6.5.14

Assim não lhe sirvo de nada, Senhor Presidente

É justo que o Senhor Presidente não me esclareça!
Ao reler o "post" de ontem, apercebi-me que faltava um parênteses. Se me tivesse esforçado mais, enunciando o que mudou de mãos nos últimos anos, talvez o Senhor Presidente se tivesse preocupado com o meu rigor. Assim, não lhe sirvo de nada! 
Claro que o Senhor Presidente já não precisa do meu voto e sabe muito bem que pouco já tenho de meu, pois nos últimos anos quase tudo o que tinha mudou para outros mãos. E essas mãos já decidiram o que fazer comigo nos próximos anos...
O que é inaceitável é que o Senhor Presidente não nos diga de quem são as mãos que nos têm roubado a alma. O Senhor Presidente é um dos poucos que pode mandar publicar no Facebook os rostos daqueles que nos têm devorado o corpo! 
E fique o Senhor Presidente a saber que posso viver na sombra e até cair na miséria, mas detesto que me ponham de lado ou, sobretudo, que me usem...

5.5.14

Senhor Presidente, esclareça-me agora...

«O que mais me vem à memória, no dia de hoje, são as afirmações perentórias de agentes políticos, comentadores e analistas, nacionais e estrangeiros ainda há menos de seis meses, de que Portugal não conseguiria evitar um segundo resgate. O que dizem agora?» Aníbal Cavaco Sílva
                                            (No íntimo, espero que esta diatribe seja apócrifa...)

MATILDE: Sr. Marechal: Quanto vale, para vós, a vida dum homem? 
BERESFORD: Depende do seu peso, da sua influência, das vantagens ou dos inconvenientes que, para mim, resultem da sua morte. (Luís de Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar!)

O Senhor Presidente lembra-me o Marechal, mas ele era um estrangeiro que zelava, por todos os meios, pelos seus 16 000$ 00. O Senhor presidente parece gostar da pequena intriga e da traição, o que não fica bem a quem deveria zelar pela vida de cada português, em concreto, e não em palavras mal alinhavadas... 
Senhor Presidente fica-lhe mal o ajuste de contas numa rede social, sem identificar os alvos, sejam agentes políticos, comentadores, analistas, nacionais ou estrangeiros!
E já agora, Senhor Presidente, esclareça-me: O que é para si um "agente político"? O que é que distingue um "comentador" dum "analista", pressupondo que se refere a espécies políticas? E qual é o verdadeiro significado de "estrangeiro"?
É que, por vezes, penso que, para si, há muitos "nacionais" que são "estrangeiros"!

4.5.14

Por trás dos olhos cegos

Por trás dos olhos cegos, creio que o verso é de Fernando Pessoa, revela-se no nº 7 da Rua do Vale um atelier museu pensado e desenhado pelo Arquiteto Álvaro Siza Vieira… e coincidentemente os mesmos olhos tiveram oportunidade de ver a procissão em honra de Nossa Senhora da Escada… Uma procissão singela, sem a luxúria das de D. João V, mas com marinheiros e escuteiros…
Um mar de interrogações num espaço tão reduzido!
Da igreja de Jesus (do distante Colégio jesuítico), sai a procissão, virando as costas ao Liceu Passos Manuel (de memória quase tão antiga), indiferente à Rua do Vale (memória quase infantil, mas onde a obra de Júlio Pomar começa a ser acolhida) e segue em direção à Assembleia da República, mas não creio que esta Nossa Senhora venha a descer a escada…
Ela será da Escada porque um dia lançou uma escada a uma jovem mãe que era perseguida porque roubara um pão para alimentar um filho ou, hipótese mais consentânea com a encenação de hoje, porque os marinheiros de quinhentos se habituaram, ao descer ou ao subir a escada, que ligava a terra ao Tejo, a solicitar ou a agradecer a proteção ( haveria, junto a um dos cais, uma pequena ermida devotada a Nossa Senhora da Conceição!)…
Compreendo que com os olhos a aprendizagem seja mais dura e menos céptica, compreendo que ela  tenha ganas de pôr de lado a razão, mas devo acrescentar que os olhos (e muitas vezes o passado) me obrigam a procurar o que a luz, por vezes, esconde, tal como Fernando Pessoa, o próprio, confirma:
Quando era criança / vivi, sem saber, / Só para hoje ter / aquela lembrança.// É que hoje sinto / aquilo que ontem fui. / Minha vida flui, / Feita do que minto./ / Mas nesta prisão, / Livro único, leio/ O sorriso alheio / De quem fui então. //   (2.10.1933)
E a propósito da dúvida inicial, o verso do título é de FP / Ricardo Reis (25.5.1930): Se recordo quem fui, outrem me vejo, / E o passado é o presente na lembrança. / Quem fui é alguém que amo / Porém somente em sonho. // E a saudade que me aflige a mente / Não é de mim nem do passado visto, / Senão de quem habito / Por trás dos olhos cegos. // Nada, senão o instante, me conhece. / Minha mesma lembrança é nada, e sinto / Que quem sou e quem fui / são sonhos diferentes. //

3.5.14

Veiga Simão (1929-2014)

Faleceu hoje o homem que escancarou as portas ao regime democrático.
Foi ministro da educação nacional entre 1970 e 1974, levando a cabo uma profunda reforma do sistema de ensino. Já antes, em 1963, fundara a Universidade de Lourenço Marques. E enquanto ministro da Educação, foi responsável pela criação das Universidades de Aveiro e do Minho...
Em todos os cargos que desempenhou, antes e depois do 25 de abril, revelou ser um homem que acreditava e apostava nas novas gerações e na necessidade de abrir o país ao mundo, nas áreas da educação, da ciência e da investigação...
Conheci-o de relance, há 41 anos, em maio de 1973, aquando da realização, em Tomar, do único congresso da Ação Nacional Popular. Nessa data, o ministro Veiga Simão visitou o Liceu de Tomar, sendo alvo de alguma hostilidade, compreensível à época, sobretudo porque acompanhava o presidente do conselho, professor Marcelo Caetano, preocupado em provar a multirracialidade da pátria portuguesa...

Hoje, vejo, no momento da partida, um homem distinto que sabia que só a educação libertaria Portugal do obscurantismo.

2.5.14

Os arbustos e as árvores do presente...

«Numa terra onde se cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos...» Luís de Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar! (Matilde)

Bem sei que estou a ficar maçador, mas vivo o drama do desinteresse pela leitura ativa, aquela em que o leitor lê o passado com olhos de presente, os olhos da vida apagada e triste. E é esta dimensão do presente que encontro em obras como a de Luís de Sttau Monteiro.
Pelo contrário, os meus interlocutores veem esta peça como uma velharia imposta por um qualquer ser bolorento e desfasado da realidade e, como consequência, limitam-se ao resumo e ao estereótipo... até porque hoje já se encontram extintos os informadores, os denunciantes, os falsários, os mercenários, os iluminados, os hipócritas, os intriguistas, os populistas, os racistas, os corruptos, os conspiradores, isto é, os vicentes, os corvos, os sarmentos, os sousas, os miguéis, os beresfords, os polícias, os catrogas, os coelhos, os portas, os gaspares,  os borges, os frasquilhos, os moedas, os luíses, os durões, os rasmus, os thomsens...
Os arbustos vão ocupando tudo de acordo com um princípio já antigo, assumido pelo marechal inglês Beresford, marquês de Campo Maior: 

O VELHO ESTÁ SEMPRE A CEDER PERANTE O NOVO E O NOVO SEMPRE A DESTRUIR O VELHO...

E vou anotando com  uma réstia de esperança que o presente se encarrega de desfazer:
  
«Sempre que há uma esperança os tambores abafam-lhe a voz... Sempre que alguém grita os sinos tocam a rebate... (...) E cai-nos tudo em cima: o rei, a polícia a fome (...) Até Deus! (...) E ficamos pior do que estávamos... Se tínhamos fome e esperança, ficamos só com fome... Se, durante uns tempos, acreditámos em nós próprios, voltamos a não acreditar em nada...» (Felizmente, Há Luar!, Manuel)

1.5.14

Afinal, os regentes são só dois...

«Há gente, senhores, que sente grande ardor patriótico sempre que os seus interesses estão em perigo.» 
(D. Miguel Forjaz, in Felizmente Há Luar!)

Tradicionalmente, os principais agentes desse ardor eram os frades, os fidalgos, os oficiais e os tambores. Juntos acabavam por aplicar a mesma "teoria das emoções": as bandas e os sinos não paravam de tocar,  os frades de gritar e os aldeãos de empunhar a bandeira...
Hoje, os agentes do ardor patriótico são senhores da comunicação social ou vivem enquistados nos partidos. São cada vez mais jovens, herdeiros... iletrados e demagogos.

No meio da trapalhada em que vivemos, a verdade cede o lugar à emoção, já que esta «nem carece de provas, nem se apoia na razão.» (op. cit., D. Miguel Forjaz)

A Troika lava as mãos, qual Beresford que se apresenta como «um simples técnico estrangeiro (...) rodeado de inimigos: o clero odeia-me porque não sou da sua seita; a nobreza, porque lhe não concedo privilégios; o povo, porque me identifica com a nobreza, e todos, sem excepção, porque sou estrangeiro...» (op. cit., Beresford)

Neste mês de maio, o ardor patriótico será tema dominante da campanha eleitoral: "a saída limpa", "a partida da troika", a recuperação da soberania por aqueles que ao longo destes três anos ajoelharam e pediram a bênção... 
E nós, cada vez mais endividados, movidos pelo ardor patriótico, hesitamos e acabamos por acreditar em quimeras.
Tal como em Felizmente Há Luar! os regentes são só dois, os restantes são técnicos, estrangeiros e hereges, odiados por todos, ainda que por diferentes motivos.


30.4.14

Dona Olinda, no Portugal de Abril

Dona Olinda disse-me esta manhã "este dia só termina à meia-noite". Amanhã, Dona Olinda já não estará ao serviço. Cessa uma "servidão" de 40 anos. O termo parecerá excessivo, mas transmite por inteiro a sua dedicação à Casa em que entrou há 40 anos. Dedicação à Casa e aos sucessivos inquilinos que, por vezes, exigiam como se fossem senhores... e ela, discreta, a todos servia... Sorriso luminoso quando a ouviam com atenção, sorriso fechado quando lhe ignoravam a presença...
Ao chegar à Casa, em 1998, percebi de imediato quem poderia ser meu interlocutor. Compreendi que sempre que necessitasse de um esclarecimento na Biblioteca, de uma chave, de uma sala devidamente preparada para uma qualquer reunião de última hora, de umas flores para um velório ou para receber um convidado, bastava dirigir-me à Dona Olinda. Descobri ainda que ela sabia o nome de todos os professores, funcionários e, até, da maioria dos alunos. E também descobri que ela sabia o lugar de todos os equipamentos e de todos os livros, conhecendo-lhes, muitas vezes, a função e, sobretudo, que escutava, em silêncio, a história de muitos que procuravam o palco e o aplauso...
Por tudo isto, ultimamente, sempre que me cruzava com Dona Olinda, eu sentia-me triste se a via a varrer a flor dos plátanos ou se me apercebia que ela executava uma qualquer tarefa porque outrem tinha faltado ao serviço ou simplesmente não cumpria o seu dever.
E hoje não posso deixar de me sentir triste, não porque ela se aposente, mas porque parte com uma pensão miserável que a irá obrigar a continuar a servir.
No dia 1 de maio de 2014, dia do trabalhador, Dona Olinda que dedicou toda a sua vida ao Liceu / Escola Secundária de Camões, não deixará de pensar que a recompensa para tamanha dedicação é, afinal, mesquinha...