7.10.06

Sob uma pirâmide invertida...

Se os políticos fossem menos demagogos não estaríamos hoje soterrados sob uma pirâmide invertida. Se estes demagogos tivessem pensado menos nos seus interesses não teriam tido tanto empenho em defender o funcionário público, criando-lhe expectativas irrealistas. Agora que mais do que 40% dos funcionários se encontram nos dois últimos escalões, os novos zeladores da res publica decidiram alterar as regras, congelando a progressão nas carreiras, destruindo o statu quo..., enquanto que os decisores dos anos 80 e 90 ocupam impunemente as cadeiras de Belém, do Banco de Portugal, da CGD, do BES, do BCP, do BPI, da Assembleia da República, das últimas empresas públicas...
E, infelizmente, ainda ninguém percebeu que a pirâmide pode girar progressivamente sobre si própria, sem ser necessário sobrecarregar / punir mais os velhos, impedindo os mais novos de aceder à vida activa. Basta que por cada dois reformados se contrate um jovem. Esse jovem, ao entrar na função pública, irá preencher 2 horários, ganhando, no início de carreira, 50% do que ganhava apenas um dos reformados.
Por mais estranho que pareça, o país ficaria a ganhar com o rejuvenescimento dos funcionários, com a possibilidade dos jovens quadros encararem a vida com optimismo e segurança, aumentando, consequentemente, a natalidade...
Mas não, a Ministra da Educação, por exemplo, anda feliz porque conseguiu aquilo que ninguém conseguira depois do 25 de Abril de 1974: professores com mais de trinta anos ao serviço da juventude, inclusivé da dela, são obrigados a cumprir um horário superior àquele que lhes era distribuído no início de carreira. A Senhora ministra está a impedir o rejuvenescimento dos quadros docentes, quando o ensino mais precisa de um novo impulso. Está a prestar um mau serviço ao país.
E o Governo parece agora apostado na reciclagem da elite universitária gastando, nos próximos anos, mais de 100 milhões de euros, em vez de apostar na formação da base da pirâmide, uma base sólida, jovem, com iniciativa e produtiva.
Parece que o socialismo se converteu ao elitismo norte-americano, substituindo-se, paradoxalmente, à iniciativa privada. Ou talvez não!?
Afinal, a base da pirâmide vai ser entregue à iniciativa privada e não só! As universidades privadas e as universidades públicas (2ª categoria), os politécnicos (3ª categoria), as Escolas superiores de Educação ( 4ª categoria), vão licenciar centenas de milhares de portugueses de boa vontade, desde que tenham mais de 23 anos e vontade de pagar as propinas...
O futuro da pirâmide promete... só é pena que as dunas se movam tão lentamente!
PS: Não falei dos sindicatos. Mas eles não irão esquecer-se de se colocar rapidamente na linha de partida - seja no topo seja na base da pirâmide... lá, onde estiverem os interesses!

2.10.06

As estações do homem...

As estações do ano mais não são, para o homem, do que literatura. As estações do homem, como as dos restantes mamíferos, regem-se pela linearidade... E é a essa linearidade que escapa o pinheiro, mas já não a caruma...
A inevitabilidade do fluxo perturba e, por isso, sempre que podemos, fugimos para a estação da fantasia, único lugar onde o refluxo ainda é possível: preferimos o sonho à vida para não termos que enfrentar a morte - esse lugar inexorável onde a ténue linha termina.

1.10.06

No Outono, a caruma...

 
Avoluma-se sob o verde, a caruma. As agulhas despedem-se temporariamente das pinhas para lhes prepararem o leito da morte. E lá longe, já perto, ecoa o rugido do oceano… Nada disto é literatura... nada disto é Nhada, isto é, nada disto é renovação, renascimento, ressurreição... Quando mudamos de estação, quando mudamos de língua tudo se torna mais sombrio... Na literatura, não: podemos fingir, simular que voltamos, outros, atrás...
 

26.9.06

Um diálogo absurdo?

( Um diálogo sem tom... ou talvez um pouco arrastado e monocórdico) - Minha Senhora, que horas são? - São três e um quarto? -Muito obrigado. (Pausa de 20 segundos) - Meu senhor, que horas são? - São três e 20. - Muito obrigado. (Para a primeira interlocutora) - No relógio daquele senhor são três e vinte! - Pois é!O meu relógio deve estar um pouco atrasado... - Pois é! Muito obrigado. (Pausa de três minutos) - Minha senhora, que horas são? - São três e 20. - Muito obrigado. Ah, mas no relógio daquele senhor são três e 25! - Pois é. Ainda não acertei o relógio! - É pena! Onde é que estamos? - Na paragem do aeroporto. - Muito obrigado. Há aqui um aeroporto? Pra quê? Vozes espontâneas: - E se fosse apanhar o avião!?
Há cada vez mais perguntas absurdas, perguntas que não procuram uma resposta. Perguntas que, apenas, servem para experimentar o outro - o amigo, o colega, o vizinho, o estranho, sobretudo o estranho ( o sociólogo dirá que a pergunta pode criar uma relação de vizinhança!)... Perguntas estranhas que servem para assegurar que o outro ainda nos vê ou nos ouve. E o outro, polido, lá vai respondendo monotonamente: - São 17:12 horas... Os outros, sem paciência, já há muito que deixaram de ouvir!
E se deixassemos, todos, de fazer perguntas?

24.9.06

Um sargento de Abrantes...

Lembrou-me agora que há 60 anos, em Abrantes, havia um sargento que gostava de castigar os soldados, obrigando-os a subir um monte com um almude de água às costas para, depois de o esvaziar, repetirem o movimento até à exaustão.
Digamos que, deste modo, o sargento colocava à prova a resistência de homens que, talvez, mais tarde, numa qualquer guerra, lhe ficassem eternamente gratos.
Os sargentos sempre gostaram de se imaginar no papel de Zeus ao condenar o mestre da malícia e dos truques - Sísifo - a rolar a grande pedra de mármore até ao cume da montanha, para depois Zeus a impelir impetuosamente para o vale, recomeçando Sísifo, indefinidamente, o movimento...
E por isso, as tarefas que envolvem esforços inúteis passaram a ser chamadas "trabalhos de Sísifo"...
Creio bem que, hoje, continuamos a ser instruídos por um sargento de Abrantes que, perante a anuência das praças, as condena eternamente aos trabalhos de Sísifo...
(...)

20.9.06

Não há consciência sem causas...

A Amnistia Internacional decidiu no dia 18 de Setembro atribuir a Nelson Mandela o prémio «embaixador da consciência» para o ano de 2006 .
O modo como Mandela conduziu a sua vida desde que saiu da prisão em Fevereiro de 1990 tornou-o no símbolo do que deve ser um verdadeiro cidadão do mundo. O valor do serviço prestado à causa da liberdade e da justiça na África do Sul ( e por arrastamento na África austral) é incalculável.
Apesar do reconhecimento internacional, a vitória sobre o 'apartheid' não significou para Mandela o fim da sua acção, pois a consciência de que a desigualdade é multiface levou-o a empenhar-se numa outra "causa" - o síndrome de imuno-deficiência adquirida (SIDA) deve ser encarado como uma questão de direitos humanos. É esse, hoje, o seu maior combate.
( Se aqui me refiro a Nelson Mandela é porque ele é o exemplo de que não há consciência sem causas.)
Ora, nas nossas escolas, há cada vez mais jovens indiferentes ao que os rodeia, sem vontade de procurar um rumo... estão ali, sentados como prisioneiros desalinhados, esperando que os carcereiros os ignorem. E mesmo que a porta se abra, não indiciam qualquer tentativa de fuga. Parece que se sentem bem na caverna, na masmorra.
E porquê? Porque já nascemos sem causas...

17.9.06

Rosas negras e brancas, ainda que vermelhas...

O monólogo "Ventos de Leste", interpretado por Natasha Marjanovic, mostra à saciedade como os "interesses" inconfessados podem dividir o que parece inseparável. E também mostra como o multiculturalismo é frágil. Qualquer faúlha pode gerar um incêndio e toda a caruma é consumida ou obrigada a partir para países distantes onde a língua começa por ser um obstáculo desesperante.
Mas deste ora divertido ora lancinante monólogo resulta também a ideia de que o "estrangeiro" antes de 'aprender a língua' se vê obrigado a 'aprender a terra'. Este último imperativo também devia ser posto em prática pelos nativos.
'Aprender a terra" significou para esta ex-jugoslava confrontar-se com uma série estereótipos bem diferentes dos da pátria Tito. Parece, hoje, uma imigrante aplaudida, mas, aqui, é apenas uma entre os 360.000 que tiveram que abandonar a ex-jugoslávia. Em nome do quê? de quem?
- Pergunta sem resposta.
(No solo da Gulbenkian, onde decorreu este espectáculo, esteve presente o engenheiro Guterres, esposa e outros familiares ilustres, estes um pouco mais distantes. Curiosa foi a preocupação de um funcionário da Fundação que quis libertar o ilustre espectador do sol tímido que lhe espreitava o couro cabeludo. No entanto, o engenheiro, sorridente, em mangas de camisa, não acedeu a trocar o sol pela sombra..., embora deva ter saído a pensar naqueles anos da sua governação em que a NATO bombardeava indiscriminadamente civis e militares, em vez de se limitar a perseguir "os interesses"...)
De Portugal fica a imagem de um estado folclórico em que a burocracia é tão severa como as bombas da NATO.
O público aplaudiu de pé. O sucesso da imigrante? A performance da actriz? As bombas da NATO? Os mortos de uma guerra fratricida? O jeito que nos dá que haja guerra em qualquer outro lugar que não na 'nossa' terra?
O público aplaudiu. Natasha recebeu rosas negras e brancas, ainda que vermelhas, contrariando a profecia materna de que em Portugal ela não viria colher rosas.