«A História é uma tola.
Eu não posso abrir um livro de História, que me não ria. Sobretudo as ponderações e adivinhações dos historiadores acho-as de um cómico irresistível. O que sabem eles das causas, dos motivos, do valor e importância de quase todos os factos que recontam?»
Almeida Garrett, Viagens na minha Terra
Saramago, tal como Garrett, reivindica para o romancista o privilégio de estar do lado da verdade, desde que esta dê a devida atenção ao povo. Ao escritor, iluminado, cabe o mesmo papel que ao cornaca. Montado no cachaço do elefante, o escritor, ora de fato vistoso ora imundo, conduz o povo, não a Santarém ou a Viena, mas ao cinismo e ao cepticismo. A ironia e, sobretudo, a paródia prazenteira dos valores dominantes encarregam-se de nos libertar do peso da História.
No final da leitura, fiquei como a Dona Catarina, ao tomar conhecimento da morte do elefante, Não quis saber, embora não tenha desatado a chorar…
Agora, refeito do impacto, parece-me que Saramago ficou a ganhar a Garrett. Pelo menos por uns tempos, o Ministério da Educação pode declarar A Viagem do Elefante como leitura obrigatória, pois não correrá o risco de cansar os alunos com erudição (desnecessária!), seja ela histórica, política, económica, filosófica, geográfica, literária… Afinal, quem é que tem estômago para ler As Viagens na minha Terra?
« No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da pura realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso.»
José Saramago, A Viagem do Elefante
Quanto mais leio Saramago mais me convenço que se ninguém tivesse inventado os milagres, ele estaria no desemprego! Quanto à História, bem sabemos que o espírito do «revolucionário” é reescrevê-la, ou, em alternativa, queimá-la. E quanto à Geografia, não vale a pena esforçarmo-nos, o santo GPS resolve! E finalmente, sobre os clercs não deixa de ser curiosa a nota (solta) na página 227: «Estas observações talvez venham a ser consideradas desnecessárias pelos leitores mais interessados na dinâmica do texto que em manifestações pretensamente solidárias…»
Ora em termos de dinâmica do texto, fiquei finalmente a compreender a gramática do autor: utiliza a mesmo do seu ilustríssimo antepassado: «tão rápido como santo antónio quando usou a quarta dimensão para ir a lisboa salvar o pai da forca.»
E a propósito, em nome de tratamento igual e solidário, é mesmo necessário eliminar os nomes próprios?
Para terminar, e de acordo com a profunda reflexão de Saramago de que não é possível descrever uma paisagem com palavras, deixo aqui uma foto por identificar, assegurando que não se trata do mar das rosas, a norte de Barcelona.
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