28.12.16

A viscosidade

Pouco importa o que fica para trás - nem nostalgia nem saudade! Apenas, a viscosidade desperta atenção - talvez nela possa encontrar a redenção.
Ligeira hesitação entre 'redenção' e 'salvação'. Nenhum dos termos satisfaz, pois qualquer um deles pressupõe crime (erro, falha, pecado). O que fica para trás, por muito que pese, já nada pode fazer pelo presente... 
Poder-se-ia pensar que a solução se apresentaria cristalina, mas a verdade é que a transparência anda há muito desaparecida. Longe vai o tempo da luz!

27.12.16

A espera

Outrora, talvez fosse a demanda...
Nos últimos anos, tem sido a espera. Nuns casos, a espera iguala-se à demanda, pois o objetivo continua por atingir - o graal, godot, a carta ...o inominável; noutros, a espera, apesar de repetida, é pontual, circunstanciada - o desespero, o cansaço e até a satisfação de ver o sucesso de uma operação...
Quem espera, desespera!
Hoje, pelo que fui ouvindo e observando enquanto esperava, sinto que há quem tenha muito mais motivos para desesperar, porque só a crueldade da morte os poderá libertar...

26.12.16

El coronel no tiene quien le escriba... agasta-me e empolga-me

El coronel no tiene quien le escriba, de Gabriel García Marquez

À medida que a leitura avança, o comportamento do coronel deixa-me agastado, pois prefere alimentar o galo a cuidar devidamente da esposa enferma. Na verdade quem faz das tripas coração para que não morram à fome é ela... É ela que o incentiva a vender o relógio de parede, a vender o quadro, a vender o galo, embora nunca o incentive a procurar um trabalho - derrotado politicamente, espera pacientemente que o governo lhe atribua uma pensão pelos serviços prestados à pátria na Guerra dos Mil Dias. Durante 15 anos, todas as sextas-feiras, ele espera que o carteiro lhe entregue a carta que, finalmente, reconheça o seu direito...
A novela foi publicada em 1961, apesar de escrita em 1957-58, tempo em que o autor passava fome em Paris, pois o governo colombiano ia encerrando os jornais de que era correspondente. Ao lê-la, veio-me à memória a peça de teatro "En attendant Godot", de Samuel Beckett, publicada em 1952. Pode ser coincidência, mas o coronel surge-me como reencarnação de Estragon e Vladimir à espera de Godot...
De qualquer modo, o absurdo da situação do coronel é mais politizado, pois as referências à ação política são bem mais evidentes. Desde um Governo (do general Rojas Pinilla) que não respeita os seus inimigos políticos, a uma censura que, no caso do cinema, era controlada pela Igreja que classificava todos os filmes como atentatórios dos bons costumes - anunciando o seu veredito através de 12 badaladas diárias...
(...)
O galo acaba por se tornar no símbolo principal desta novela, porque deixado pelo filho Agustín, fuzilado, representa para o coronel e para o povo de Macondo a esperança de que a ditadura terá um fim. Não se sabe é quando!
Quanto à escrita e à composição de Gabriel García Marquez é tão enxuta e tão cheia de humor que só me resta relê-lo...

25.12.16

Rafael Escalona... e a fantasia em que vivemos

Aproveito o dia de Natal para ler a novela "El coronel no tiene quien le escriba", de Gabriel García Márquez e, no avanço da leitura, descubro o compositor e trovador colombiano Rafael Escalona (1927-2009).
Aqui, registo uma das suas trovas que ilustra bem a fantasia em que vivemos:

Voy hacerte una casa en el aire
solamente pa´que vivas tú.
Despues le pongo un letrero bien grande
con nubes blancas que diga "andaluz"

Cuando Andaluz sea señorita
y alguno le quiera hablar de amor
el tipo tiene que ser aviador
para que pueda hacerle la visita
el tipo tiene que ser aviador
para que pueda hacerle la visita

Y si no vuela no sube
a ver a Andaluz en las nubes
y si no vuela no, no llega allá
a ver a Andaluz en la inmensidad

Voy hacre mi casa en el aire
pa´que no me la moleste nadie

Como esa casa no tiene cimientos
tiene el sistema que he inventado yo
Me la sostiene en el firmamento
los angelitos que le pido a Dios

Si te pregunta como se sube
deciles que muchos se han perdido
para ir al cielo creo que no hay camino
nosotros dos iremo´ en una nube
para ir al cielo creo que no hay camino
nosotros dos iremo´en una nube

Y si no vuela no sube

Voy hacer mi casa en el aire
pa´que no la moleste nadie
es que voy hacerla en el aire
pa´que no la moleste nadie

A noite de natal de 2016

A noite de natal, que se vai extinguindo, foi um pouco melhor do que a do ano anterior, não por efeito da coligação de esquerda, mas porque, estrategicamente, os participantes não se envolveram nas habituais polémicas - a visão utópica foi condescendente com a visão bem informada, realista e cética.
E convém não esquecer os ausentes, uns irremediavelmente; outros, por puro egoísmo...
Quanto à coligação de esquerda, apesar de mais otimista, nada trouxe que ajudasse a resolver os problemas dos participantes na ceia de natal.
Como banda sonora, regressou o Feiticeiro de Oz! (1939) Pelo que vejo a visão utópica continua a apreciar o filme de Victor Fleming....

23.12.16

O cinema social de Ken Loach

O filme "Raining Stones", de Ken Loach foi realizado após o termo da governação de Margareth Thatcher (1979-1990). De certo modo, pode ser lido como consequência do thatcherismo, pois mostra o estado em que vivia a classe operária na periferia de Manchester ou de Liverpool.
Os desempregados recorriam a expedientes, por vezes, à margem da lei, para impedir que a perda de "estatuto" económico e social se tornasse visível.
Curiosamente, neste novo mundo, os sindicatos desapareceram e cederam o lugar à Igreja (católica). Uma igreja que abraça a causa dos novos pobres e que não hesita em proteger o pai desesperado que, ao tudo fazer para assegurar que a filha não tenha tratamento desigual na cerimónia da primeira comunhão, acaba por contribuir para a morte do agiota que, pela força, tirava proveito da miséria social.
No essencial, o cinema social de Ken Loach ilustra bem as consequências da política levada a cabo pela coligação PSD-CDS, entre 2011-2015.

21.12.16

O Natal...

Nunca percebi se o Natal tem dono, todavia alguém inventou um Pai que faz muitas compras num mercado gigantesco para alegria de muitas crianças, apesar do número daquelas que são esquecidas ser quase igual ao das prendadas...
Por conseguinte, há crianças que riem e muitas, anónimas, apesar de terem pai e mãe, sofrem... E há também quem enriqueça à conta do negócio, sem falar dos que se empanturram como se não houvesse dia 26...
Sobre o Natal, há muitas teorias, mas aquela do menino nas palhinhas, rodeado por José, que, afinal, não era pai, e de Maria, que nunca conheceu homem, sem falar dos tristes animais, a quem naquela noite roubaram uma parte do estábulo, é a que mais me impressiona desde os tempos em que era criança...
No entanto, nunca me explicaram que, face a certas sociedades em que «o aborto e infanticídio eram praticados de maneira quase normal, de tal modo que a perpetuação do grupo se efetuava por adoção, muito mais frequentemente do que por geração, sendo um dos objetivos principais das expedições guerreiras obterem crianças»*, os sacerdotes sentiram necessidade de santificar o nascituro... Só que o escolhido foi o Filho, feito por um tempo menino...
Uma história que sempre me pareceu mal contada, mas que continua a servir de alibi a muitos comportamentos, uns dignos, outros indignos...
No Natal, sobe-me a tensão arterial!

Entretanto, Boas Festas!

*Claude Levi-Straus, Tristes Trópicos, Cadiueus.