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14.3.15

A última viagem

Passo imensas horas a tentar descodificar tortuosas e minúsculas caligrafias. Por vezes, para além de introvertidas, estas caligrafias são expressão de manifesta esquizofrenia... 
E à horrível caligrafia, há que acrescentar uma sintaxe desconexa, resultante não só da dificuldade em coordenar e hierarquizar ideias, mas, sobretudo, de memorização de última hora, apressada e, consequentemente, descontextualizada.
Das palavras e das ideias, é melhor nada dizer ou, em alternativa, substitui-las por EU.

Há por aí quem defenda a leitura global, capaz de estabelecer ligações entre diferentes épocas e o presente do leitor, sem que este tenha de aprender a interpretar de per si cada texto, cada época. Trata-se de aprender a ler, sem aparato, como aqueles turistas que viajam sem bagagem. Basta-lhes o cartão de crédito para pôr cobro a qualquer dificuldade que possa surgir...
Se este for o caminho, a escrita também passará a ser global, semafórica, se tal palavra existe...

De mal ficaria comigo, se aqui não confessasse que a culpa de tudo isto é da velocidade e do ruído... Claro que um dia todos viajaremos sem aparato, a não ser que alguém acene por nós com o cartão de crédito, para gáudio do barqueiro... 

17.3.14

A descrição


De fora ou de dentro, recanto. Outrora, portão de acesso ao Jardim botânico. Fechado a cadeado ferrugento, ninguém ali atravessa…
De fora ou de dentro, recanto envelhecido, abandonado, por vezes latrina. Descrevê-lo é percorrer o tempo, mas quem quer fazê-lo?
Hoje, procurei explicar que a descrição não é apenas criação de espaço; a descrição dá conta do tempo, narra um tempo de que as personagens se afastaram. Na pena de escritores como Eça ou Saramago, a descrição é personagem que, se incompreendida, vira recanto…
O sonho do escritor só se afirma pela descrição criativa, mesmo que sob a forma da analogia. E por isso também procurei explicar a analogia, pois navegar no espaço (ou na net) pressupõe a derrota das naus…
E quando o objeto da descrição parece tristonho, frio e severo, o escritor lança mão da ironia…
Como o esforço de nada serve,  a personagem sai,  fica somente a cena…