21.3.19

Os escritores

Parecem um nadinha pálidos, redundantes, confusos, densos, lentos - os escritores.
Não percebem nada de pontuação! Nunca respiram! Uns totós sedentos de atenção! Têm a mania que são profundos, que percebem de filosofia e de religião, de história e de geografia, e, em particular, de política…
Vivem em jarras de flores murchas e nutrem-se de paraísos perdidos…
E depois todos os anos deitam cá para fora dois ou três livrecos para nos martelar os miolos… sem perceberem que o resultado final é uma massa consistente, fétida…
Peço desculpa, no dia da Poesia, deveria ser proibido deitar o lixo pela janela. Só que os Poetas não são escritores…

«Um génio antipatriota é um fenómeno, não direi vulgar, mas aceitável. Um operário antipatriota é simplesmente uma besta.» Fernando Pessoa, Em arte tudo é licito desde que seja superior.

20.3.19

Insatisfação... quântica

Peso as palavras.
Cansaço. Esgotamento. Impaciência…
Um grama a mais, um grama a menos. Um problema de género, jansenista.
Insatisfação semântica… quântica, outro modo perdido de distribuir e combinar as partículas.
Talvez saturação, quem sabe, desorientação, realidade tão pesada que nem a fuga conseguirá fazer recuar…Nem o sorriso escarninho que ilumina o gaveto me serena - nem o silêncio.
Peso as palavras ruidosas.

19.3.19

No dia de S. José

O meu pai não se chamava José e era agricultor.
S. José não era pai de verdade, e consta que era carpinteiro.
Eu também não sou carpinteiro nem sou José.
Sou pai, mas não quero que seja o meu dia, esse já foi, e já pouco interessa, ficou noutro lugar bem longe de Belém sem ter tido necessidade de me esconder de Herodes… 
A verdade é que não quero ser o Orfeu que perdeu a Eurídice, irremediavelmente.
Estou em crer que S. José detesta pombas e que lho recordem.

18.3.19

fora de qualquer pontuação

(…)
Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa
(…)
João Cabral de Melo Neto

eis uma sensação antiquíssima 
cada vez mais pesada 
explosiva que de tão contida
se deixa cair pelos dedos abaixo
fora de qualquer estação
fora de qualquer pontuação
apenas o ainda branco respira 
apara a queda das pétalas 

17.3.19

A cela é tudo

Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo? Bernardo Soares, 23-3-1930


'Em fuga' parece ser o apelo irresistível de quem imagina a vida como um oásis - a viagem do neófito ávido de novas sensações em paisagens distantes… Mesmo que o intelecto antecipe que o desejo não passa de ave passageira, a vontade caprichosa não se importa de hipotecar o corpo, como se ele não fosse o único bem…
Escancarada a cela, nada nos espera… nem mesmo a brisa nos arrastará para o mar.

16.3.19

Estamos a facilitar a radicalização

- «Nós estamos aqui. Nós viemos aqui para dizer que sois culpados. Nós repetimos aqui que sois responsáveis pelo que nos está acontecer. Nós prometemos aqui que vamos voltar, até porque não temos plano B...» 

'Nós, a juventude, viemos até aqui convencidos de que a melhor arma é a frase-martelo. Reconhecidos no aplauso coletivo e institucional, estamos prontos, ou quase...'

Um destes dias, o Ato ignóbil bater-nos-á à porta. Então, não haverá quem explique a radicalização dos protagonistas…
No entanto, bastava no tempo certo ter ouvido o martelo e ter analisado as imagens para perceber o que aí vem. 
Sem aplauso!

15.3.19

Conversa arrevesada

Com o petróleo chegou o plástico facilmente moldável. Em 100 anos, as aplicações do plástico multiplicaram-se com vantagens em muitas áreas da atividade humana. Entretanto, o plástico caiu em desgraça, pois será responsável por grande parte da destruição da Natureza… 
As cruzadas estão em marcha… Neste domínio, como em muitos outros, convém ter à mão um bode (balde?) expiatório e deixá-lo imolar, de preferência, pela juventude… O problema é a grande indústria que há muito tempo aprendeu a acarinhar os movimentos contestatários…
Pena é que, no meio de todo este empastelamento secular, se tenham esquecido de fabricar os livros em plástico, embora, em muitos casos, a plastificação de cadernos e livros tenha sido um bom negócio…
Aposto que se o papel dos livros tivesse sido substituído pelo plástico, hoje, o dia seria de enorme satisfação…  - Para quem?