29.3.16

Só porque existo...

«Isto é que fim, que princípio, que fim de que viagem, que crónica?» Mário Cláudio, A Memória do Rito.

Só porque existo
há princípio e fim
a dor da viagem acentua-se com a impressão de que o cais irá ficar deserto de mim
o cais existe sem pensar que possa haver princípio e fim
nem a ilha que o acolhe lhe desperta atenção
as flores são de pedra
azuis, as águas e as aves

Só porque existo
o cais as flores as águas as aves ganham cor, e parece que têm princípio e fim.

28.3.16

Revolta e Revolução - longe vai o tempo...

«Globalmente, o tribunal deu como provado que os acusados formaram uma associação de malfeitores, pelas reuniões que realizaram em Luanda entre Maio e Junho de 2015 (quando foram detidos). Num "plano" desenvolvido em coautoria, pretendiam - concluiu o tribunal - destituir os órgãos de soberania legitimamente eleitos, através de ações de "Raiva, Revolta e Revolução", colocando no poder elementos da sua "conveniência" e que integravam a lista para um "governo de salvação nacional".» Lusa

Longe vai o tempo em que o MPLA apelava à Revolta e à Revolução! Longe vai o tempo em que os escritores escreviam poesia e narrativa a apelar e a legitimar a Revolta e a Revolução. Longe vai o tempo em que Agostinho Neto (NOITE ESCURA) acreditava na liberdade: 
(...)
Um dia começou uma noite sem estrelas.
Mas na noite escura
os corações se erguem
Ah! é tão alegre a madrugada!
  
Vivemos num tempo em que os tribunais angolanos utilizam o mesmo léxico e decidem do mesmo modo  que as autoridades coloniais. 
Ah! é tão triste o despotismo!
Ah! é tão mesquinha a indiferença!

27.3.16

No domingo de Páscoa

Deste lado, um pontão e uma ponte. Curiosamente o sufixo /ão/ nada acrescenta, pois a ponte, quase invisível, leva muito mais longe...
Em 'ressurreição', o sufixo /ão/ deveria acrescentar ou, pelo menos, trazer o perdão à iniquidade humana, mas não. Tudo continua como dantes... até os flamingos voltaram, às centenas, ao leito do Tejo... Longe da (minha) objectiva, mergulham os longos pescoços sem qualquer preocupação com a redenção.
Alimentam-se sofregamente, porque a viagem pode ser a derradeira. Ninguém os irá acusar de gula, nem ouvi-los em confissão...
Eu é que já não tenho perdão!   

26.3.16

Uma ideia oblíqua

Sábado de chuva! 
Ninguém refere se as barragens estão cheias, nem se o preço da eletricidade deveria baixar...
Só as cerimónias da semana santa surgem misturadas com os falhanços do Cristiano Ronaldo e com a celebração do dia mundial do chocolate. Lá por fora, ecos prolongados dos atentados em Bruxelas e do acidente que vitimou doze portugueses, numa furgoneta de sete lugares conduzida por um jovem de 19 anos... 
Entretanto, eu termino a leitura de "Resgatados", de David Dinis e Hugo Filipe Coelho. E concluo com uma ideia oblíqua: quando à nossa frente se levanta uma parede é muito difícil derrubá-la. A teimosia de uns acaba por ser a desgraça de outros...
« Para ele (José Almeida Ribeiro), Sócrates era um líder político nato, com os inconvenientes que os grandes líderes sempre tiveram: quando acertam os resultados são magníficos; quando erram os seus erros são históricos.» op. cit, pág 233. 

O que é curioso no meio de tudo isto é que também eu vivo cercado de paredes, e não sei como escapar-lhes... Creio, todavia, que pouco falta para que a chuva de hoje se transforme no fogo de amanhã...

25.3.16

Resgatados ou por resgatar?

Resgatados / Os Bastidores da Ajuda Financeira a Portugal, de David Dinis e Hugo Filipe Coelho...

Enquanto leio "Resgatados...", vou pensando no calculismo que medra atualmente nos bastidores da vida política nacional e europeia. 
Este livro é, para mim, surpreendente pela metodologia utilizada pois, ao evitar a verdade das câmaras, acaba por revelar a voragem sequencial dos acontecimentos de ângulos opostos, mas esclarecedores... 
Lá no fundo, os governos portugueses, desde a entrada na união europeia, dançaram todos ao som da orquestra franco-alemã. E quando foi necessário dizer não, já era tarde: a atividade produtiva fora desmantelada e a aposta no investimento público (2008) esbarrou na nova era da austeridade (2010), sempre sob a batuta alemã... Os empréstimos tinham que ser pagos!
Os credores aproveitaram e lançaram-nos o garrote. 
José Sócrates bem se esforçou, mas, infelizmente para nós, parece que o amigo Santos Silva ainda não dispunha de meios para nos salvar. E por outro lado, a oposição, além de viver na ignorância, só sonhava com a manutenção (Cavaco Silva) ou o retorno ao poder (PSD)... 
Espero que o António Costa tenha este livro na mesa de cabeceira e o vá relendo para não cair nas ilusões de Sócrates...


24.3.16

Radovan Karadzic...não compreendo!

Radovan Karadzic condenado a 40 anos de prisão por genocídio.

40 anos? E porque não 30, 20, 50?

Este tipo de criminosos não deveria poder ter qualquer expectativa. Já que não é defensável a condenação à morte, esperar-se-ia que a sentença fosse taxativa: preso até ao último dia de vida! 

Há atos terroristas que não merecem qualquer clemência, pois os seus autores foram impiedosos com as suas vítimas e, na maioria dos casos, não manifestam qualquer tipo de arrependimento.

 «O ato terrorista é uma negação da individualidade, é uma negação do ser humano, naquilo que ele tem de único, em nome de uma causa geral.» Aloysio Nunes Ferreira, deputado brasileiro.

 

23.3.16

Ajo em função de um Dever antigo...

Hoje é um daqueles dias em que me vi obrigado a trocar o calor pelo frio, embora o sol se esforçasse por atenuar a friagem da brisa inconsistente. 
Eu estou um pouco como o sol, esforço-me, mas já não sei para quê. Faço-o há tanto tempo que já lhe perdi a origem.
Creio que ajo em função de um Dever antigo cuja consistência se esboroa a cada minuto que passa. 
O problema é que o minuto não passa, simplesmente dura, tornando mais pesados os dias, e escaqueirando o coração. E este apenas acelera, indiferente ao calor e ao frio.