Nota crítica
António José Silva Carvalho (Vila do Conde, 1948) tem feito o favor de me oferecer os seus livros a que, infelizmente, não tenho dado a atenção que merecem. Confesso que a leitura nem sempre é fácil e nos tempos apressados que nos governam o mais fácil é suspender a leitura…
Por coincidência ou talvez não, decidi levar a bom porto a leitura de duas obras, à partida resistentes e muito diferentes, mas que, afinal, talvez o não sejam: - Que Farei Quando tudo Arde? (D. Quixote, 2001), de Lobo Antunes; Mediocridade (Aquário, 2000), de Silva Carvalho. De facto, Silva Carvalho, no poema “Insignificação”, datado de 6-10-2000, interroga-nos, à semelhança de Sá de Miranda: / que se poderá viver quando a vida arde / e arfa nos mimetismos da presença? / Tanto Silva Carvalho como Lobo Antunes suspendem os géneros literários em que se inscrevem. Coincidências!
No caso do autor de Mediocridade, a pretendida auto-exclusão da poética de raiz greco-romana leva-o, em compensação, à defesa de uma linguagem porética que define, no texto ENTRE do seguinte modo: / A linguagem porética é um discurso / entre, entre a poesia e a filosofia, / capaz por isso de fazer interpenetrar / a abstracção do pensamento tacteante / no tecido afectivo da expressão lírica. / É um espaço onde a temporalidade / ganha o seu momento histórico, / não porque reflicta a ideia do mundo / ou de tempo concebida pela política, / mas porque inventa um outro mundo / capaz de fazer sugerir a presença / do mundo em que todos vivemos. /
Neste poema, Silva Carvalho define de forma lapidar a sua insatisfação com a arte produzida no Ocidente, uma arte serva de si própria ou engajada, incapaz de dar conta do único “mundo em que vivemos”… e, para tal, procura na escrita a língua que dê conta do fulgor do presente, isto é, da nossa fugaz presença no mundo.
O arco temporal deste livro decorre entre 6 de Julho de 2000 e 30 de Outubro de 2000. Numa 2ª parte, podemos ler um conjunto de “Sonetos Imbecis”, situados entre 13-2-1984 e 15-5-1984. E, na 3ª parte, encontramos um lúcido ensaio sobre a escrita porética de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro: À Procura de uma Tradição / Alberto Caeiro, A Linguagem Porética e a Estética da Imperfeição.[1]
O título deste obra – Mediocridade - voluntária ou involuntariamente, expressa a reivindicação de reconhecer à língua uma função mediadora, uma função de vida, num tempo em que para se abafar a memória se acelera a morte das línguas: / A língua não pode ser um deserto / nem desertar o mundo, a língua / arfa no sigilo de si mesma , árdua / tarefa para quem procura sentir / a existência como coisa sensível. /(A Dor, 28-9-2000)
[1] - Perante a quantidade de disparates ensinados aos portugueses sobre este heterónimo, ainda vamos a tempo de corrigir o rumo, lendo o ensaio de S.C. E já agora porque não adoptar nas universidades um contrato de leitura que permita aos nossos estudantes ter um efectivo conhecimento de tudo o que se escreve no espaço da lusofonia, mesmo que os lentes não consigam dar conta do recado? Se isso acontecesse, não teríamos um escritor como António (não é Armando!) José Silva Carvalho, zangado com os seus contemporâneos porque estes lhe passaram ao lado e não viram… NÃO O VIERAM VER..
O Silva Carvalho ainda vai ter o reconhecimento que merece. Aliás, o reconhecimento tardará necessariamente, porque a teoria poética dele está à frente do seu tempo.
ResponderEliminarNuno
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