11.12.06

A encenação espanhola do arrependimento...


É a terceira vez que tento publicar um breve comentário não sobre a Igreja de La Preciosa Sangre, em Cárceres, mas sobre a monumentalidade da arquitectura civil e religiosa na Espanha do passado e do presente. Sempre que percorri o casco de algumas cidades espanholas (Toledo, Madrid, Burgos, Barcelona, Sevilha, Ávila, Segóvia, Cárceres) fiquei com a impressão de que os espanhóis têm uma enorme necessidade de expor a força e a crueldade erigindo fortalezas e catedrais. 
Esta necessidade não é forçosamente do soberano (do estado), é, sobretudo, a afirmação dos "senhores" da conquista - ibérica, europeia ou das américas. Senhores ciosos de afirmarem a sua superioridade perante os vizinhos e que, para efeito, edificam palácios e catedrais lado a lado, transformando o espaço num labirinto de ruas e ruelas, lutando pelos cumes numa clara projeção para os céus… O movimento é sempre ascensional, originando cogumelos de edifícios cuja funcionalidade nos escapa… porque a grandeza, afinal, é simbólica…
Mesmo a associação da grandeza ao poder nem sempre é linear, porque, mais do que expressão de riqueza poderia muito bem tratar-se de uma forma de catarse. Mas não, tudo é encenação, diria pública, não fosse a redundância... O arrependimento da conquista, do sangue derramado, transforma-se em espectáculo em que sangrador e sangrado podem caminhar lado a lado, fugindo ao exame de consciência que a nudez e a elevação das catedrais góticas acabaria por exigir.
Por isso os espanhóis preferem ao despojamento a ostentação, ao isolamento a multidão, à sobriedade a opulência, à linha o volume..., preferem tudo o que os afaste da assunção da responsabilidade, em nome da ocupação do espaço, da encenação do arrependimento...
A encenação da culpa é um sinal dos tempos de que quase todas as cidades espanholas dão testemunho... E paga-se para assistir ao espectáculo!
PS: Os dois anteriores comentários eram bem diferentes destes. Mostravam que o Barroco não foi mais do que o produto de uma contra reforma jesuítica que encenava a morte num retábulo roubado aos ameríndios! Mostrava ainda que o barroco nunca foi português nem brasileiro... era simplesmente a expressão da grandeza espanhola na Europa, contra a Europa da Reforma. Felizmente que estes comentários se perderam! 
MCG

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