19.5.20

Na fase cínica

Estamos a entrar na fase cínica. Somos convidados a viajar, a ir à praia e aos restaurantes, para satisfação do fisco. Saídos da fase de solidariedade mediática, ficamos por nossa conta e risco… se só os velhos morrem, qual é o prejuízo?
Como escreveu Saramago: «os velhos calados e sombrios, mal seguros nos pés, babam-se, dia de bodo é o único em que se não lhes deseja a morte, por causa do prejuízo que seria. E há febres por aí, tosses, umas garrafinhas de aguardente que ajudam a passar o tempo e espairecem do frio. Se volta a chover, apanham-na toda, daqui ninguém arreda.» O ano da morte de Ricardo Reis, pág. 77, Porto editora.
Até já deixou de chover e o calor está aí, convidativo… quanto ao vírus, terá hibernado… 

18.5.20

Que ave é esta?

Garça noturna
Observei-a hoje no Jardim da Gulbenkian. Confinada como estava, não passava cavaco a ninguém. Ainda não era hora de almoço, e creio que ela se escondeu pois temia ser obrigada a almoçar com os nossos ilustres governantes.
Era lhe insuportável ouvi-los a vangloriarem-se do presente e a anunciar o futuro - todos juntos numa traineira no alto mar, a cumprir o esquema descoberto pelo líder supremo…
Que tristeza! Só pensam em ir a banhos e encher a pança… e ainda nos querem convencer que é esse  o caminho para nos salvar da bancarrota.
Pareceu-me triste, a ave! E eu gostava de lhe conhecer o nome...

17.5.20

A pinha está ali escondida...

A pinha está ali escondida, tal como Caruma. Talvez seja a sua dita!
Da pinha poderá cair uma semente, iniciando novo pinhal com muita caruma...
De Caruma pouco há a esperar, perdido na floresta virtual. Nem uma borboleta se vislumbra!
Hoje é domingo, mas poderia ser outro dia qualquer. O que todos querem é que os não aborreçam e os deixem fugir para o areal, com ou sem pinhal.
Sob as agulhas já vejo fagulhas, mas não faz mal!

16.5.20

Num jardim de Lisboa

A chuva que foi caindo deixou um belo quadro de verde líquido. 
Neste jardim, há mesas e cadeiras, mas ninguém se senta... Não há café, pastel de nata... nem sequer um jornal ou uma revista...
Há dois gansos com a respetiva ninhada - parecem ter chegado do Nilo! Uma idosa olha-os, sem arredar pé...
E depois há famílias, pares de namorados, todos sentados na relva... e também há solidão escondida em recantos sobrevoados por aves exóticas que insistem em ficar por Lisboa...
E lá por detrás, há bairros de que ninguém quer ouvir falar!

15.5.20

Numa avenida de Lisboa

Nesta avenida - que exagero, não passa de uma rua com dois sentidos!- por volta do meio-dia, torna-se difícil circular, de carro ou a pé…  Há veículos em segunda fila um pouco por todo o lado, e nos passeios, amontoam-se pessoas de todas as idades para comprarem o almoço pronto a devorar… Parece que já ninguém se dá ao trabalho de cozinhar!
Como não se entra nos estabelecimentos, fica-se nas imediações a cavaquear… as máscaras sobem e descem, de acordo com o grau de estranheza. Se caem ao chão, depois de uma sacudidela, voltam a ser colocadas ao pescoço e depois, sobem à boca e ao nariz, mas não totalmente, não vá o ar esgotar-se.
Nesta avenida de Lisboa, os comportamentos não divergem dos, por exemplo, da avenida de Moscavide. E curioso, quando penso nisso, apercebo-me que ambas são encimadas pela respetiva igreja…, uma mais rica, outra mais pobre, tal como os fregueses do estômago e dos deuses.

13.5.20

A morte dos macróbios

Neste blogue, nunca utilizei as palavras 'micróbio' e 'macróbio'. Aqui, desde 2006, terei repetido tantos vocábulos, a propósito e a despropósito! No entanto, apesar do termo me ser familiar, o 'micróbio' nunca despertou o meu interesse. Por sua vez, o 'macróbio' chamou a minha atenção ao ler a seguinte afirmação de José Saramago: «ceia melhorada nos asilos, que bem tratados são em Portugal os macróbios»... O ano da morte de Ricardo Reis, pág. 29. À época consultei o dicionário Aurélio, e fiquei esclarecido: aquele que vive muito ou tem idade avançada
Não pensei mais no assunto até que, com a chegada do Covid 19, percebi que este vírus vitimiza principalmente os longevos, provavelmente, os que têm ceia melhorada nos asilos, se bem entendermos a ironia saramaguiana. Em Portugal e no resto do mundo, sobretudo naquelas partes onde os mais velhos são colocados em depósitos bem rentáveis…, frequentemente clandestinos…
Os macróbios incomodam, mas enriquecem muita gente que, agora, vai sacudindo a água do capote.

11.5.20

Ideia absurda

De tanto ouvir, acabo por me interrogar sobre o significado de certas expressões. Por exemplo: 'regressar à normalidade'.
Se regressar já é, em si, prova de irrealismo, e não vale a pena voltar à água do rio, então, regressar à normalidade é uma monstruosidade...
Se antes do COVID-19, o planeta estava à beira do caos, do abismo, para quê voltar a esse estado de total desvario, de perdição?
O que sempre definiu o homem foi a sua capacidade de adaptação, ou melhor, de transformação da realidade.
Parece assim que este é o momento certo para nos reajustamos mais em função das necessidades do planeta do que dos nossos interesses. Ora o que ouvimos, a cada momento, é a voz do interesse egoísta - individual e coletivo.