6.11.19

Não vou citar a Sofia...

Não vou citar a Sofia, com ou sem /ph/, nem vou procurar a máscara que melhor convenha à poesia, vou (in)disciplinadamente cumprir mais um dia…
Nem no muro vou abrir qualquer fenda… Basta caminhar na rua, em qualquer rua, para a ver desconsolada, de mãos vazias, ainda adulada por uns tantos corifeus, avessa a que lhe recordem que já cá não está.
No areal, os cavalos sem crinas ao vento galopam desnorteados… e eu sem rédeas, sigo ou fujo não sei se dos mortos se dos vivos. 
Tanto faz, não importa se sigo ou fujo, o importante é que não pare, porque mesmo que o quisesse fazer, a decisão nunca foi dela e muito menos minha.

5.11.19

O dia de hoje é de tristeza!

Lagoa Azul, Sintra
O dia de hoje é de tristeza. O colega Eduardo Pinheiro partiu sem aviso ou, talvez, tenha sido eu que tenha andado distraído…
De qualquer modo, o aviso, nesta despedida, também não serviria de nada.
Do Eduardo fica-me a ideia de alguém que acreditava que o ensino pode contribuir para melhorar a condição humana e que por isso se empenhava intensamente mesmo que nem sempre fosse compreendido.
Por vezes, mais vale uma pitada de incompreensão… 
As palmas só confortam quem não segue, por ora… 

4.11.19

O milagre dos chumbos

Museu Bordalo Pinheiro
Acabar com os chumbos dá 250 milhões. 
Não se pense que acabar com os chumbos pode custar 250 milhões de euros… É muito mais fácil, decreta-se o adiamento dos chumbos… Sem avaliar o custo!
De qualquer modo, com ou sem chumbos, a evidência do falhanço do sistema de ensino está aí: no parlamento, no conselho de ministros, no ministério da educação, no ministério da saúde… no ministério das finanças…
Em vez de se apostar na reforma do sistema de ensino, adaptando-o às necessidades do século, corta-se...
Mas não segundo a divisa "Inutilia truncat".

3.11.19

Com tanta ciência!

As borboletas de Rafael Bordalo Pinheiro
Quanto ao aeroporto no Montijo, a escolha desagrada-me. Na amplidão do Alentejo, não deveria ser muito caro construir as pistas necessárias para libertar Lisboa, deixando-nos mais próximos da Europa, de África, das Américas… E depois as aves agradeceriam, creio eu.
Com tanta ciência, parece incrível que esta não tenha peso na decisão. Só o dinheiro ordena!
Nem os nefelibatas compreendem tamanha burrice.

PS. Não sei se sou objeto de censura, mas, com alguma frequência, as fotos desaparecem e o autor deste blog é reduzido ao anonimato.
O mais provável é que todas estas ocorrências mais não sejam do que um sinal de que o inverno se aproxima, com minúscula… 
Mas ainda falta o São Martinho!

2.11.19

Jorge de Sena em dia de finados

Paineira em flor
Talvez porque nascera no dia de finados - faz neste sábado 100 anos - Jorge de Sena terá sentido necessidade de contrariar a lamúria humana… 
(Rezar por rezar que se reze pela vida para que esta seja menos estúpida e tétrica…)

De morte natural nunca ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos, 
não foi só para a morte que dos tempos 
chega esse murmúrio cavo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrúmanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que nós sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós 
fossem mais imortais que sonharíamos.
Não foi. (…)
Jorge de Sena, De morte natural…, 1 de Abril de 1961, Sábado de Aleluia

1.11.19

Uma situação educativa insólita



Ontem, um grupo de professores da  Estremadura espanhola visitou a Escola Secundária de Camões entre as 21 e as 23 - horas tardias pouco adequadas à visita do edifício, em obras…  Apesar disso, tiveram oportunidade de admirar a frontaria, o Ginásio, a Biblioteca Velha, a BE/CRE e uma sala de aula matricial… quase tudo do Ventura Terra.
O grupo era constituído por professores de Português - língua estrangeira - que se deslocaram a Portugal motivados pela leitura da "A Viagem do Elefante" de José Saramago e, também, com "o objetivo de potenciar relações que permitam estabelecer intercâmbios entre instituições espanholas e portuguesas"...
Não creio que esta visita tenha cumprido os objetivos, porque escolhi uma abordagem cultural, fazendo uma exposição sobre a história dos edifícios escolares, em particular do Liceu Camões, e sobre o sistema de ensino no século XX, conduzindo posteriormente os docentes espanhóis - cansados da viagem e sem jantar - para o 'monobloco' 06  instalado no antigo estacionamento...
E lá chegados foram contemplados com a 'oferta formativa' do presente ano letivo e, sobretudo" com uma seleção de textos de Fernando Pessoa que, recorrendo eu ao velho comentário textual e cultural, os terá deixado com vontade de não voltar tão cedo ao "Camões"... Entretanto, os poucos alunos do 12º ano, turma 3, que se dignaram ir à aula das 22 horas ainda devem estar a pensar no insólito da situação...
De qualquer modo, todos os presentes tiveram oportunidade de "viajar" no "chevrolet" do engenheiro Álvaro de Campos - de Lisboa a Sintra… perto da meia-noite, ao luar/ cada vez menos perto de mim...





31.10.19

31 outubro 2019



Álvaro de Campos

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,

Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,

Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco

Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,

Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,

Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,

Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?

Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,

Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.

Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,

Sempre, sempre, sempre,

Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,

Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...



Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,

Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.

Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.

Em quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!

Quanto me emprestaram, ai de mim! eu próprio sou!



À esquerda o casebre — sim, o casebre — à beira da estrada.

À direita o campo aberto, com a lua ao longe.

O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,

É agora uma coisa onde estou fechado,

Que só posso conduzir se nele estiver fechado,

Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.



À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.

A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.

Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é feliz.

Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do andar que está em cima

Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, uma fada real.

Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da cozinha

No pavimento térreo,

Sou qualquer coisa do príncipe de todo o coração de rapariga,

E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em que me perdi.

Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?



Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel emprestado que eu guio?



Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,

Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,

Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,

E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,

Acelero...

Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei ao vê-lo sem vê-lo,

À porta do casebre,

O meu coração vazio,

O meu coração insatisfeito,

O meu coração mais humano do que eu, mais exato que a vida.



Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,

Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,

Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,

Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...

11-5-1928