29.7.19

Para fugir da redundância

No beco… sem saída.
A ideia que fica é que não é possível voltar para trás, fazer inversão de marcha. De qualquer modo, para esclarecer a redundância, é necessário identificar o sujeito da ação. Desde que o sujeito seja outro, que não o próprio, tudo parece possível.
Tudo o que caminha vai e volta ou, pelo menos, acreditamos que sim. Só o próprio é que caminha, o mais lentamente possível, até bater na parede, na meia-noite da Sintra pessoana - a tal inevitável metáfora do chevrolet, que ainda não entendemos que é nome de todas as figuras. 

28.7.19

No beco

Ao balcão, a senhora abre a mala. O lojista pergunta-lhe: - Quer alguma coisa? Ela, hesitante, responde: Sim, mas não sei o quê?
Paciente, ele diz: - Talvez um maço de tabaco! 
Ela confirma, mas parece perdida. Não compreende que deve pagar 4.90 € pelo tabaco ou, talvez, quisesse comprar O Sol… sem pombos!
Entretanto, afastei-me. Percebi que para o vendedor a situação não era insólita… e pensei que entrar no beco era isso, mas sem saber.

27.7.19

Saber viver com os achaques

«L'important n'est pas de guérir, mais de bien vivre avec ses maux.» Palavras do abade Galiani a Mme. de Épinay

Num tempo em que a cura é o primeiro objetivo de novos e velhos, e é prometida e vendida por mercadores de todo o tipo, as palavras do abade-economista fazem todo o sentido, mesmo se as das Épinay de hoje reduzem tudo ao ginásio e à farmácia…
Conhecer as limitações, não se deixar dominar por elas, testá-las é, afinal, o caminho… e, sobretudo, não acreditar em milagres de qualquer natureza - pensamento proibido a um abade!
E aproveitar o que se nos atravessa no caminho. Neste caso, por atalhos de David Mourão-Ferreira e de André Gide, voltei ao século XVIII, mesmo que seja mais fácil bater à porta de Mme. de Épinay do que de Ferdinando Galiano (1728-1787), autor de Della Monetta, 1750; Dialogues sur le commerce des bleds, 1770; Doveri del principe neutrali, 1782.

24.7.19

Desta vez, a prova 639...

Desta vez, na prova de Português (639, 2ªfase) não há nenhum crime lesa-aluno,  ao apresentar um excerto do Canto VI de "Os Lusíadas". Tal só teria acontecido se o excerto camoniano tivesse sido colocado na  Parte C do Grupo I , mobilizando conhecimento global da epopeia.
Se alguma crítica se pode tecer é ao modo como o fio temático é tratado. Creio que os jovens examinandos terão tido alguma dificuldade em situar-se nos cenários de Alegre e de Lobo Antunes, bastante neogarrettianos…
O universo familiar atual é bem distinto e falta-lhes o recuo necessário para cotejar "visões do mundo"...

22.7.19

Em defesa dos bombeiros



Não falta combustível, como agora se diz, o que falta são acessos que permitam a rápida deslocação dos carros de bombeiros.
No caso concreto, para aceder a este terreno, necessito de fazer mais de 500 metros a pé… 
Dizem os autarcas e os populares que os bombeiros chegam tarde. Do povo, compreendo a queixa, agora dos presidentes de junta de freguesia ou da câmara, censuro a atitude, porque uma das suas atribuições é precisamente abrir caminhos onde sejam necessários. Ou será que estou enganado?

21.7.19

Para quê o rabisco?

Tudo o que escrevo é inútil. Para quê, então, o rabisco mais ou menos quotidiano?
No fundo, é um pouco como no tempo pós-vindima - há sempre alguém que dá a volta à vinha, não tanto porque tenha fome, mas porque o esgalho esquecido se torna guloso…
O que me leva a pensar que escrever é do âmbito da gulodice e não da utilidade, pelo menos, na aceção anglo-saxónica.

O que a seguir vou rabiscar é inútil, porém não o vou calar. 
Alguns dos meus vizinhos homens são humanos como eu, só que vestem túnicas, uns, brancas, outros, acinzentadas. Deixam crescer as barbas, como eu, mas muito mais do que eu (ainda não percebi porquê). Calçam sandálias, poupando nas peúgas…, e deslocam-se em mercedes, volvos… não os vislumbro nos transportes públicos. Cruzamo-nos uma ou duas vezes por dia e raramente nos saudamos. 
Detesto-me quando penso que eles são árabes, muçulmanos, magrebinos, estrangeiros, ricos ou pobres, simpáticos ou antipáticos…  O que eu gostaria era de conhecer o nome próprio de cada um…

20.7.19

Por entre aparas

No geral, as borrachas, que utilizo, sujam mais do que apagam. O primeiro ato é, assim, de limpeza para que possa eliminar o que não convém, embora a conveniência possa ser problema alheio.
- Vá lá, meu menino, passa a limpo que fica melhor!
Ser cortês é isso - aprender a limpar, aprender a apagar.
Tanto apagamos que pouco sobra! 
Ser cortês aprende-se a limpar, a apagar, a rasgar… de tal modo que as aparas se amontoam sem nos apercebermos do vazio que criamos…
Até que um dia, nos exigem que refaçamos o que apagámos - «o peito oculto», como se ele não tivesse sido eliminado antes, mesmo, de termos nascido…Nós, os que crescemos por entre aparas...sem acesso ao peito das reticências nem das metáforas e muito distantes das anástrofes da vida.