15.6.24

É pouco o que tenho a dizer

Terminei a leitura da Odisseia, de Homero. Finalmente, Ulisses regressou a casa, mas sem ter fundado Lisboa. A preocupação dele não era ficar, mas, sim, contornar os obstáculos humanos e, sobretudo, divinos... Nós é que nos imaginamos fundadores por decreto divino, porém a realidade é bem diferente...
Entretanto, durante a viagem de regresso a Ítaca, fui lendo O Tartufo, de Molière, esse bem mais próximo de nós: em nome de Deus, tudo fazia para enriquecer, apoderando-se dos bens dos mentecaptos que lhes surgiam ao caminho, e há  cada vez mais! 
E sem que a odisseia tivesse terminado, iniciei a leitura de Meu Pai, O General Sem Medo - Memórias de Iva Delgado. Lê-se com interesse, mas a ação do General acaba por ficar na sombra: bom pai e bom marido, até ter partido para o exílio no Brasil... Há que proteger os seus! E ficar bem na memória...
Comecei, há dias, a ler A Guerra e Paz, de Tolstoi... e ainda não sei bem o que pensar...

(Estou quase pronto a voltar à Escola, mas ainda não recebi convite. Parece que o Sr. Ministro da Educação quer que os professores aposentados retomem a carreira. Só não diz até que idade! Se for até aos 70 anos, ele que se apresse!)

8.6.24

Falar e errar, sem culpa, livremente... com olhos e boca

 

I

Almeno:

Da  minha idade tenra, em tudo estranha,

Vendo (como acontece) afeiçoadas

Muitas ninfas do rio e da montanha,

Com palavras mimosas e forjadas,

Da solta liberdade e livre peito,

As trazia contentes e enganadas.

Écloga II

 

II

Oh! Quanto já que o Céu me desengana!

E eu sempre porfio

Cada vez mais na minha teima insana!

Tendo livre alvedrio;

Não fujo o desvario;

E este que em mim vejo,

Engana co’a esperança meu desejo.

Ode à Lua

III

Amada Circe minha

(Posto que minha não, contudo amada),

A quem um bem que tinha

Da doce liberdade desejada

Pouco a pouco entreguei,

E, se mais tenho, inda entregarei

Ode IV

 IV

Quem pode ser no mundo tão quieto,

Ou quem terá tão livre o pensamento,

Quem tão experimentado e tão discreto,

Tão fora, enfim, de humano entendimento

Que, ou com público efeito, ou com secreto,

Lhe não revolva e espante o sentimento,

Deixando-lhe o juízo quase incerto,

Ver e notar do mundo o desconcerto?

(…)

Que, por livre que seja, não se espante?

(…)

Dir-me-eis que, se este estranho desconcerto

Novamente no mundo se mostrasse,

Que, por livre que fosse e mui esperto,

Não era de espantar se me espantasse;

(…)

Ó inimigo irmão, com cor de amigo!

Pera que me tiraste (suspirava)

Da mais quieta vida e livre em tudo

Que nunca pôde ter nenhum sisudo?

Oitava I

 V

Assim vós, Rei, que fostes segurança

Da nossa liberdade, e que nos dais

De grandes bens certíssima esperança:

Nos costumes e aspeito que mostrais

Concebemos segura confiança

Que Deus, a quem servis e venerais,

Vos fará vingador dos seus revéis.

E os prémios vos dará que mereceis.

Oitava III, Sobre a seta que o Santo Padre mandou a el-Rei D. Sebastião, no ano do Senhor de 1575

 VI

E se quiser saber como se apura

Nũa alma saudosa, não se enfade

De ler tão longa e mísera escritura.

Soltava Eolo a rédea e a liberdade

Ao manso Favónio brandamente,

E eu já a tinha solta à saudade.

Elegia I

VII

Se quero em tanto mal desesperar-me,

Não posso, porque Amor e Saudade

Nem licença me dão pera matar-me.

Elegia II

 

VIII

Que pois já de acertar estou tão fora,

Não me culpem também se nisto errei.

Sequer este refúgio só terei:

Falar e errar, sem culpa, livremente.

Triste quem de tão pouco está contente!

Com ter livre arbítrio, não mo deram,

Que eu conheci mil vezes na ventura

O melhor, e o pior segui, forçado.

Canção X

CAMÕES, 500 anos

4.6.24

Um sinal...

 


O seu a seu dono, costumava dizer-se... Lição esquecida, apesar de tempos a tempos irromper um sinal de esperança...

Por agora, vou vivendo o choque da descontextualização: da apropriação de situações, intencionalmente deformadas, e que dão corpo à fantasia, bem distante da verdade.

Para que a ambiguidade não ocupe toda cena, o melhor é ler a Ilíada e a Odisseia do enigmático Homero... De facto, as histórias que nos foram contando como originais, são, afinal, imitações, e nem as descidas aos infernos se salvam - ver Ulisses no Hades.

E claro, não fossem as criaturas dos universos superiores e inferiores, não teríamos tantos heróis.... Essas criaturas é que tudo decidiam!

2.6.24

Por pouco...

(Pormenor do Jardim Bordalo Pinheiro, no Palácio Pimenta, no Campo Grande...)

Para lá do jardim, uma transeunte incauta... No interior, o espaço decorado pela Joana Vasconcelos, maneirista para os olhos e artificial, como seria de esperar nestes tempos sem alma...
A condizer, os pavões, vaidosos... em jogos de sedução intermináveis...


E claro, discretas e envergonhadas, as estátuas de Carmona e da Verdade...



E depois há as revoluções, com sinal de stop vermelho... por pouco, não fiquei à espera que ele passasse a verde...

29.5.24

Por cumprir...


As amoras não chegam a amadurecer: os pássaros comem-nas todas.
Neste caso, a culpa não é das amoreiras: os pássaros não quiseram ou não puderam esperar.
Deve haver uma ordem superior que permite este incumprimento, e que as amoreiras não podem contestar.

No debate político, há muitas acusações de incumprimento, mas raros são aqueles que responsabilizam as aves famintas ou, em último caso, o superior interesse de forças que vivem em negras nuvens....

Por ora, as promessas abundam, como se as amoreiras estivessem obrigadas a ceder os frutos... talvez seja por isso que há tantas árvores que não chegam a frutificar.

27.5.24

Agostinho da Silva

RTP arquivos

 «Aqui o que presta é o povo, as elites não valem nada.»


Por Guilherme de Melo, Diário de Notícias 9 de abril de 1993

Foi no decurso da década de 80 que Agostinho da Silva emergiu do relativo esquecimento em que (injustamente) o haviam mergulhado e se tornou figura imprescindível em tudo quanto nesta cidade significasse debate, seminário, encontro de cultura…

Encontro de G. M. com Agostinho da Silva no 3ºandar da travessa do Abarracamento de Peniche, ao Príncipe Real, onde há quase 25 anos habita. Ali reside desde 1970, após o seu regresso do Brasil, onde viveu durante os largos anos do regime salazarista.

No Brasil trabalhou com muitas personalidades, entre elas, o embaixador brasileiro em Lisboa, José Aparecido, e Jânio Quadros (presidente do Brasil, em 1961 – renunciou ao cargo) … «o Jânio apostou tudo na maneira o Brasil e África se poderiam interpenetrar».

A. S. defende que é «na força e sentir do povo que está de facto o que um país é ou que não pretende ser.» Defende que uma «reformulação de Portugal não vem como alguns pensarão, nem de Belém nem de São Bento, vem das freguesias.»

Por aqueles dias, traduzia Vergílio e Horácio.

A utopia de Agostinho da Silva: a) o sonho de um triângulo atlântico que ligasse Lisboa Luanda e Rio de Janeiro. B) a escola deveria ser um local aberto, onde todos pudessem, simultaneamente, ensinar e aprender. c) o Brasil é a terra onde Portugal podia ter sido verdadeiramente ele próprio, terra livre, de homens livres.

Por Fernando Dacosta, 4 de abril de 1994

George Agostinho Baptista da Silva faleceu no dia 3 de abril de 1994. Nascera a 13 de fevereiro de 1906, no Porto.
As condolências foram sobretudo prestadas ao Filho - Pedro da Silva, professor na Baía -, e a Maria Violante Vieira, presidente da UNICEF em Portugal…
Agostinho da Silva, pai de 8 filhos, a viverem na Suíça, Brasil, Grã-Bretanha e Portugal.
Doutorou-se na Sorbonne com uma tese sobre Montaigne. Em Paris, conheceu António Sérgio, Raul Proença, Jacinto Simões (pai) e Jaime Cortesão, aí exilados.
Iniciou a docência na Faculdade de Letras do Porto, entretanto extinta por Salazar. Na sequência foi para Madrid e no regresso a Portugal foi colocado no Liceu de Aveiro. Demitido do ensino oficial, fixa-se em Lisboa – recusara «jurar não ter pertencido ou pertencer a qualquer associação secreta».

A PIDE prende-o. A ditadura exila-o. Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Brasil, África, Ásia. Funda 4 universidades no Brasil e vários centros de estudos superiores. Acompanha a construção de Brasília. Torna-se amigo dos presidentes Jânio Quadros e Juscelino. Liga-se à oposição portuguesa, a Sarmento Pimentel, a Rui Luís Gomes, a Rodrigues Lapa, a Casais Monteiro, a Jaime Cortesão. Casa com a filha deste, Judite Cortesão, em segundas núpcias.

Ensina um pouco de tudo: Filosofia, Geografia, Biologia, Sociologia, Antropologia, Botânica, Literatura, História, Teatro – Glauber Rocha é um dos seus discípulos mais veementes.
Marcelo Caetano autoriza-lhe, em 1968, o regresso.
Formação de base: filologia românica. Traduz (sabe 15 línguas) do latim as obras de Vergílio e de Horácio e de Catulo…
«Temos de fazer da nossa vida uma ficção para conseguirmos torná-la suportável.»
Para Agostinho da Silva, cultura: «é comer direito, vestir decente e habitar seguro».


Agostinho da Silva, autor de Considerações / Os meus problemas

A PHALA – entrevista

a) Uma economia comunitária, até D. Afonso IV. A Europa entrou em Portugal com D. Afonso IV, matando Inês de Castro em obediência à razão de Estado, começando assim a tristeza de Portugal…
b) Um governo coordenador
c) A educação pela experiência. O mundo só sai da doença que é a Escola, a máquina para domesticar a criança que quando nasce é genial, quando as crianças puderem continuar a fazer as perguntas que têm lá dentro ansiosas por se soltarem em vez de aprenderem de cor as respostas convenientes para passarem nos exames e triunfarem na vida tal como ela está montada.
d) A metafísica – a figura da Trindade – o Espírito Santo. A Europa embarcou nos nossos navios e trouxe consigo a economia capitalista. Passámos a ter um governo autoritário, educação pelo livro, religião do previsível. Roma torna a pôr a mão em Portugal. Acabou esse fantasma da Pomba. Até os navios deixam de se chamar Espírito Santo.

O princípio de Heisenberg na Física Quântica: O mundo é imprevisível, incerto.
«Aqui o que presta é o povo, as elites não valem nada.»
«Entendo por modernidade o tempo em que vivo. (…) é aquilo que está na moda.»

23.5.24

Ferrugem

 



Fui visitar o Parque da Tapada da Ajuda. 
Fiquei com a ideia de que os futuros agrónomos aprendem o cultivo da vinha, a tratar dos olivais e de outras espécies vegetais... só não aprendem é a eliminar a ferrugem do Pavilhão das Exposições, inaugurado pelo rei D. Luís em 1884 - estrutura em ferro e vidro...
Grande foi o investimento, só que a manutenção e o aproveitamento são descurados neste país de megalómanos, narcisistas e desleixados...