12.6.21

Celebrar a morte!

 


Celebrar a morte, aborrece-me. A simples ideia de evocar acontecimentos de ontem perturba-me, como se  o dia de hoje estivesse suspenso... Enfim, celebrar  durante 5 anos assusta-me ainda mais, pois parece que, nos próximos anos, nada haverá a fazer,  exceto cumprir a liturgia que os apóstolos já começaram a desenhar...

Compreendo que haja uns tantos agradecidos e agraciados, mas não creio que este seja o melhor caminho. O que faz falta é mudar a agulha: substituir os frutos podres, podar a árvore, libertá-la do caruncho. E depois, quanto aos que não têm memória não vale a pena vaciná-los. O melhor é deixá-los construir as suas próprias memórias... e esperar que daqui uns anos não tenham a triste ideia de se quererem perpetuar nas gerações seguintes.

Finalmente, as celebrações são muitos caras... bem sei que vem aí bazuca, mas convém não esquecer que, por definição, a bazuca é uma arma cujo raio de destruição é elevado.

10.6.21

Milagres!


 Katja Ebstein, 1970

O postal está, há meses,  colocado à minha frente. Só que eu não o vejo ou, melhor, não o interrogo...

Até que, subitamente, os significantes começam a perturbar-me: - Como é que tu podes viver rodeado de signos que não compreendes? Deixa lá as pessoas e dá-nos um pouco mais de atenção... 

Em 1970, o mundo exterior era mesmo exterior, o festival da eurovisão pertencia a outro dimensão. À época, os milagres ainda eram esculpidos em retábulos a ouro ou em palavras de redenção.

(Hoje, ouvi o Jerónimo de Sousa afirmar que está preocupado com a entrega de dados de ativistas russos, residentes em Lisboa, à Mãe Rússia...)

 
Wunder gibt es immer wieder,
Heute oder morgen können sie gescheh'n.
Wunder gibt es immer wieder,
Wenn sie dir begegnen, musst du sie auch seh'n.

8.6.21

Quando o singular...

 

Quando o singular nos engana...

Ando a ler, mesmo se sentado, o livro de Afonso Cruz, Jalan Jalan, Uma leitura do Mundo...

Leio sentado, porque o livro é bem pesado e sentencioso. Para lá da suposta leitura, observo múltiplas leituras resultantes da estratégica mudança de ponto de vista, de modo a fugir à opinião e à crença...

Andar através dos livros, dos montes, dos territórios, das religiões, das filosofias, das políticas, das literaturas, das línguas é caminho de uma entropia crescente... volumosa, fragmentada, em que nos vamos dissolvendo de forma, por vezes, divertida porque inesperada.

5.6.21

Sem rebuço

Legítima? Ilegítima? Cultural? Não sei.
A apropriação surge a cada passo, com ou sem citação... como se as formas de intertextualidade fossem todas legítimas ou tivessem justificação cultural
Já não é tanto a ideia furtada, mas o manuseamento de múltiplos e exóticos significantes de modo a obter um efeito legitimador, gerador de saberes mal assimilados capazes de maravilhar as almas insignificantes a quem têm de prestar contas.
Quanto a mim, apenas pressinto que vou sendo assimilado, sem rebuço.
'Sem rebuço' seria um bom título para uma obra cujo significado não se descortina.

3.6.21

Coisas estranhas

 

Seres minúsculos só abrem as asas no momento de levantar voo, e e eu caço-os antes que me infestem a casa. Chegaram vindos não sei donde e multiplicam-se a uma velocidade estonteante...
No consultório, a conversa sábia esbarra nas janelas que dão para o Parque Eduardo VII. Os carros continuam a subir e a descer, alheios ao que ocorre na cabeça dos condutores e dos passageiros.
Vejo nos escaparates que vão publicando diários  esclarecedores sobre a vida nacional nas últimas décadas. Contudo, nunca explicam nada sobre os últimos dias.
Por exemplo, os diários são omissos quanto às razões do bombardeamento nocturno de Moscavide, em sonho já se vê! Seres minúsculos elevavam-se sobre a minha cabeça... e os mísseis iam caindo como se Israel estivesse a atacar a Faixa de Gaza.

30.5.21

O primeiro espelho


De tempos a tempos, regresso ao espelho do móvel do quarto fronteiro da primeira casa. Via-se da cama, sob o olhar do Sagrado Coração de Jesus - o espelho refletia um rapazola já crescido, que preferia não se fantasiar, por causa dos fantasmas noturnos que cavalgavam no sótão. Imagine-se o sótão!
De qualquer modo, aquele não era o primeiro espelho... antes, nas camaratas, havia uma série de espelhos mais ou menos particulares, mas só de meio corpo - o rosto distinguia-se, por uma ou outra careta, tímida..., bexigoso. Relembro, agora, que na 'camioneta da carreira', as janelas, em certos momentos, também  distorciam, ou era o estigmatismo que traía o olhar?
No entanto, o freudiano dos primeiros meses não consegue relembrar o espelho inicial, anterior à locomoção e mesmo â verbalização. Escondeu as imagens iniciais dum outro quarto, do fundo, voltado à Serra, inacessível, felizmente!
Sobram, assim, as toalhas de água dos ribeiros e dos poços, pejados de líquenes e, por vezes, de demónios atirados do alto da casa das cobras por algum apóstolo do Sagrado Coração de Jesus... Aí, sim, havia alguma surpresa e algum pavor... a invisibilidade não passava de uma quimera.

29.5.21

A nova economia

 

A nova economia: dinheiro sujo e bem bebido... com ou sem bolha!

(de Albufeira ao Porto, passando por Lisboa)