28.11.19

Do erro se faz culto...

Residence - Saldanha

Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
                 Fernando Pessoa

Se tudo é oculto, para quê tanto barulho?
Se tudo é oculto, para quê tanto brilho?
(Do erro se faz culto...)

27.11.19

Os seguidores

Há quem nos siga por curiosidade e, talvez, por simpatia. Nunca sabemos ao certo o motivo nem se tal acontece de forma persistente.
Nos blogs, os seguidores parecem eternizar-se mesmo que já não nos visitem há muito. Poderíamos, talvez, bloqueá-los como nos é sugerido… mas nunca temos a certeza de quem, efetivamente, nos segue e porquê. 
Exceto, quando nos apercebemos de que o seguidor já faleceu. Surge, no entanto, uma dúvida: - Será que o finado não continuará, lá onde se encontra, mais atento do que os que ainda se mantêm vivos?

26.11.19

Estes pingos

Estes pingos irritantes martelam-me a cabeça como se ela fosse de lata ou de zinco. Para o caso tanto dá…
Fazem certamente falta estes pingos, mas a mim, que gosto de cheias, que imagino um país bem governado sempre que os rios e as barragens extravasam, estão a levar-me à insanidade de querer fugir deste monobloco, definitivamente...
Ainda pensei que Pessoa me pudesse acompanhar no desespero, mas ele prefere simplesmente entediar-se e passar a emoção a outro que a não possa ter e muito menos conceber... São de zinco os pingos de Pessoa e caem para além das cubatas de que outrora se terá aproximado, a medo… Ou talvez não!
No Arquivo de Fernando Pessoa não há cubatas… Por enquanto!

25.11.19

Não obstante

Em canteiros não calcados dá um ar da sua graça, embora a graça não seja da flora, apesar de atribuída à Deusa…
Se não entenderem não faz mal, a Flora não vos leva mal, pois andais entretidos em jogos florais com artificiais desfechos intestinais.
Longe anda a Moira, também não quer saber, nem já sabe como reformular 'o que tem de ser tem muita força.'
Os canteiros que sigam o seu caminho que nós, à força de ir por atalhos, continuaremos metidos em trabalhos, mesmo que involuntários… Já de pouco servimos, assim tão arrumadinhos. Nem para soldadinhos!

24.11.19

De Hipócrates a Balaão

Por estes dias, decorre o Juramento de Hipócrates pelos novos médicos… 
Duvido que a maioria tenha noção de quem foi Hipócrates (c.460-370 a.C.) e sobretudo que entenda que alguns dos evocados não são de confiar, a começar por Apolo…
Tendo em conta a exemplaridade da oração, transcrevo parte, esperando que os jovens médicos não acabem por trocar Hipócrates por Balaão:

«Juro por Apolo médico e Asclépio, por Higeia e Panaceia e por todos os deuses e deusas, tomando-os por testemunhas, que cumprirei este juramento e compromisso, conforme as minhas forças e o meu entendimento. Terei pelo  meu mestre nesta arte consideração igual à que tributo aos meus pais; compartilharei da sua vida; quando estiver falto de meios, eu lhos porei à disposição; estimarei a sua família, como se meus irmãos foram; e lhes ensinarei esta arte, se carecerem de aprendê-la, sem salário nem contrato…» (Tradução de Maria Helena Rocha Pereira, Hélade, Antologia de Cultura Grega)

23.11.19

Em linhas quebradas

Do que sei, não sei, a não ser esta vertigem de associar os contrários sem qualquer efeito prático, pelo menos inteligível…
Resigno-me na ideia de que outrora sabia, mas como se o esqueci, eu que sempre defendi que só sabe quem não esquece.
À minha volta, são tantos os que não esquecem, e poderiam ser bem mais se eu os não tivesse esquecido.
Tudo parece estar bem, não fosse essa ideia de perda que, por vezes, se transforma em fulgurações instantâneas, pleonásticas e absurdas.
Desadormeço e fico à espera desse retorno que, enquanto for dia, se revela impossível, a não ser em linhas quebradas…

22.11.19

Uma regressão espúria

Outono. Uma nespereira em flor. O sol, depois da chuva, disfarça o caixote de lixo… Despedido o guarda-chuva… tudo invertido, como se a seca já tivesse sido vencida…
Sigo na direção da Praça José Queirós, pintor e arqueólogo (13.7.1856-31.07.1920), fundador do Grémio Artístico que estaria na origem da Sociedade Nacional de Belas Artes… e vou pensando na descontinuidade das memórias que facilmente caem em associações espúrias - termo apelativo, mas que pode adjetivar uma regressão, isto é uma relação estatística entre duas variáveis, sem que, no entanto, nenhuma relação causa-efeito exista.
Neste caso, a flor da nespereira, a não ser na cor, nada diz deste José Queirós e muito menos de outros universos queirosianos, mesmo se coevos. E, ao contrário do que seria de supor, a nespereira floresce no final do outono ou no inverno…