24.1.09

Da evasão…

«Toda a literatura é um plano de evasão. Ele faz ferver todas as cabeças e aguçar todas as inteligências. (…) O aluno tem que apostatar do mestre, senão não será digno dele.»Agustina Bessa-Luís, Da educação, DN, 8.02.1992

Há anos que um texto de Agustina Bessa-Luís me obsidia. Quando menos espero, uma página amarelecida pelo tempo coloca-se sob o meu olhar e lá a volto a ler o artigo sobre a Educação. E esta leitura faz-me sempre questionar sobre a importância da literatura na formação do cidadão e, sobretudo, sobre o modo como ainda se aborda a literatura nas famílias e nas escolas. Já pensei em libertar-me deste pedaço de papel, mas não consigo. É como se ao rasgá-lo me rasgasse também a mim.

Eu que sou licenciado em Literatura Portuguesa e mestre em Literaturas várias, embora passe a maior parte do tempo no desemprego deste ofício, não posso deixar de pensar que, ao transformarmos a literatura numa minudência, que bem que soa esta palavra!, mas infelizmente não é a adequada, pois não quero pensar que a literatura é uma minúcia, mas, sim, que foi marginalizada, desvirtuando-a da sua verdadeira função: substituir as pessoas reais.

E esta função é tanto mais urgente quanto «as pessoas reais estão muito distantes e não se encontram disponíveis, tanto para ser imitadas como para ser admiradas.» citação ligeiramente alterada – do pretério imperfeito de Agustina para  o nosso presente.

22.1.09

O dia D, o dia M, o dia J

I -Aproxima-se mais um dia D: o Parlamento vota mais uma vez se a avaliação dos docentes deve ser suspensa ou não. Os Senhores Deputados vão  brincando à avaliação! Só tarde, poderão voltar ao trabalho político, tristes…

E é triste o ponto a que se chegou nesta matéria: o que devia ser tratado com discrição e rigor transformou-se em moeda falsa que serve para tudo.

Independentemente do resultado, o espectáculo da manipulação e da propaganda está montado…

II – Quanto à Justiça, estamos falados. É tudo uma questão de compadres – pais, filhos, tios, sobrinhos, enteados, isto sem falar nos primos. Quando a mesa se torna menos abundante, desatam todos à cadeirada, e logo os jornais (senão antes!?) nos inundam com meias verdades e meias mentiras…

Impunes, quase todos!

20.1.09

Obama H…

Nem Cristo criou tamanha expectativa!

A tomada de posse do novo presidente lembra-me aquelas aulas em que se tornava obrigatório explicar a função mágica da linguagem. O baptismo e o casamento eram os rituais em que por obra do verbo se dava a metamorfose… De repente, eliminava-se o pecado original e legitimava-se a sexualidade!

Com Obama, parece que, amanhã, o mal soçobrará e o eldorado reinará. 

Já a criação do mundo resultara de um acto mágico da linguagem divina.

18.1.09

Outro desatracado…

Dizer que a barba de São Francisco Xavier o distingue do Santo Inácio de Loyola não sei se faz de mim um desatracado, termo que subtraio a Miguel Esteves Cardoso, sem a devida autorização. Atrevo-me, no entanto, a referir que o meu olhar estacou, por instantes,  na iconografia jesuítica disponível no Museu de São Roque. Fiquei, ali, diante daqueles santos da contra-reforma a pensar na estratégia catequética adoptada no Oriente. E continuo sem compreender o súbito fervor do Fernão Mendes Pinto, bem explícito na PEREGRINAÇÃO…

O resultado entra olhos pelos dentro: a prata dourada, a madrepérola, o marfim, as cores quentes, o realismo das figuras, a magnificência dos relicários, tudo nos promete uma vida (outra) excelsa, bem longe da peste, da fome  quotidiana…

A caveira que, há muito, via nas mãos de um santo  sado-masoquista, encontra-se aos pés de um outro intrépido santo, como se ela não representasse mais do que a terrena vida…

À distância, não deixo de pensar que do reinado de D. Manuel I para o de D. João III, a élite portuguesa atascou as mãos na riqueza que jamais imaginara possuir, hipotecando definitivamente a nação… E, hoje, continuamos a reagir do mesmo modo a qualquer estímulo de fartura…, esperando que, na desdita, o manto virginal nos cubra com a sua infinita misericórdia… 

13.1.09

Um circo trauliteiro…

Ontem, pensava que sem mestres não podemos ser contemporâneos de nós próprios. Hoje, estou um pouco chocado com a notícia de que amanhã irei fazer figura de palhaço.

A manipulação das consciências recorre cada vez mais à metáfora e, no limite, à alegoria. A de hoje atirou-me para a pista de circo. Um circo trauliteiro!

Quanto aos mestres, não há nada a dizer. Pura e simplesmente foram  dispensados… por quem, há muito, deixou de pôr a mão na consciência.

12.1.09

Os mestres são imprescindíveis…

Ontem, assisti a um notável concerto comentado por Paolo Pinamonti na Culturgest.

Confesso, desde já, a minha ignorância no que à música contemporânea diz respeito. Ouvi ( e vi) a magnífica execução pela OrchestrUtopica de Frates, de Arvo Part, de King, de Luciano Berio, de Aventures, de Gyorgy Ligeti, e de Invenção sobre Paisagem, de Luís Tinoco.

E face a tal ignorância, Paolo Pinamonti explicou-me o que eu seria incapaz de compreender, a solo. Explicou-me a evolução da música contemporânea, desde os anos 60 do século passado até à actualidade, ajudando-me a tornar-me contemporâneo de mim próprio.

Esta explicação reforçou, em mim, a consciência de que os mestres são imprescindíveis para que possamos aprender. Aprender a viver no nosso próprio tempo.

A própria ideia de pós-modernidade se me tornou mais clara através da execução de Invenção sobre Paisagem, de Luís Tinoco.

9.1.09

No tempo dos fantasmas…

Não sei em que data Vergílio Ferreira escreveu o conto “O Fantasma”. E de certo modo queria acreditar que não precisava dessa informação para ter proveito e seguir o exemplo inscrito na estória.
No entanto, essa minha convicção desvaneceu-se perante a insólita interpretação que alguns jovens, nascidos depois de 1990, me propuseram: M tinha a mania da perseguição. De repente, M descobriu na sua frente um tipo (sujeito /gajo) – o fantasma -, que não tirava olhos de si, uma espécie de rémora da nau das índias!
Era-lhes difícil interrogarem-se sobre a causa e os efeitos daquela súbita loucura: na mesa em frente, um sujeito sinistro, sob a aba descaída do chapéu, perscrutava o mínimo movimento, encurralando-o… De pouco interessava, o acontecimento da véspera, e ainda menos a pergunta que lhe sobrara desse insólito encontro: – Até que ponto se teria comprometido? A vida de M mudara completamente. Agora, M apenas desejava que a porta giratória o cuspisse para a chuva que caía lá fora, e, num gesto derradeiro, M conseguiu-o, saindo do radar do fantasma.
Naquele dia M não apertou a mão ao fantasma, nem este esboçou qualquer gesto nesse sentido, talvez porque a magreza, o ar macilento e o olhar sinistro fossem suficientes para apavorar qualquer incauto…
Os jovens, nascidos depois de 1990, ignoram o tempo dos fantasmas, vá lá saber-se porquê… Poderíamos pensar que eles, desempregados, abandonaram o país. Um bom dicionário lembra todavia que:
fantasma s m+f (gr phántasma) 1 Visão quimérica, geralmente apavorante, produto da fantasia. 2 Coisa medonha. 3 Pessoa macilenta e magra. 4 Simulacro. 5 Suposta aparição de pessoa morta ou afastada, alma do outro mundo; espectro, espírito. 6 Pessoa fictícia, inventada para a utilização de seu nome em operações fraudulentas, recebimento de subornos ou propinas etc. 7 Eletr Em acústica, derivação de um sinal a partir de duas fontes, de forma que ele parece provir de uma terceira fonte. 8 Telev Falha no sinal de vídeo que exibe na tela uma segunda imagem, fraca, ao lado da imagem principal. 9 Inform Termo usado para designar os itens de um menu que são exibidos em cinza, mas não estão disponíveis para o uso.
Quanto a mim, houve tempo em que a fantasia me fez correr à frente de um diabrete que insistia em assombrar a minha solidão. E, também, houve o tempo que V.F. ficciona no conto: numa cidade de província, nos anos 60, com capote ou sem ele, em frente de um largo espelho do Café Central (ou Portugal!?), senti o olhar mortiço do fantasma, mas, mais do que os olhos, aquilo que verdadeiramente temia eram os ouvidos das paredes…
MCG