19.4.07

No espaço de uma semana...

Na Escola Secundária de Camões, no espaço de uma semana, foi possível recuar no tempo e dar a conhecer aos alunos e, também, aos professores, um tempo que alguns viveram, mas a maioria desconhece.
A 13 de Abril, o escritor João Aguiar revisitou o "liceu", que frequentou entre 1957 e 1961 (?). A 18 de Abril, a professora Madalena Contente fez-nos revisitar Vergilio Ferreira, que leccionou no Camões, a partir de 1959 até à sua aposentação.
I
João Aguiar dirigiu-se, no Auditório, a uma plateia de mais de 250 alunos e professores, evocando o passado e discorrendo sobre o ofício de escritor. Desse passado, ficou a imagem da distância que separava os rapazes das raparigas que, quando admitidas no Liceu, eram fechadas, nos intervalos das aulas, na Biblioteca. Ficou também a ideia da inacessibilidade do livro, aprisionado nas "altas estantes" da Biblioteca. O aluno só podia ir à Biblioteca quando algum professor faltava. E sobretudo, sobrou a imagem do poder do professor e, em particular, do reitor, perante o qual todos se prostravam. Por outro lado, nas aulas de Português, poucos professores desenvolviam estratégias motivadoras da leitura.
João Aguiar recordou dois professores: Maria da Conceição Caimoto, que lia selectivamente excertos de obras, que acabavam por convidar os alunos a continuar a leitura, e Mário Dionísio, que contextualizava, com tal rigor e clareza de expressão as épocas literárias e as obras que que as integravam ,que aos alunos bastava estar atentos e tirar notas, para mais tarde tentarem reproduzir o pensamento do mestre.
Sobre o ofício de escritor, João Aguiar deixou no ar a ideia de que o despertar para escrita resulta mais de uma descoberta pessoal do que de um efeito da Escola. No seu caso, ela terá surgido por volta dos sete anos de idade e ter-se-á acentuado, na sequência de uma doença que lhe restringiu os movimentos durante, entre os nove e os onze anos. Dos seus autores preferidos, preferiu citar Eça de Queirós. Dos vivos, pouco disse, a não ser que o antigo aluno do Camões e "rebelde" António Lobo Antunes sempre o tratou com grande deferência... E que também apreciava a obra de Mário de Carvalho, seu condiscípulo. Curiosamente, não referiu Vergílio Ferreira com quem, eventualmente, se terá cruzado... Mas, como nos prometeu escrever sobre o tempo que viveu no Liceu Camões, no âmbito da comemoração dos 100 anos do edifício, talvez ainda estejamos a tempo de o ver escrever sobre a sua relação com Vergílio Ferreira, também ele, grande admirador de Eça de Queirós...
II
Quanto à remoremoração de Vergílio Ferreira, esta decorreu entre os livros das "altas estantes", na Biblioteca, que lotou. Entre outros, estiveram presentes a viúva do escritor, nos seus enérgicos 92 anos de idade; a professora doutora Maria Joaquina Nobre Júlio que falou sobre a "Aparição"; a antiga professora do Liceu Camões, Drª Clarisse Santos que explicou aos presentes quem eram / são as "três colegas", múltiplas vezes referidas pelo escritor na sua obra; e o dr. Luís Filipe Valente Rosa, antigo aluno do homenageado que dissertou sobre o "pensamento em Vergílio Ferreira", deixando a mensagem de que a acção (docente, literária e ensaística ) de V.F. terá sido, muitas vezes, redentatora para os alunos e para os leitores. Deixou-nos também a imagem de um homem cujo objectivo principal era descobrir a irredutbilidade da pessoa, lutando contra qualquer totalitarismo, viesse donde viesse... o lhe terá trazido alguns dissabores, sobretudo, da crítica de raíz marxista...
Para além das referidas intervenções, é ainda necessário referir o filme realizado pelas professoras Madalena Contente e Teresa Almeida, e que, pelo rigor documental, poderá futuramente ser muito útil na apresentação de V.F. às novas gerações e que, por outro lado, não deverá ser esquecido na celebração dos 100 anos do edifício da Escola Secundária de Camões.
III
  1. Se cruzarmos as duas datas - 13 e 18 de Abril, verificamos que nos falta conhecer o "diálogo" travado por Mário Dionísio e por Vergílio Ferreira, isto é, o diálogo entre a escrita de raíz marxista (vulgo neo-realista) e a escrita que, rejeitando o fascismo, procurava no homem e não na classe (no grupo) o caminho da sua superação.
  2. Estas iniciativas, seja no Auditório seja na Biblioteca, são de grande utilidade para ver se aprendemos a ouvir, a respeitar a voz do outro (EU). No Auditório, ainda houve jovens que não souberam ou não quiseram ouvir, obrigando o convidado a chamar-lhes a atenção. Na Biblioteca, também houve quem passasse o tempo a comentar os oradores, querendo deixar nos circunstantes a ideia de que muito do pensamento de V.F. mais não seria do que plágio.

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