Chegou a hora de reinventar o passado. Não o que foi, mas o que resta…
Para chegar à casa, M. tinha que passar pela palmeira. Daquela palmeira avistava-se sobre o lado direito uma casa térrea. Donde é que aquela palmeira teria saído, se não se vislumbrava nenhum palmar entre vinhas, olivais e figueirais? Saía de casa e logo os olhos se fixavam naquela inesperada presença. Aquela fixação, ao contrário do que seria de esperar, não fazia sonhar. Era uma presença muda que ajudava a delimitar o caminho de pedra maltratada e que, quando as chuvas desabavam, assistia à transformação da rua em rio de lama. Para além da pedra e da lama, erguia-se, majestosa, a palmeira. Ainda, hoje, por lá continua…
Aquele pedaço de caminho que separava a casa da palmeira foi durante dez anos a aldeia de M.
Para lá da palmeira, a rua estava assombrada: havia cabras noturnas que devoravam os parcos canteiros de flores, havia cães que ganiam sem parar e, sobretudo, havia a violência das palavras grosseiras que fendiam os tímpanos de M. Essas palavras ainda hoje ecoam na mente de M. Talvez se possa admitir que ainda o assombram.
De facto não são só as palavras que ecoam… há também gritos. E em particular, tosses ininterruptas que atravessam o tempo e se repetem…
Há imagens que nos perseguem, que nos revisitam, imagens e gestos e sons que nos lembram quanto resta do passado que é cada vez mais nosso presente...
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