27.5.06

Os galheteiros

«O que faz suspeitar que os pedagogos não gostam é dos autores que ficaram no programa, estão a querer comprometê-los aos olhos dos putos e, na próxima reforma, catrapus, tudo dos textos dos media. Para já, a lírica de Camões fica diluída em “aspectos gerais” e “Os Lusíadas” passa a fazer galheteiro com a “Mensagem”, talvez para o Pessoa ser o azeite que ajude a tornar o vinagre do Camões mais palatável, mais actual.» Helder Macedo, Público 28/09/2001
Tal como as coisas se anunciam, os professores do ensino básico e secundário nem para galheteiros servirão. O caminho mais fácil é fingir que se lê, que se interpreta, que se questiona, que se redige, mas sem que os alunos se confrontem com outras ideias - artistas, escritores, filósofos, cientistas ... para quê? - aquelas ideias que poderiam pôr em causa os interesses instalados.
Nada melhor que o inquérito para elevar o sucesso escolar! Pergunta-se aos encarregados de educação se estão satisfeitos com os professores dos seus educandos. E eles responderão de acordo com as classificações atribuídas...
Apesar do estrebuchar de uns tantos, qual será a reacção dos professores? (Belíssima catáfora!!!) Leccionar e classificar como, há muito, acontece no ensino privado: aplica-se-lhes a cartilha e sobe-se-lhes as classificações.
1º objectivo: nivelar por baixo.
2º objectivo: criar falsas elites.
3º objectivo: desmobilizar todos aqueles que sempre recusaram o carreirismo.
4º objectivo: ...
No entanto, não se compreende que as luminárias - entenda-se: pessoas de grande saber - que nos governam ainda não tenham perguntado aos (seus) alunos do ensino superior se estão satisfeitos com os respectivos professores. Se esses alunos conhecem, de facto, os professores, se costumam ter aulas e, quantas, por semestre. Se têm a certeza que esses professores lêem os trabalhos, na maioria copiados, as provas de frequência, as provas de exame... Se os professores os conhecem?
(À parte)
Qualquer aluno do ensino, dito, superior poderá responder: a maioria das luminárias continua a papaguear conteúdos mal assimilados enquanto vai redigindo dissertações e teses, numa língua de trapos, que serão aprovadas por catedráticos infalíveis e inamovíveis.
E esse é um dos principais problemas do ensino superior: a infalibilidade e a inamobilidade dos catedráticos, agregados, extraordinários, auxiliares (vitalícios!), assistentes... conselheiros, adidos, deputados, presidentes de ..., jornalistas, esposas de...
(De regresso)
Estarão as luminárias dispostas a resolver os problemas que lhes chegam às mãos: alunos que não sabem interpretar um enunciado, fazer um cálculo, traçar uma recta... ou, para não perder alunos, e consequentemente o lugar, continuarão a mentir-lhes... a eles, a nós todos. E a culpar os professores do ensino básico e secundário, com a cumplicidade dos encarregados de educação...
Mas de que educação?
Numa escola, onde não há lugar para a formação no terreno, onde objectivamente não há formadores, não é possível responsabilizar qualquer decisor. Por isso castiguem-se os galheteiros!
Paradoxalmente, a figura do galheteiro começa a tornar-se no logótipo do ME: Tal como Fernando Pessoa acolita Camões também os exames acolitarão os encarregados de educação (isto é, as associações de pais).
PS, isto é, Post scriptum: Substituamos a desacreditada caça aos gambozinos pela caça aos pares de galhetas!

26.5.06

Ensinar-lhes a mentir...

«Se o meu filho fosse vivo (...) havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa que da alma.» Matilde, in Felizmente Há Luar!, de Luís Sttau Monteiro
Estão diante de mim, risonhos, alinhados em conversas privadas. Sorriem-me, acenam-me com a cabeça e, despreocupados, ouvem-me repetir e exemplificar o que são aliterações, assonâncias, catáforas, anáforas (linguísticas com sabor palimpséstico!), pleonasmos e outras redundâncias (in)finitas...
Perante a fastidiosa iteração, interrompem-me para me perguntar se não ficava bem rirmo-nos um pouco dos eufemismos e eu corrijo-os porque o disfemismo é que é a expressão favorita dos 'alarves' que todas as noites vão ao teatro ou ao cinema «fingir nada terem a ver com o que se passa em cena».
(Uns minutos mais tarde...)
Esforçadamente, um aluno lê um monólogo sobre como educar numa sociedade que valoriza a aparência, o dinheiro, a mentira, enquanto que outros simulam uma leitura risível, alarve do que se passa em cena, dentro e fora da sala de aula...
( Toca a campainha: sorrateiramente, abandonamos o palco... para acordar na parada do Rock In Rio-Lisboa ou no Parque Tejo com o Super Bock Super Rock)
Post Scriptum: Já sei como explicar a neologia... basta dar-lhes a palavra no nosso próximo encontro... e ficar a ouvi-los, a ouvi-los... e então descobrirei uma nova realidade ou, pelo menos, que as palavras existentes adquiriram significados novos neste fim-de-semana!

25.5.06

Ó Terra, a arte está tão perto e eles já o sabem...

«E a primeira cousa que se punha aos amigos na mesa era o sal; costume que ainda agora se usa, posto que se não saiba, em muitas partes, a razão dele, nem a porque se enojam e enfadam os hóspedes de se derramar o sal pola mesa...» Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia, 1619
Embora a Caruma seja pouco dada a celebrações e deteste o vedetismo, não pode deixar de assinalar o significado da iniciativa II Concurso Literário Camões 2005/2006, cujos prémios, nas modalidades poesia e conto, foram, hoje, entregues no Auditório Camões. Este tipo de iniciativa mostra que se deve apostar numa escola participativa, onde os alunos surjam como sujeitos capazes de escrever, compor, ler, representar, partilhar, assistir...respeitar os outros. E, hoje, foi possível testemunhar essa nova dinâmica de participação, mesmo que possa parecer incipiente. Esse é o caminho... é o sal da terra!
É, no entanto, fundamental que não se enojem nem se enfadem estes novos hóspedes derramando o sal pela mesa!

24.5.06

Escrever é um registo maçónico...

Saramago coloca-se, com Memorial do Convento, na rampa iniciática do Grande Arquitecto maçónico, que com o esquadro e o compasso determina a estrutura e os limites do céu e da terra. No entanto, o seu convento não é o convento de D. João V, apesar de ‘João’ ser o nome próprio dos santos padroeiros da maçonaria (S. João Baptista e S. João Evangelista). Santos esses que Saramago poderia ter associado ao deus Jano Bifronte, que tinha a faculdade de ver o passado e o futuro. Porém, o projecto de Saramago era o oposto: mostrar a cegueira do rei ao mandar erigir o convento. O convento é fruto do sonho megalómano de um rei que gostaria de ser o Grande Arquitecto e de um vicioso sonho da província franciscana. D. João V continua, ainda hoje, a construir infantilmente o puzzle da Basílica de S. Pedro de Roma enquanto que os franciscanos jamais poderão dar uso às 300 celas que lhes foram destinadas! Para Saramago, a Basílica não se projecta para os céus. O que lhe interessa são as fundações – o que acontece na terra dos homens que, forçados, se vêem envolvidos num projecto em que não se revêem. Mas, na outra frente (janela) da obra, encontramos os "franc–maçons" que, de facto, se projectam para os limites do céu: Sebastiana Maria de Jesus, António José da Silva, Domenico Scarlatti, Blimunda (Sete-Luas), Baltasar Mateus (Sete-Sóis), o padre Bartolomeu Lourenço ( o arquitecto-voador). Em qualquer destas figuras, notamos, e de acordo com as suas competências, uma visão niveladora, um gesto criativo, uma vidência letal e regeneradora, um braço fautor de morte e de vida, um espírito torturado e inventivo. A ambição de Saramago é um construir um memorial em cuja pedra se materializem todas as incoerências dos grandes e todos os sonhos dos pequenos. Ele quer ser a voz dos esquecidos, dos perseguidos, dos desterrados, dos executados em todos os autos-de-fé. O Grande Arquitecto.

22.5.06

Há algo de errado em Al-Kassar!

«Era o ano no mês de Abril, quando enflorescem as árvores, e as aves, que até então estiveram caladas, começam d'andar fazendo suas querelas doutro ano por entre o arvoredo deste vale, que bem podeis ver quejando seria então, pois agora o é tanto.»
Bernardim Ribeiro, Menina e Moça
Embora não tivesse visto, em Al-Kassar, qualquer sombra dos salacianos Bernardim Ribeiro e Pedro Nunes - certamente porque não me esforcei o suficiente! - continuo a pensar que há algo de errado por estas paragens outrora tão interessantes para romanos, árabes e cristãos. A água abundante dos rios Sobrena, Sado, Xarrama e das ribeiras do Areão, Algalé, da Ursa e de S. Domingos deveria atrair mais dos que os cerca de 13 800 habitantes que povoam o concelho de Alcácer do Sal.
Não me parece que o clima mediterrânico possa ser responsabilizado por uma certa atmosfera de incúria: a vegetação já ressequida, em Maio, invade a cidade, tal como o lixo, parecendo anunciar uma próxima abertura de telejornal - Sem se compreender bem, o fogo grassa na cidade de Alcácer, não poupando sequer as moradias...
Ironicamente, o terreno, destinado às futuras instalações dos bombeiros, poderá muito bem ser o rastilho, tal o estado de abandono em que se encontra.
Mas Alcácer é apenas um mau exemplo entre milhares, num país, onde os governadores raramente deixam o ar condicionado dos seus torrões... e continuam, impunemente, na praça pública, a agitar milhões de euros para o combate aos incêndios que eles próprios ateiam...

21.5.06

Alcácer do Sal, em Maio...


Bucólica localidade, onde múltiplos pequenos pássaros saltitam e chilreiam agradavelmente. As cegonhas brancas estão presentes um pouco por toda a parte e, nesta fase do ano, já terão começado a alimentar os juvenis, o que explica que, quando nos aproximamos, elas emitam um estranho e seco som de alerta...
Esta vida campestre, onde, hoje, ecoam os badalos dos rebanhos, é cingida por um extenso mosaico de águas rasteiras, que esperam o cultivo da oriza sativa (variedade de arroz oriundo da Ásia)... ou, em alternativa, a salinação.
A cidade de Alcácer, um pouco esquecida do passado, tranformou a fortaleza numa pousada e, presentemente, expande-se para a Nova Alcácer num estilo novo-rico, descurando a possibilidade de se transformar numa extraordinário miradouro sobre o Sado.
Apesar disso, há nela uma nítida preocupação com os equipamentos sociais, mas tudo num ordenamento bem desordenado.
No entanto, vale a pena visitar a bela igreja de Santiago, rica em azulejos com motivos locais, e algumas das capelas laterais ricamente decoradas. Este edifício foi inaugurado em 1746, no reinado do magnânimo D. João V. E também por aqui há um Convento de S. Francisco!
Em Maio, ficamos com a sensação de que a qualquer momento tudo pode mudar ... tal como na Carrasqueira, a cerca de 20 km de Alcácer do Sal. Fica a sensação de que nesta altura do ano, ainda tudo está por acontecer... embora este fim-de-semana tenha sido bem agradável no renovado parque de campismo... sem residentes e procurado, sobretudo, por ingleses e holandeses. Quem diria?

19.5.06

Esta pressa de florescer...

Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Camilo Pessanha
Mágoa mitigada
As rosadas pétalas murcham diante dos meus olhos; não esperam nem pela calma do Estio nem pelas chuvas do Inverno. Têm pressa de viver: inquietas, riem muito, trocam olhares furtivos, fingem preocupações; mas lá no âmago esperam ansiosamente que o gongue se faça ouvir ... para suavemente juncarem o solo da alheia caminhada.
E esta pressa de florescer não lhes deixa tempo para aprender!