10.2.15

Parece que há cada vez mais corvos

Parece que há cada vez mais corvos e, sobretudo, corvos juvenis. Não estranho, pois se há cada vez mais lixo, se este país está classificado como lixo, se a educação foi lançada ao caixote de lixo, se já só é possível encontrar trabalho nas lixeiras dos outros... A única especialização que parece fazer sentido é a da gestão do lixo coletivo - e essa tarefa está reservada aos políticos, saídos de institutos politécnicos (e outros) e de universidades de vão de escada...

Se há cada vez mais corvos é porque as ciências da morte estão em expansão - outrora, ciências humanas e da saúde...

De facto, o número de corvos juvenis cresce a cada dia que passa; todavia não os podemos acusar de nada, pois eles limitam-se a limpar a porcaria que vamos deixando passar sob os olhos baços...

9.2.15

O mundo de Alice

Apesar do domínio dos jogos de linguagem e do precioso contributo dos novos auxiliares de memória, Alice mergulha progressivamente numa memória recôndita, feita de imagens de lugares e de pessoas distantes... 
Alice é culta e inteligente, pensa saber o que quer e até onde pode chegar, mas a gramática da doença não obedece ao controlo da consciência... 
As novas leis são bem distintas, pondo à prova o espírito geométrico que habita Alice. Indefesa, ela vai ficando cada vez mais dependente e, sobretudo, à deriva. Mas luta!
(...)
A personagem parece dar conta da realidade, mas creio que não o consegue. Não consegue dar conta da mudez intermitente, do olhar vazio, da sobreposição dos lugares, dos rostos trocados, da irritabilidade desesperada, da incomunicabilidade, da morte antecipada... Não dá conta de todos aqueles que não lutam ou não podem lutar, de todos aqueles que acabam totalmente sós...

8.2.15

Hoje, O meu nome é Alice


Hoje, O meu nome é Alice, comovente filme sobre uma doença que em nada me é indiferente. Julianne Moore representa com extraordinário realismo a progressiva perda de referências de uma doente de  alzheimer...
É um daqueles filmes que me incomoda profundamente, talvez porque me serve de espelho, ao revelar-me que as lacunas, os lapsos e as perturbações de linguagem mais não são do que sinais de envelhecimento precoce... e que envergonham porque aos olhos dos outros são manifestações ridículas...

7.2.15

Contrariamente ao que foi publicado, Caruma nunca leu Fernando Pessoa

Kierkegaard construía personagens que, no final das contas, se mostravam eles mesmos personagens criados por outros personagens, e que precisamente haviam sido criados com o intuito de tanto confundir o leitor, fazendo com que este se pusesse a pensar por si mesmo, a escolher por si mesmo, quanto fazê-lo pensar sobre a existência, sobre os perigos e questões relacionados à existência.
                                       Unamuno entre Pessoa e Kierkegaard, Gabriel Guedes Rossatti

Caruma, por entre o frio, decidiu sair de casa e caminhar para dar cumprimento à ordem do Patrão, que só poderá viver um pouco mais se fizer exercício e reduzir o consumo de gorduras e de açucares.
A vontade de Caruma era reduzida, mas, entretanto, recebera o encargo de Alma que acredita piamente que a hipotermia se cura com recurso a muitas gorduras e, sobretudo, açucares.
Solidária, Caruma partiu à procura das vitualhas, entrando sucessivamente em quatro pastelarias até que conseguiu, finalmente, encontrar os queques desejados, revestidos de nozes e pinhões...
Cumprido o desejo de Alma, Caruma olhou o relógio e percebeu que gastara uma hora... Uma hora de marcha, ora acelerada ora lenta. Talvez o Patrão tivesse ganho mais uns segundos de vida...
Enquanto as agulhas cumpriam a missão principal, a carqueja ocupava-se  do discurso do mancebo de O Banquete, de Kierkegaard. Na verdade, ocupava-se do modo como Kierkegaard poderia ter influenciado Fernando Pessoa na criação da heteronímia...
Entretanto, passo a passo, atravessou-se na imaginação Don Miguel Unamuno, trazido pela mão de Gabriel Guedes Rossatti...

6.2.15

Da "compra da cura e da vida" à "palestra motivacional"...

Tudo serve para fazer propaganda! 

O ministro da Saúde declara que, a propósito do combate à hepatite C, «estamos a comprar a cura e a vida»...
Álvaro de Campos que, no poema "Mestre, meu querido Mestre", dá o exemplo da "felicidade" do ser humano que, não da dele, ao, ousadamente,  transformar  um verbo intransitivo em transitivo e substituir os esperados hipónimos por hiperónimos, não teve a audácia de Paulo Macedo, ministro que é capaz,  com o dinheiro dos contribuintes, de comprar a cura e a vida.

Feliz o homem, marçano,
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.

Tudo serve para fazer propaganda! 

Paulo Portas, ministro da propaganda, deu início a uma nova forma de persuasão: a palestra motivacional...

O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, pediu hoje aos cerca de 300 jovens que vão realizar estágios profissionais no estrangeiro, no âmbito do programa INOV Contacto, que sejam os embaixadores de Portugal e demonstrem que o país está em crescimento.

Dois exemplos para não cansar, porque o primeiro ministro, secretários e sectários estão no terreno para provar que a austeridade acabou, os gregos enlouqueceram... e a culpa, no dizer do ex-ministro da educação, David Justino, é de quem formou os professores...

Tudo serve para fazer propaganda! 
Até há quem faça propaganda por conta própria...

5.2.15

Definição

O revisionismo e o revivalismo, para além do saudosismo, sempre me fizeram questionar os seus intérpretes, mesmo que procure não os afrontar...
Dizer que há Platão ou Aristóteles nestas teclas surpreende mas não clarifica o pensamento, essa entidade metafísica que impõe uma coerência impraticável e, sobretudo, arrasta consigo fundamentalismos absurdos e mortíferos...
Talvez este seja o argumento daqueles que ousam rejeitar a Religião, a Filosofia, a Ciência e a Política - os Poetas. Cedo compreenderam que a visão global, a coerência total, a lei e os fundamentos matam todos os que rejeitam o unanimismo...

 ...apenas uma linha pontilhada em que os passos em falso abundam, o fio se quebra a todo o momento, e a gramática se despedaça, sem ilusão nem necessidade de enraizamento...

4.2.15

Apesar do Sol...

Apesar do Sol, o frio entranha-se nos ossos e só a impressão esclarece a asneira que resulta da preguiça  da colagem apressada e preguiçosa... o erro poderia ser humilhante e desaguar naquele reino onde vêm caindo os arrivistas que nos desgovernam...
«As matemáticas do ser», entretanto, despertaram-me para a evidência de que o TER  substituiu o SER sem qualquer pejo - a Vida pouco ou nada vale a não ser para a notícia que, ao deixar de o ser, passa a objeto de propaganda indecorosa...
Apesar do Sol, o frio traz com ele a Morte, aliviando as finanças públicas e deixando um rasto de alegria nos rostos sorumbáticos que nos desgovernam...
Apesar do sol, amanhã vou estar atento às cabras que continuam a retouçar à minha volta...
(...)
Apesar do sol, agora é a lâmpada eléctrica que ilumina o tic-tac... o tic-tac, indiferente ao frio e aos ossos, indiferente ao ter e ao ser, indiferente à vida e à morte... indiferente à distante Brogueira onde nasceste para um destino que, apesar do Sol, não cumpriste...
... Mas há quem nos queira convencer do contrário. Paciência!