16.11.22

A democracia é uma empresa difícil


mcg /94 

(Da intenção pouco ou nada terá sobrado... a não ser registos esquecidos.)







 

Vetusta casa de madeira-e-zinco
castelo de esconderijos na Mafalala.
Nem a mim confiaste
onde a bom recato esconderas
" A Mãe " do Gorki.
Dos esbirros à paisana
inúteis foram as mil perguntas
sobre segredos absolutamente só meus
e livros por ti guardados
onde nem eu sabia.
.............................
Teu sigilo valeu-me.

José Craveirinha, Maria, 1988

A Camões
Quando nalma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e beleza.
Génio purificado  na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.
E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,
Não morrerá sem poetas nem soldados
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.
Manuel Bandeira, A cinza das horas

Hoje a realidade é de cristal
Duma delicadeza transparente
que mete medo
quando os olhos atravessam as coisas
até ao fumo do sal.
Continentes com tentáculos
esqueletos de sangue,
enlace
do Sol com o verde-mar esmaecido...
De vez em quando
alguém toca nas árvores,
nas flores, na pele 
- e é como tudo se quebrasse
em flores de vidro. 
José Gomes Ferreira, Poesia V

14.11.22

De Costa à contracosta

A falta de decoro acentua-se.
Em democracia, governa quem recebe o mandato do povo. No entanto, em Portugal, sob a capa da luta política, o voto significa cada vez menos... 
O Ministério Público tem uma agenda própria cujo objetivo principal é gerar instabilidade. E a oposição, bem informada, aproveita, apesar dos rabos-de-palha...
Por seu turno, o Costa Primeiro há muito que se deixou enredar nas malhas clientelistas do Partido, imaginando que a maioria absoluta lhe permite passar pelas brasas sem se chamuscar. Agora, ameaça processar o Costa Banqueiro, porque este perdeu o decoro que a função lhe exigia... Sem esquecer o Costa Economista que, por estes tempos, terá voltado as costas ao petróleo e lá vai apoiando uma juventude que quer defender a Terra, mas de forma cómoda... bem agasalhada e nutrida.
Só falta o Costa de Educação vir defender que o melhor é acabar com os exames porque os jovens merecem surfar a onda do momento...

Em matéria de falta de decoro, parece que o Cristiano Ronaldo também decidiu navegar de costa à contracosta, esperando que o mundo se ajoelhe a seus pés. De qualquer modo, vamos ver se ainda se redime no Catar, onde, não fosse a falta de decoro, ninguém deveria pôr os pés  no 'mundial de futebol'...

11.11.22

Estava longe de imaginar, o Duarte...


Talvez Ela já soubesse, mas no momento em que a fotografei,  estava longe de imaginar que iria reencontrar o Duarte e conhecer o Frei Bartolomeu de Santa Maria... (Ela, pensativa, expressava um certo desdém ou seria apenas surpresa?)
O Duarte, jovem cheio de convicções, sempre pronto a mostrar a sua admiração pela monarquia espanhola e a sua proximidade com o amigo Marcelo Rebelo de Sousa...
Encontrei-o numa nova fase da vida, preparando-se para o sacerdócio, que, naquele momento, esperava Frei Bartolomeu para o levar a almoçar ali ao lado, no Seminário dos Olivais...
Por instantes, a figura do frade fez-me regressar ao século XIX, a certos personagens de Almeida Garrett que, apesar de tudo, animavam a paisagem. (Apenas o smartphone destoava.)
Quem é que ainda se lembra desses tempos!?

8.11.22

Da resolução...

Volto atrás. 
Hoje, tratei de uma série de questões. Pensara escrever 'resolvi' ..., mas dei conta de que a resolução é um ato de ilusionismo.
Por exemplo, pensava que o Biden tinha resolvido o problema 'Trump', mas não, este está de volta para alegria dos destemperados deste mundo.
'Resolução' e 'solução' rimam, mas não mais, a não ser que estejamos a pensar em extermínio, individual ou coletivo.
Por agora, sinto  uma vibração que não vem da alma... um zumbido persistente - sem insectos - o que acaba por me sossegar...
Acreditar na mudança não passa de um ato ímpio de quem perdeu a noção do tempo.
No entanto, ainda chove. De vez em quando, copiosamente.

5.11.22

Na Trofa, o Presidente saiu do cargo

Este é um dia super feliz, mas há dias super infelizes. E verdadeiramente super infeliz para si será o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que eu acho que deve ser. Nesse caso não lhe perdoo  (dirigindo-se à ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa). Espero que esse dia não chegue, mas estarei atento para o caso de chegar”, acentuou Marcelo.
Hoje, o Presidente saiu do cargo e vestiu a pele do cabo de esquadra. Pouco mais há a acrescentar... o homem desce a escada cada vez que abre a boca...

2.11.22

Cemitério de automóveis

Ainda a pensar 'nos corpos pesados do seu próprio esquecimento', hoje atravessei um cemitério de automóveis. De nada serve localizá-lo, pois todos os que procuram peças de substituição sabem a onde ir...
Cercado por estradas e viadutos, entra-se num mundo fechado, onde a cada passo somos olhados como intrusos. Várias ruas não têm saída, por isso o melhor é fazer de conta que se procura alguma lápide ou algum jazigo...
A vida não parece ser muita intensa, apesar de um ou outro forasteiro se aventurar a perguntar pela peça que lhe falta... No geral, a resposta é muda, apenas um gesto desprendido...
De qualquer modo, percebi que este cemitério abriga os restos de milhares de veículos, em tempos tão idolatrados, e não gostei do que vi... 
Entretanto, não pude deixar de pensar naqueles milhares de camiões que atolam o Brasil... Em nome do quê? Ainda não percebi bem!

31.10.22

A propósito ou, talvez, não

Quem se pronuncia é mais uma vez Agustina Bessa-Luís, como ela tanto gostava e sabia:

«Quando dos centenários arrastamos corpos pesados do seu próprio esquecimento, devemos pensar se eles foram autênticos desesperados; se eles tiveram no sangue essa fecunda frescura das chuvas novas, ou se levantaram apenas iras, próprias dos melancólicos.
Só os amados se devem ressuscitar. Outros, ainda que ávidos do seu século, rigorosos com o saber e o ajuste dele à ocasião e ao meio, não se chamem, não se convoquem, não se recuperem para outras eras e costumes. Pois o ódio nunca se extingue, se uma vez foi descoberto; ele é como a esperança, mistura-se a tudo o que é disponível, à beleza mesma e ao desejo do bem.» Alegria do Mundo II, Argila e Bronze...

Se a verdade e o amor podem ser extintos, o ódio nunca prescreve.