia.
(...)
Os rascunhos de "O Meu Irmão", obra que mereceu o galardão Leya, já remontam pelo menos a 2006. Na altura, Afonso Reis Cabral publicava um texto onde manifestava a sua indignação para com a prática do aborto. O seu irmão Martim nasceu um ano depois de Afonso. Antes ainda de conhecer a luz, Martim foi diagnosticado com Síndrome de Down. Neste texto, Afonso perguntava: "Com que direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes, ainda não nascidos, até aos seis meses de gestação? E se tivessem tocado a campainha ao meu irmão Martim?".
No relato pormenorizado sobre os comportamentos - afetados pela condição - do seu irmão, Afonso escreveu as seguintes palavras: "Umas vezes, quando volta do colégio, vem todo irritado, outras falador, outras macambúzio, outras indiferente, outras gracejando, outras saltitando. Vem sempre feliz. Tem uma rotina muito certa, o meu irmão Martim. Colégio, pão, televisão, banho, jantar, cama. No meio disto tudo, decide chatear-me um pouco, mas enfim... E depois, quando se deita, antes mesmo de fechar os olhos e de cair nos braços de Morfeu, diz, abafado pelos lençóis: 'Bo noite, mano'". 
Oito anos depois, a afeição de Afonso Reis Cabral ao irmão é premiada com 100 mil euros. Talento, trabalho e muito humanismo. http://expresso.sapo.pt/sociedade/afonso-reis-cabral-eca-arvore-genealogica-nao-explica-tudo=f894305

12.5.15

Enquadramento - caminhos

De nada serve queixar-me! Por isso, embora tardiamente, aqui fica o enquadramento...


Guernica (pormenor)


Todos fomos espanhóis de 1936 a 1939 (...) O génio de Picasso fixou essa agonia. É uma obra de arte que é um manifesto político. É a sua forma de dizer isto que disse também em palavras: “No, la pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra el enemigo.Goya tinha dito o mesmo, noutros termos, quando pintou o “3 de Maio de 1808” (...) e quando nos pomos no lugar dos homens que estão prestes a ser executados. Disse o mesmo nas suas famosas pinturas negras, de caras esfomeadas. (...)

A consciência política anda pelas ruas da amargura e eu, que detesto a propaganda, reconheço que há certos temas que, como a arte engajada ou comprometida, necessitam de educação artística... Caso contrário, a arte só serviria para assegurar a imortalidade de uns tantos e a vaidade de muitos outros. Mas em nome de quê?  

11.5.15

Indícios de tragédia n' OS MAIAS ou um não-assunto...


Como diriam alguns políticos, vou tratar de um não-assunto. A quem é que poderá interessar indicar três ou quatro indícios (presságios) de tragédia no romance Os Maias?

  • A lenda da fatalidade das paredes do Ramalhete.
  • Os cabelos pretos e os olhos dos Maias (...) de «um negro líquido» (Afonso, Pedro, Carlos, Maria Eduarda)...
  • A visita de Carlos, a pedido de Maria Eduarda, a «uma pessoa da família»...
  • O ar de meditação sinistra dos olhos «redondos e agourentos» do mocho que fixa o leito fatídico, na Toca. 
  • Maria Eduarda tenta contar a Carlos três vezes a história da sua vida... 
  • A tapeçaria «onde Marte e Vénus se amavam entre os bosques» na Toca.
  • O «móvel divino» do Craft com os quatro evangelistas que «um vento de profecia parecia agitar»; dois Faunos tocavam num desafio bucólico, a frauta de quatro tubos».
  • A parecença de Carlos com a mãe, Maria Monforte (ponte de vista de Maria Eduarda)...
  • A sombra negra das personagens femininas que se projetam na Vénus Citereia...
                                                                              (...)
Para quem não tinha paciência para reler Os Maias, tempos houve em que se aconselhava a leitura atenta do ensaio NOVA INTERPRETAÇÃO DE OS MAIAS, de Alberto Machado da Rosa, in Eça, Discípulo de Machado?, editora Fundo de Cultura, 1962.

Hoje, decidi revisitar o Alberto Machado da Rosa, registando alguns dos indícios da tragédia que se vai avolumando, mesmo que o desfecho pareça longe de qualquer catástrofe...
De qualquer modo, o ensaio permite outras chaves de leitura se quisermos cruzar os planos da conceção do romance: o histórico, o simbólico e o trágico...




10.5.15

As ruas em exame

Dicionário terminológico em linha

"As ruas da cidade estão desertas.»
"As ruas de Lisboa estão engarrafadas.»

A expressão sublinhada é um complemento de nome ou um modificador restritivo de nome? A resposta, se consultarmos o Ciberdúvidas ou as Gramáticas mais recentes, não é fácil. 

Em exame nacional, acertar na resposta vale 5 pontos. De acordo com alguns linguistas, o melhor a fazer é não colocar a pergunta... (critério duvidoso mas eficaz!)

Nestes últimos dias, experimentei testar a pergunta, não fosse o IAVE ignorar o conselho dos linguistas, e o resultado não só não é esclarecedor, como descobri que há sempre alguém capaz de morrer pela sua opção, o que muito deploro...

Atrevo-me, entretanto, a deixar aqui outro exemplo:

"As ruas em exame deveriam ser fechadas ao trânsito."

Será que os Linguistas e os Gramáticos já descobriram qual é a verdadeira resposta? Bem longe das terras lusas, vive um japonês, estudioso da língua portuguesa, que acaba de me confessar que também ele gostaria de ter alguma certeza nesta matéria...

De qualquer modo, em caso de controvérsia, lá teremos que classificar ambas as respostas como certas -  IAVE / MEC 2014.    

9.5.15

Vivemos fora de nós

Gare de Alcântara

Os painéis de Almada Negreiros ocupam todo o salão que dá para o Tejo. No corropio de turistas que não sabem como ocupar o tempo, só um ou outro levanta os olhos e parece surpreendido com a cor e as figuras que deram corpo ao estado novo, mas tal ideia não lhes passa pelo pensamento, e até a Nau Catrineta deixou de voltar com as histórias que tinha por contar: 

«Lá vai a Nau Catrineta,
leva muito que contar,
Estava a noite a cair,
e ela em terra a varar.»

Parece que estamos encalhados, e nem a arte sabemos divulgar! Diluídos, vivemos fora de nós, preferimos esconder a identidade...

No entanto, inaptos, insistimos em não ouvir o gajeiro:

«Não vejo terras de Espanha,
nem praias de Portugal.
Vejo sete espadas nuas,
que estão por te matar.» 

Hoje, nem Almeida Garrett nem Almada Negreiros são devidamente apreciados, provavelmente pela mesma razão que «alcântara» perdeu o significado original - ponte.