4.1.17

Aqui, neste lugar, as janelas abrem para um coreto

Aqui, neste lugar, as janelas abrem para um coreto, um dos muitos que existem nesta cidade de Lisboa. Num relance, avisto seis bancos de jardim, quase todos ocupados por silhuetas solitárias. Nas portas do coreto, dois cachos de jovens encontram alternativa à vida escolar. Falam ininterruptamente vá lá saber-se do quê, talvez das imagens que correm por entre os dedos... Ao lado, a esplanada do quiosque, quase sempre repleta de estudantes, forasteiros e aliciadores diversos...
O jardim é constantemente atravessado, sem que o que ali vai acontecendo desperte qualquer tipo de atenção - é um jardim assimétrico - no centro de vias rodoviárias com fluxos de trânsito irregulares... A verdade é que chamam ao lugar Praça José Fontana, embora ninguém saiba quem foi o patrono, qual foi o seu contributo para a criação do partido socialista oitocentista nem para o lançamento dos movimentos sindicais... Envergonhado, também anda por lá um tal Henrique Lopes de Mendonça, autor da letra da marcha A Portuguesa (Hino Nacional). Parece que o município lisboeta, para que o dito Henrique Lopes de Mendonça não permanecesse na clandestinidade, lhe atribuiu o nome ao jardim...
Entretanto, lá fora, só o céu escureceu. E aqui dentro, espero que alguém queira saber quem foram José Fontana e Henriques Lopes de Mendonça... Bem posso esperar!

3.1.17

Desde 2 de janeiro de 1975

Ao serviço da instrução pública desde 2 de Janeiro de 1975, comecei hoje o dia escolar como se nada tivesse ocorrido antes...
Na sala de professores, ainda me perguntaram para quando a aposentação, mas a minha reação foi de indiferença: respondi que o melhor é questionar o Vieira da Silva... ou a Coligação que diz que põe e que repõe, porém, no que me diz respeito, vejo cada vez menos...
Consequentemente, voltei a enfrentar a turma das dez horas com a costumeira rotina, e lá ataquei o Fernão Lopes e a revolução de 1383-1385, que é como quem diz, lá me esforcei por contextualizar o conteúdo, ordenando os factos, a nosso favor, porque o D. João de Castela decidira desrespeitar os tratados com o pretexto de que a "aleivosa" lhe prejudicava a ideia de estender a hegemonia de Castela a toda a Península Ibérica...
Claro que os jovens saíram apressados, sem querer saber de "tempos de mudança"...
Lá, no fundo, a culpa disto tudo é do velho Álvaro Pais e de um letrado, de seu nome, João de Aregas, hoje esquecido na Praça da Figueira...

2.1.17

É poucochinho

«Il faut épouser son temps», avait un jour lancé le peintre Daumier à Ingres. «Et si le temps a tort?» lui avait répliqué le néo-classique. (Grégoire Delacourt, 2015, Les Quatre Saisons de l'Été, pp 233-234, Le Livre de Poche.

Daquilo que ouvi, ontem, ao Presidente da República, fiquei convencido de que ele sabe agradar a todos, pois é isso que todos esperam dele.
Uns ficaram satisfeitos porque ele elogiou a Coligação; outros ficaram agradados porque ele enviou recados à necessidade do Governo corrigir o rumo, designadamente em termos de investimento, desenvolvimento da economia e da diminuição do desemprego...
E tudo o que disse foi para uma plateia que parece existir para além dos agentes político-partidários - uma plateia que sorri facilmente, que se entusiasma com discursos redondos, sem espinha dorsal.
O Presidente da República de ontem fez-me lembrar um ator que sobe ao palco para agradar à plateia, independentemente das convicções de cada um... talvez porque as convicções de cada um sejam cada mais frágeis...   
Há quem diga que o discurso foi muito bom, pode ser, mas não vi (nem ouvi nele) nada que possa desfazer as contradições que minam a Coligação... a não ser o otimismo, a esperança!

1.1.17

Aqui, nesta terra, as portas abrem para o Céu

Aqui, nesta terra, está tudo encerrado, exceto a Igreja cujas portas abrem, mas para o Céu...
Aqui nesta terra, não é possível ter acesso ao Magazine de Notícias, do DN, em edição especial, que dá conta dos trabalhos de Guterres, no passado e, sobretudo, doravante nas Nações Unidas... Não é possível ter acesso à sombra de Guterres, a esse enigmático Melícias, doravante diretor espiritual da humanidade...
Creio que, até hoje,  a Terra nunca teve um diretor espiritual que lhe pudesse abrir as portas do Céu... 
Os Poderosos deste mundo desunido que se cuidem!   

31.12.16

Neste fuso horário

Duas mulheres, já idosas, caminham, não sei se em direção ao centro comercial, se à igreja.
O caniche precipita-se para o meio da estrada, mas ainda não será em 2016 que acabará atropelado.
Agora que 2016 está a terminar neste fuso horário, reconheço que, pessoalmente, este foi um ano muito duro. De qualquer modo, vivo rodeado de ilusionistas...
(...)
A criança aprumada, de mochila azul, espera. Entretanto, parqueado o carro, o avô, de cigarro empertigado no canto da boca, avança. Dão as mãos, e partem rumo a 2017.

30.12.16

Apesar do ceticismo

Apesar do ceticismo de que fui dando prova ao longo de 2016, pressinto que 2017 será um ano de novos desafios que só poderão ser vencidos se não nos faltar a coragem de que os pescadores são, ao longo da História, o melhor exemplo.
O resto é vaidade! O resto é narcisismo! O resto é prepotência!

29.12.16

O frenesim da passagem

«Je n'ai jamais de chance avec les hommes." Quem o diz é a protagonista de Eugénie Guinoisseau, de Grégoire Delacourt, in Les Quatre Saisons de ´L'été, 2015.

Ao homem, nas diversas idades, falta o jeito, a constância, falta o sentimento. O homem é um bruto! Se exceção houver é porque esse homem é cândido, prefere outro homem e, nesse caso, regressa a fidelidade, a paixão, a sensibilidade... e até a bestialidade, mas não com a mulher, esse ser incompreendido, que, em cada idade, exige uma dedicação exclusiva, como se o mundo apenas fizesse sentido centrado no "corpo" e na reação que possa despertar nas feras famintas...
Saciadas, as feras abandonam a presa até que a fome regresse...
Agora que o novo ano se aproxima, o frenesim da passagem mais não é do que o voto de que tudo possa recomeçar, mesmo se por um breve instante, pois o homem é bruto...
(...)
Só não percebo, por que motivo não é permitido ao homem exclamar "Je n'ai jamais de chance avec les femmes!" Provavelmente, teria de ser poeta; só assim seria compreendido, pois a sensibilidade não lhe faltaria...