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10.6.15

Naquele cuja Lira sonorosa / Será mais afamada que ditosa

«Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço os Cantos que molhados
Vêm do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapados, 
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa.»

Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, Canto X, estância 128.

Cito hoje esta estância porque me parece ser a que melhor revela a incompetência dos que nos governam e que não têm qualquer tipo de vergonha ao servirem-se da inteligência, do trabalho e, até, da desgraça de muitos portugueses, condenados a partir ou a viver na indigência... sem esquecer os que se arrastam nas cadeias (ou fora delas) à espera que seja feita justiça.
Tal como no tempo de Camões, Portugal é hoje um país em que os valores são constantemente sacrificados ao interesse e à mesquinhez de uns tantos.
E não me digam que estou a ser pessimista!


7.6.15

O desejo de um rei

«Estando já deitado no áureo leito,
Onde imaginações mais certas são,
Revolvendo contino no conceito
De seu ofício e sangue a obrigação,
Os olhos lhe ocupou o sono aceito,
Sem lhe desocupar o coração;
Porque, tanto que lasso se adormece,
Morfeu em várias formas lhe aparece
(...)
«Este, que era o mais grave na pessoa,
Destarte pera o Rei de longe brada:
- «Ó tu, a cujos reinos e coroa
Grande parte do mundo está guardada,
Nós outros, cuja fama tanto voa,
Cuja cerviz bem nunca foi domada,
Te avisamos que é tempo que já mandes
A receber nós de tributos grandes.»

«Eu sou o ilustre Ganges, que na terra 
Celeste tenho o berço verdadeiro;
Estoutro é o Indo, Rei que, nesta serra
Que vês, seu nascimento tem primeiro.
Custar-t'-emos contudo dura guerra;
Mas, insistindo tu, por derradeiro,
Com as não vistas vitórias, sem receio
A quantas gentes vês porás o freio.»

O sonho de D. Manuel, in Os Lusíadas, Canto IV, estâncias 68, 74 e 75

Sobre a finalidade dos sonhos, Freud estabeleceu que não se trata de concluir que o sentido de todos os sonhos é um desejo realizado pois, muitas vezes, esse sentido resultará de uma expectativa angustiada, de um debate interior.

Quando se esperava uma decisão ponderada pela razão, os argumentos mais sedutores saem do sono real, através do Ganges e do Indo. O Oriente aceita submeter-se ao Rei do Portugal, reconhecendo, no entanto, que a guerra será sangrenta.
O masoquismo dos rios orientais é hoje confrangedor. Só que não podemos ignorar que a voz dos rios (assim como a voz de Morfeu) é o desejo de um rei que se mantinha fiel à missão de Ourique e que teve que recorrer a argumentos que fossem capazes de derrotar a voz do Velho do Restelo.
Não podemos ignorar que a lisonja é em causa própria! E o sonho é uma peça literária!