25.8.22
23.8.22
Rabiscos
(Quando não se tem nada para oferecer, o melhor é desaparecer. Para quê insistir no rabisco? O que ficou para trás cai no anonimato... e por lá fica enterrado.)
Hoje, perguntaram-me como é que me tratavam quando ainda podia incomodar. Fiquei perplexo pois, até na identidade, me fui alheando. Houve várias fases de que aos poucos fui escapando: o 'pulo' porque um avô gabarola confessou um dia que tinha saltado sete dornas e meia e os arcos de outra; o 'mata2', por causa de uma placa toponímica facilitadora da memorização de um atencioso enfermeiro; o 'cabeleira', para a maioria, uma misteriosa alcunha; o 'cabeleira gomes', adotado na academia; e finalmente o 'manuel gomes', porque num certo momento do percurso o normalizador me reduziu ao nome próprio e ao apelido paterno...
Entretanto, fui perdendo o nome, porque a identidade deixou de ser preocupação alheia.
PS. Convém registar que também me identificaram, da cabeça aos pés, com os números /09633075/ e /252/. No último caso, o número colou-se-me de tal modo que ainda hoje o procuro nas peças de vestuário e na lotaria...
20.8.22
O Castelo
Manhã cedo. Ninhos artificiais vazios - as aves não se deixam enganar facilmente...
Na linha Verde, carruagens cheias de imigrantes asiáticos seguem para o Rossio e para o Cais do Sodré. Vão ao engano.
Eu saio no Martim Moniz, na esperança de que o corpo preserve o seu segredo, apesar do empenho em atraiçoá-lo...
Distante o Castelo, um corpo estranho que já não engana ninguém.
Ontem!
E hoje, alguma coisa terá mudado?
17.8.22
Os dias
O curso do tempo deixa de obedecer a qualquer convenção humana.
Esta indiferença acaba por provocar sobressaltos em quem sempre se submeteu à disciplina das horas, pois, inesperadamente, os factos misturam-se e a agenda perde grande parte do sentido inicil.
Onde se respira um pouco melhor é no passado: as memórias continuam organizadas, apesar de efabuladas.
A corrente desagua em ilhas singulares, distantes.
13.8.22
A intromissão
«Todo o ato de perguntar é uma intromissão.» No entanto, «antes de lhe ser feita a pergunta, uma pessoa, muitas vezes, não sabe o que pensa.» Elias Canetti, Massa e Poder, pp. 345 a 351, ed. cavalo de ferro
Ultimamente, tenho evitado fazer perguntas por mais que me apetecesse ouvir as respostas, porque isso poderia deixar o interlocutor sem saber o que responder...
Por um lado, temo que à falta de perguntas corresponda um alargamento da ignorância e, por outro lado, receio que, afinal, a minha curiosidade não passe de puro abuso.
Fiquemos por aqui, deixemos as perguntas à matreirice de quem, antecipadamente, se preparou para o ofício da dissimulação.
9.8.22
Atos inacabados
Sinto que é meu dever andar devagar, no entanto todos me convidam a andar mais depressa, não por palavras mas por atos inacabados...
Atos inacabados são aqueles que solicitam a nossa a atenção para que os corrijamos, os completemos ou, por vezes, para que os realizemos na sua totalidade.
Pode parecer absurdo, mas o problema resulta mais do meu excesso do que da falta de zelo alheia.
Afinal, nada se perderia se reduzisse a minha ação a assegurar algum sossego.
A verdade é que por este caminho, mais não sou do que uma assombração num mundo de marionetas.
7.8.22
Estar vigilante
Por muito voluntaristas e obstinados que sejamos, pouco podemos fazer... Há sempre uma força que se opõe à nossa vontade e que impõe um rumo advinhado ou, mesmo, inesperado...
Lutar é certamente uma obrigação, mas, frequentemente, o combate é contraprudecente, porque esgota todos os recursos e energias.
Dir-se-ia que o estado de vigília é o que mais se adequa a certas circunstâncias da vida, na expectativa de que o Tejo não seque de vez.
Entretanto, o mar continua por mais algum tempo.
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