7.6.14

Garras famintas


Neste lugar, o pelourinho situa-se mais perto da Igreja do que da Câmara Municipal. Terá sido este o meio encontrado para  afrontar o Clero?
O nome pelourinho tem sua origem na bola que encimava a coluna (em latim, denominada de "pirorium") e que era construída sobre um pedestal, com a escadaria feita de pedras. Na sua origem, o “pelourinho” simbolizava a autonomia administrativa da vila, assegurada pelos homens bons (vereadores)…
Os pendentes de ferro ou de bronze já só servem para me lembrar o quão agrilhoado estou, não por decisão do Fado ou de um Deus irado, mas por pactuar com os homens que vivem segundo os seus caprichos mesmo que tal signifique que os abutres me desfaçam as entranhas…
A diferença é que o pelourinho representava o poder dos povos face à realeza, à nobreza e ao clero e, hoje, enquanto me vejo amarrado à pilastra, apenas sinto as garras famintas.

6.6.14

Sobre o corpo da Ibéria

Como ondulada capa de miséria / A cobrir de negrura a cor das chagas, / Assim és tu, crosta de velhas fragas / Sobre o corpo da Ibéria. Miguel Torga, Ibéria

Hoje, quero destacar a singeleza e a beleza de Cabeço de Vide.
Ao procurar as termas sulfúreas, acabei por me deparar com o que resta do Portugal de outrora –  sinais de grandeza corroída pela desnecessária fronteira…  E, também, comprovei a falta de transporte ferroviário e viário que deveria ajudar a viabilizar a riqueza natural e patrimonial…
Infelizmente, não  tive tempo para visitar Fronteira, apenas relembro  o conto “Fronteira” de Miguel Torga: « E aí começam ambos a trabalhar, ele (Robalo) em armas de fogo, que vai buscar a Vigo, e ela (Isabel) em cortes de seda, que esconde debaixo da camisa, enrolados à cinta, de tal maneira que já ninguém sabe ao certo quando atravessa o ribeiro grávida a valer ou prenha de mercadoria.»
  Novos Contos da Montanha

5.6.14

Entrei hoje no limbo

Peço desculpa por ter cedido à tentação de, em post anterior, ter citado Passos Coelho. Deveria ter evitado tal referência, anódina.

Não deveria envolver-me em questões cavernosas, pois, desde manhã cedo, me interrogo sobre o que irei fazer logo que a Caixa Geral de Aposentações me conceda a reforma antecipada, apesar dos 40 anos de serviço público e privado.
Não tendo sabido responder aos meus alunos do 11º ano se me voltariam a ver na sala de aula em setembro, sei, contudo, que, a breve trecho, terei de encontrar uma atividade remunerada fora do Estado.

Pode parecer estranho, mas, na verdade, uma penalização de 35% (ou mais), resultante da aplicação da lei 11/2014, de 6 de março, obriga a regressar rapidamente ao mercado de trabalho.
Claro que há quem pense que o melhor seria manter-me como funcionário público. O problema é que nunca acreditei em milagres económicos portugueses! E como não há milagres, os servidores do Estado continuarão sob a espada de Dâmocles: mais trabalho, menos remuneração, menos progressão e menos pensão de reforma...

Entrei hoje no limbo. Vamos ver porquanto tempo! 

Passos quer "melhores juízes" no Constitucional, e nós?

Passos quer "melhores juízes" no Constitucional, e nós?
Nós queremos melhores governantes!
Nós queremos menos e melhores deputados!
Nós queremos o fim das clientelas partidárias!
Nós queremos o fim dos monopólios!

4.6.14

As palavras dos poetas e as palavras do dia-a-dia


Uma distinção simples que insistimos em não aplicar…
Cultivamos o idiotismo, a obscenidade e o ruído…



Ao lado, no Auditório da Escola Secundária de Camões, o Camusicando celebra o 3º aniversário. O Programa é vasto, dando conta da crescente importância que a iniciativa da professora Ângela Lopes foi granjeando…
Creio que, hoje, é justo afirmar que o Camusicando é uma verdadeira atividade integradora, permitindo a aproximação cultural, artística e afetiva a todos os que ao longo de cada ano vão participando no projeto.

3.6.14

Prosa de corrimão

Quando as pernas pesam e os pés hesitam é sinal de que os neurónios entram em colapso, provocando lapsos de memória e, sobretudo, desorientação do olhar e intumescimento do rosto...
Nem é preciso espelho! Basta passar a mão pelo cabelo e pela face para perceber que a disformidade se vai instalando...
Descer a escada começa a ser um ato reflexivo: Quantos degraus? A que distância uns dos outros? A mão que procura o corrimão invisível agita-se desajeitadamente. Pouco falta para cair! E esse pouco encoraja e assusta...
Apesar do ar patético e da voz pastosa, nem tudo parece perdido sobretudo quando a vontade desperta e impõe a disciplina que há muito vai faltando...
O problema é que a vontade consome demasiada energia, porque a vontade é a força que combate a fraqueza e desse combate, sinto que já só sobra ora a leveza ora o carrego.


De qualquer modo, esta prosa não tem qualquer utilidade, a não ser a de poder substituir o corrimão.
/MCG

2.6.14

A finalidade da arte é substituir factos

Estou cansado da inteligência.
Pensar faz mal às emoções.
Uma grande reação aparece.
Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo
Na casa antiga da quinta velha.
Fernando Pessoa / Álvaro de Campos

A ideia das tias mortas desatarem a fazer chá / Na casa antiga da quinta velha é bluff. Álvaro de Campos não teve infância nem quinta nem tias. E se tivesse passado, seria sempre o inicial, do qual poderia extrair réplicas que iludissem os breves dias...
Citando Álvaro de Campos: (Fernando Pessoa) esquece que o que define uma atividade é o seu fim; e o fim da metafísica é idêntico ao da ciência - conhecer factos, e não ao da arte - substituir factos.

A arte exige inteligência, força e por isso esgota a energia do criador de réplicas. O artista não pode ceder à emoção, mesmo que as tias insistam em lhe oferecer chá de ceilão...
E porquê?
«Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que não se sente.
Os cavalos da cavalaria é que formam a cavalaria. Sem as montadas, os cavaleiros seriam peões. O lugar é que faz a localidade. Estar é ser.
Fingir é conhecer-se.
Álvaro de Campos, Ambiente, In «Presença», nº 5, Coimbra 4 de junho de 1927