5.2.14

Lugar sem poesia

Enerva-me o refrão
da antevisão
da visão
ão...ão!
Sobe-me a tensão
da explicação
sem solução
ão...ão!
Mata-me a pretensão
da razão
sem razão
ão ...ão!

... Só me falta ficar
sem colchão
ão... ão!

Dito de outro modo: domus, dominus, domesticus... Só os peixes, por natureza, se não deixavam domesticar. Por prudência, os restantes animais são, pelo menos em potência, domesticáveis! Em particular, os mamíferos.
....Lição não autorizada por Aristóteles, mas bem fundamentada pelas Escrituras e pelos doutores da Igreja, incluindo José Saramago ...

4.2.14

Mesmo que tivesse um lugar...

Sugere o meu amigo António Souto que, depois dos 50, nos começamos a esgueirar do tempo (O meu tio da América, Human, fevereiro 14). Pode ser que seja verdade, embora no meu caso o mecanismo não funcione. Primeiro porque nunca tive um tio da América. Na verdade, um tio meu viveu muito tempo em África, em Angola. Hoje, vive na Madeira;  não sei se ainda  é África ou apenas uma ilha com jardim à espera de se juntar à Atlântida...
Mesmo que tivesse um lugar para onde me evadir, a viagem seria sem sentido: não mora lá ninguém! Alguns objetos desenham círculos, mas apenas os necessários para isolar a distância: o avião parado sobre o guarda-fatos, o pião por rachar preso ao interdito, o crivo vazio... o joio asfixiou o trigo...
A memória é já só do presente e lembra-me que, também, eu posso ser escravo numa engrenagem que não me pertence. Escravo de uma ordem caprichosa, prenhe de omissões e de compromissos que nada me dizem.
Bom seria que a memória me desse uma mão e me levasse para uma encosta esquecida de que amanhã continua a ser dia!  

3.2.14

Pela voz…

A nora não perdoa!  Hoje, no entanto, a voz  voltou a surpreender-me.

Na visita de estudo ao Palácio nacional de Mafra com os meus alunos do 12º J, o guia, Carlos Coxo, subitamente interrompeu-me pois reconhecera na minha voz o seu antigo  professor de Português dos anos 80 da Escola Secundária de Santa Maria, Sintra. E espantosamente, o Carlos relembrou o nome que me identificava à época: cabeleira. Tudo o resto envelhecera, mas a voz continuava a mesma!

Os meus atuais alunos, felizes com o reconhecimento, tornaram-se mais atentos e disponíveis para “viver” a visita durante duas horas.

Obrigado, Carlos Coxo!

2.2.14

Hoje não fui ver o mar

O de ontem era um mar tranquilo! O de hoje consta que está revolto! Não espanta, pois há tempo que ousamos dizê-lo nosso!
Nada é nosso nem o próprio nada. Somos nados sem saber porquê e partimos quando menos desejamos… No intervalo, fingimos que somos senhores e, demasiadas vezes, utilizamos esse tempo a humilhar quem não mais nem menos é que nós.
E quando nos dizemos nós é porque nos vemos donos do mar…
Hoje não fui ver o mar! Ele veio ter comigo e estive a pô-lo por ordem à semelhança do cronista para o melhor o poder escutar quando ele não estiver comigo… e vou ficar assim…

1.2.14

Tudo tão próximo e tão distante!





Dois planos: 1º plano: construído; 2º plano: em construção.
Duas linhas: 1ª linha: estável, embora finita; 2ª linha: instável, embora sonhadora.
Duas atitudes: 1ª atitude: passiva-institucional; 2ª atitude: ativa –construtiva: individualista; coletivista.
Se saltar da linha, do plano e da atitude, sobram dois grupos: o 1º procura o sol de fevereiro; o 2º procura libertar as rochas do lixo do primeiro.
Se saltar da linha, do plano e da atitude, sobram dois grupos: o 3º procura, através de uma insólita orquestração, o dinheiro que lhe permita, um dia, ocupar a casa dos seus sonhos.
A ação decorre entre o Guincho e Cascais no dia 1 de fevereiro de 2014. Não se vê nem se ouve o vento, mas ele está sempre presente…

31.1.14

Na hora do Meco

Desde o princípio do mundo que me insultam e me caluniam. Os mesmos poetas ― por natureza meus amigos ― que me defendem, me não têm defendido bem. Um ― um inglês chamado Milton ― fez-me perder, com parceiros meus, uma batalha indefinida que nunca se travou. Outro ― um alemão chamado Goethe ― deu-me um papel de alcoviteiro numa tragédia de aldeia. Mas eu não sou o que pensam. As Igrejas abominam-me. Os crentes tremem do meu nome. Mas tenho, quer queiram quer não, um papel no mundo. Nem sou o revoltado contra Deus, nem o espírito que nega. Sou o Deus da Imaginação, perdido porque não crio. É por mim que, quando criança, sonhaste aqueles sonhos que são brinquedos; é por mim que, quando mulher já, tiveste a abraçar-te de noite os príncipes e os dominadores que dormem no fundo desses sonhos. Sou o Espírito que cria sem criar, cuja voz é um fumo, e cuja alma é um erro. Deus criou-me para que eu o imitasse de noite. Ele é o Sol, eu sou a Lua. Minha luz paira sobre tudo quanto é fútil ou findo, fogo-fátuo, margens de rio, pântanos e sombras. Fernando Pessoa, A Hora do Diabo.

No Meco, com praxes ou sem praxes,
a hora era lunar!
a hora era do sonho!
a hora era da brincadeira!
a hora era da imaginação!
De uma imaginação que não cria... e o Diabo foi Deus na onda que pôs termo à vida...
Mesmo assim preferimos o abraço da noite...

30.1.14

Distorção

I - Às 7h00, a TSF notícia que, segundo o MEC, em 2012, os episódios de violência diminuíram nas escolas.
II - Às 7h30, a TSF notícia que, segundo o MEC, 94% das escolas não registaram  na plataforma digital os episódios de violência.

III - Às 13h30, leio uma resposta do MEC a um pedido de esclarecimento e concluo que fiquei ainda mais confuso. Fiquei, no entanto, com vontade de solicitar novo esclarecimento: - Quando é que termina o ciclo avaliativo de um docente que em 1999 chegou ao décimo escalão e, hoje, se encontra no nono? Se um ciclo avaliativo durar quatro anos, quantos são necessários para o perfazer em tempo de congelamento indefinido da progressão na carreira? Quando é que o ciclo avaliativo termina para que o docente possa ser avaliado e, por exemplo, requerer recuperação de avaliação obtida em ciclo avaliativo anterior?

IV - Às 14h30, na Almirante Reis, uma negra com a mão esquerda entrapada arranca parte do trapo sujo para limpar as costas ensanguentadas da mão direita em carne viva. Parado pelo vermelho do semáforo, nem quero acreditar no que observo. Entretanto, uma branca aproxima-se, abre a mala de mão, retira uns lenços de papel  e começa a limpar-lhe as feridas... a negra sorri e eu arranco, um pouco mais calmo...

V - Às 16h00, entro no consultório da médica de família. Ela mede-me a tensão e exclama "Isto não pode continuar assim!" e parte a buscar um comprimido milagroso. 

O problema é que, no meu caso, ninguém sabe quanto dura o efeito da pílula miraculosa!