29.12.24

Não quero ser outro...

Felizmente, não estou a perder a fala nem a ficar cego. E não sou surdo, antes pelo contrário... o ruído afeta-me os neurónios, embora ninguém se aperceba disso... E sou só um, e não diversos como parece que está a acontecer com muita gente, sobretudo jovem... Por isso não há o perigo de me dividir em dois que se procuram na adversidade da perda, seja ela comunicacional, linguística, geográfica ou temporal... Não quero ser outro, nem mudar de sexo, nem a cor do cabelo - já me basta perdê-lo - o que fará um cabeleira sem cabelo?
Basta-me caminhar até me cansar, e ler mesmo que não entenda  a fama de certos escritores, embora a escrita não passe de um novelo sem fio que nos leve a qualquer porto...
Acabei de ler Lições de Grego, de Han Kang, e estou sem compreender se a verosimilhança ainda é um critério de avaliação da ficção: por vezes a realidade surge na sua crueza, mas a prosa acaba por ceder o lugar à fragmentação do discurso, tornando-o absurdo... 
Por ora, estou sem pressa de atalhar no caminho e gosto que os fios não se esfumem ou se partam antes de chegar ao ancoradouro...

21.12.24

Com tanta luz...

 

Com tanta luz, há quem viva nas trevas...
Com tanta fartura, há quem passe fome... 

Ainda hoje um talhante me confessou que grande parte da carne que irá vender até  terça-feira acabará por não ser consumida, apesar do império da gula...

Insiste-se em criar um clima de festa só para esconder a miséria a que a humanidade chegou.

É uma espécie de carnaval antecipado ou, melhor, permanente. 

Nada disto corresponde à essência do mito natalício... Dir-se-á que o mito é NADA e TUDO se resume ao que exibimos.

(FP: O mito é o nada que é tudo.)


15.12.24

Mia Couto a enterrar nuvens

Sem metáfora, não há escrita de Mia Couto... 
A figura cobre a guerra, a religião, a cor, a seca, a chuva, o abuso sexual, o envelhecimento, a morte; a língua em que cresce... 
A metáfora é inevitável, centrando-se no corpo, na pele, nas mãos, nos olhos... 
A própria vida se revela metáfora caindo na folha em branco como narcísica forma de eternidade...
Como alguém referiu, toda a figura é metáfora, e por isso os nomes próprios também são metáforas... À força  de gerar figuras, Mia Couto acaba por branquear os responsáveis pelo adiamento da esperança...
Quando o prazer da metáfora desfigura a realidade nua e crua... o que parece perto, fica cada vez mais longe. Imperdoável!
                                                                                   (Mia Couto, Compêndio para desenterrar nuvens, 2023)

13.12.24

Um cacto

 

A invasão não é de agora. A perceção é que é mais recente.
Quase todos os dias, passo por este cacto e leio que ele foi transferido da Quinta da Vitória... por ironia, certamente, demolida para dar lugar a três ou  quatro torres de apartamentos aburguesados, e uma zona comercial que, em grande parte, serve o bairro contíguo da GEBALIS, que o município lisboeta deixa degradar incautamente.
Não basta entregar casas, é preciso assegurar que elas são estimadas, diariamente...
(...) 
Hoje, numa das saídas do Hospital de São José, um jovem indiano (?), transido de frio e provavelmente de febre, afastava-se cambaleando... e não pude deixar de pensar nos espinhos destas vidas.


9.12.24

A força do vento

O que vento tem a mais, tenho eu a menos. E o insólito é que ele sempre foi assim: ora não damos por ele, ora eleva tudo no ar. E eu agarrado ao chão!

( Em dia de algum vento...)

 

8.12.24

O Contador da História

 

Lá fui, ontem, rever os velhos atores (João Mota e Carlos Paulo) e os novos, cujos nomes ainda não me tombaram na memória...

Espectáculo bem produzido, e interpretado de acordo com o rigor sempre exigido pelo 'maestro' que, uma vez mais, revisitou a génese do teatro português...

Do texto de António Torrado ressalta o pendor pedagógico eivado de um sebastianismo que, infelizmente, continua presente no fascínio pelo 'almirantado'...

5.12.24

Pasmado...

 

Ainda não pude observar devidamente, mas estou na ideia de que visualizei um telheiro agigantado, à medida de quem encomendou a obra. Deve ter custado bom dinheiro e, talvez, possa abrigar quem por ali passe na calada da noite, apesar das portas cerradas e da segurança apertada...
Nestas obras, há sempre quem ganhe e, também, há quem se deslumbre... Como campónio fiquei pasmado pelas razões erradas, certamente.

1.12.24

50 anos depois...


Do quê?
Do súbito enamoramento.
De um casamento temporão, aos olhos de hoje...

Do tempo passado, as palavras não dizem nada, a não ser que se tem tratado de uma prova de resistência...

de olhares distintos que mais cedo ou mais tarde se extinguirão...