7.7.14

A intensidade e o peso estratégico do nosso relacionamento com Espanha

Dirigindo-se a El-Rei Filipe VI de Espanha, que não de Hispânia, o nosso Presidente, Cavaco Silva, fez-me correr para o bloco de notas: « A intensidade e o peso estratégico do nosso relacionamento…» Apontamento registado, estaquei e fiquei a pensar na profundidade do pensamento…

Sem palavras, procurei na memória e esta devolveu-me, sob um verde intenso, o peso da nossa comum miséria: barracas escondidas, longe do olhar real e presidencial…

A estratégia do relacionamento é demasiado vaga para que os povos hispânicos a possam abraçar, acostumados que foram ao afrontamento.

6.7.14

Ainda cheiro a diluente!

Domingo! Não cumpri nenhum dos rituais em que fui educado. Não fui à missa. Não descansei. Não vesti fato domingueiro...
Ainda cheiro a diluente! Uma toalha colara-se ao tampo (tempo?) da mesa da sala, deixando uma penugem esbranquiçada que só com muito paciência e energia consegui eliminar. À medida que descolava a substância viscosa ia pensando nos elos que me prendem ao passado, na dificuldade em superá-los. Compreendi, no entanto, que escrever é aplicar um diluente que pode dissolver a inabilidade para cortar com o passado em que fui formatado...
Talvez por isso acabo este domingo a sorrir da viagem interminável entre a charneca e as primeiras casas da vila de Sintra, depois de ter dobrado o Arco do Ramalhão, e a pensar que a formação humanística para além da Literatura não deveria descurar a Filosofia...
Mas esse é outro cavaco, com perdão de Sua excelência que amanhã irá receber sua alteza, Filipe VI de Espanha... 

5.7.14

Agendado


Por ordem:
Sangrado - a veia, entretanto, vai-se escondendo; a analista entra em desespero e eu acabo por ter pena dela.
Arrumado, no triplo sentido da palavra - arrumo e sou arrumado, sobretudo, no supermercado; a cada passo, maior cansaço.
Aliterado - basta voltar atrás, e vejo-me arrasado por três aliterações: estado em que me encontro por força da agenda  que me obriga a nivelar ou a desnivelar 40 provas de Literatura Portuguesa...
Entediado - o aspirador parece querer sugar-me o pó que me seca as sinapses...
Esperançado - e se os artistas da bola de hoje tirassem o protagonismo aos caceteiros de ontem...

... e mais não acrescento para não incomodar nem os coelhinhos, nem os porquinhos, nem as galinhas!

4.7.14

A agenda em forma de labirinto


A agenda responde por mim. 
Devo-lhe obediência plena, e se não cumprir, alguém ficará muito admirado pois toda a gente espera de mim pontualidade e eficácia...
Entretanto, eu próprio registo na agenda tarefas e compromissos a que não poderei escapar. Por enquanto, ainda consigo gerir os eventos, embora alguns comecem a sobrepor-se e, sobretudo, a questionar a razão de ser dos restantes.
Legalmente, estou obrigado a cumprir uma quantidade de tarefas medíocres e, se o não puder fazer, serei penalizado. 
Legalmente, estou obrigado mesmo naquelas circunstâncias em que a vida se revela escassa... 
A Lei impõe-se à Vida, ainda que uns tantos insistam em falar na "lei da vida"... Nunca percebi que "lei" é essa, pois a resposta acaba sempre em Morte.
E em tudo isto o mais absurdo é o papel que tenho tido enquanto regulador, avaliador, coordenador. Também eu determino a agenda dos outros, esperando deles pontualidade e eficácia, em nome de uma Lei que se impõe à Vida...
Prisioneiro deste labirinto, escrevo qual Dédalo, mas a minha sorte parece ser a de Ícaro... 
De qualquer modo, agendo, desde já, que, quando as minhas asas derreterem, não quero que os pingos sobrantes sejam objeto da benção e de acompanhamento de qualquer presbítero. De preferência, os pingos sobrantes deverão ser lançados ao vento na serra mais próxima...

3.7.14

Triste polémica sobre o lugar de Sophia...


Agora que Sophia foi afastada para o Panteão Nacional, surge a polémica sobre o lugar da escritora no novo programa de Português do Ensino Secundário.
Triste polémica! 
Sophia faz ou não parte do "corpus" de leituras obrigatórias na disciplina de Português? - Sim. O MEC até se preocupou em selecionar a obra, tal como fez  para os restantes autores, obrigando os professores a ministrar a obra selecionada - Navegações - e não outra, eventualmente, mais crítica ou mais artística...
Na verdade, para o MEC o que é importante é não dificultar a vida ao IAVE. Este, apadrinhado pelo MEC, encontrou uma receita de que não quer abdicar para construir as provas de exame nacional e, deste modo, condicionar a criatividade dos docentes e facilitar a vida às editoras...
O que está em causa para o MEC não é o lugar de Sophia no Programa de Português, mas, sim, uma certa visão da língua e da cultura. Basta pensar no argumento de que Sophia pode ser estudada no âmbito da leitura "orientada", "projeto", "contrato" ou até na disciplina de Literatura Portuguesa... Para o efeito, fazendo prova de grande argúcia, o MEC escolheu como leitura obrigatória Contos Exemplares, obra que, no pós-25 de abril, teve o papel de explicar o que era uma forma simples, mas culta... Será que o MEC sabe quantos alunos frequentaram a disciplina de Literatura Portuguesa no presente ano letivo?

2.7.14

O Panteão, o pior de todos os males…


A palavra
Heraclito de Epheso diz:
«O pior de todos os males seria
A morte da palavra»
Diz o provérbio do Malinké:
«Um homem pode enganar-se em parte de alimento
Mas não pode
Enganar-se na sua parte de palavra»
Sophia de Mello Breyner Andresen, O nome das coisas, 1977
Não me posso associar à decisão da Assembleia da República, até porque a tradição ensina que quem é trasladado para o Panteão acaba por ser esquecido…

30.6.14

Eternas crianças

«Há já mais de um século que se deixou de as educar para se tornarem adultos. Muito pelo contrário, e o resultado é que os adultos da nossa época estão educados - estamos educados - para que continuem crianças.» Javier Marías, Todas as Almas, pág. 104, Quetzal editores

Enquanto que os pais vivem em permanente alarme, os filhos, eternas crianças, reivindicam direitos pelos quais nunca mexeram uma palha, e evitam os deveres que poderiam sinalizar a necessária passagem da infância para a vida adulta.
Aparentemente, foi criado um estado de adolescência que deveria durar, no máximo seis ou sete anos, mas que, hoje, parece prolongar-se indefinidamente. Basta observar que as birras, os amuos, as zangas, os acertos de contas, as invejas, as traições se tornaram na matéria noticiosa mais consumida...
A irresponsabilidade, o parasitismo, o logro são expressão de um ajustamento do sistema educativo que caducou a partir do momento em que o hedonismo substituiu o estoicismo e o capitalismo deixou de necessitar do mundo trabalho...