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14.4.15

A morte módica

«como de facto dia a dia sinto que morro muito,
melhor é pôr-me de lado quando alguém puxa dos números,

agora parece que já ninguém nasce,
as pessoas agora querem é morrer,
e como não morrem bem porque no esplendor das obras as compensações são baixas,
procuram a morte módica,
vão todos juntos para as praias onde não há socorristas,
praias do inferno sem nenhuma salvação...»
Herberto Hélder, A Morte Sem Mestre, pág. 31, 2013
    Não é que queira contrariar o Poeta, mas é inevitável que os críticos literários ocupem o tempo a contar o número de vezes que ele de forma explícita, ou não, se refere a esse acidente da vida que é a morte... Por outro lado, a opção pela morte é uma consequência da austeridade imposta pela parte mais esperta da humanidade, não havendo, para a maioria, alternativa: Que a terra os engula ou o mar os leve sem testemunhas, sem custos!

Afinal, somos menos do que o risco sulcado na terra seca que o mar se prepara para abraçar, embora sem data definitiva... 

(Se os versos são do Herberto Helder, a foto é minha. Quanto aos críticos e aos espertos, ficam sem nome...)

7.4.15

Enterrado num poema

 (...) «queria fechar-se inteiro num poema
lavrado em língua ao mesmo tempo plana e plena
poema enfim onde coubessem os dez dedos
desde a roca ao fuso
para lá dentro ficar escrito direito e esquerdo
quero eu dizer: todo
vivo moribundo morto
a sombra dos elementos por cima»
Herberto Helder, A Morte Sem Mestre, 2013

Ninguém está livre de ansiar um pouco mais, mas casos há em que o anseio é obsessivo, doentio. Até os pássaros intuem que há um momento em que é necessário que as crias experimentem o voo e esse é o dia das aves...
O poema lavrado em língua plena solta-se e foge, foge dos cemitérios, lavrados em língua plana.

Se a poesia puder ser pão, sê-lo-á, mas não para o poeta... não vão os versos ter o mesmo destino da padeira...

6.4.15

Fantasia literária

«a burro velho dê-se-lhe uma pouca de palha velha / e uma pouca de água turva / e como fica jovem de repente durante cinco minutos!» Herberto Helder, A MORTE SEM MESTRE, 2013

Não me parece que o burro recupere a juventude assim tão facilmente! Ainda se se lhe  desse uma medida de favas ou de cevada... 
A palha velha e a água turva é que o levam ao desfalecimento.

Em tempo de deslumbramento, andam à solta tantos burros que me apetece servir-lhes uma fava rica, a ver se se deixam de disparates...
Diz o provérbio que a sabedoria humana tem limites; a burrice, por sua vez, é infinita.



24.3.15

Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder

Citação (9.1.2014) 
Abro o TRÍPTICO de Herberto Helder  e surge-me o amador de Camões: Transforma-se o amador na coisa amada com seu / feroz sorriso, os dentes, / as mãos que relampejam no escuro.  Traz ruído / e silêncio. Traz o barulho das ondas frias / e das ardentes pedras que tem dentro si./ E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado / silêncio da sua última vida./ O amador transforma-se de instante para instante, / e sente-se o espírito imortal do amor / criando a carne em extremas atmosferas, acima de todas as coisas mortas.

E fico a pensar no olhar perdido e petrificado do amador camoniano que, à força de misturar imagens, reprime o desejo e apazigua o corpo, passando a viver do fulgor de um momento para sempre perdido, enquanto que o amador de Herberto Helder, no lugar da imaginação coloca o peso e o vigor do corpo até que a amada  lhe corresponda o grito anterior de amor...