31.8.09
A oliveira
30.8.09
Saramago, o cornaca
24.8.09
CEDDO
23.8.09
MEDIOCRIDADE...
Nota crítica
António José Silva Carvalho (Vila do Conde, 1948) tem feito o favor de me oferecer os seus livros a que, infelizmente, não tenho dado a atenção que merecem. Confesso que a leitura nem sempre é fácil e nos tempos apressados que nos governam o mais fácil é suspender a leitura…
Por coincidência ou talvez não, decidi levar a bom porto a leitura de duas obras, à partida resistentes e muito diferentes, mas que, afinal, talvez o não sejam: - Que Farei Quando tudo Arde? (D. Quixote, 2001), de Lobo Antunes; Mediocridade (Aquário, 2000), de Silva Carvalho. De facto, Silva Carvalho, no poema “Insignificação”, datado de 6-10-2000, interroga-nos, à semelhança de Sá de Miranda: / que se poderá viver quando a vida arde / e arfa nos mimetismos da presença? / Tanto Silva Carvalho como Lobo Antunes suspendem os géneros literários em que se inscrevem. Coincidências!
No caso do autor de Mediocridade, a pretendida auto-exclusão da poética de raiz greco-romana leva-o, em compensação, à defesa de uma linguagem porética que define, no texto ENTRE do seguinte modo: / A linguagem porética é um discurso / entre, entre a poesia e a filosofia, / capaz por isso de fazer interpenetrar / a abstracção do pensamento tacteante / no tecido afectivo da expressão lírica. / É um espaço onde a temporalidade / ganha o seu momento histórico, / não porque reflicta a ideia do mundo / ou de tempo concebida pela política, / mas porque inventa um outro mundo / capaz de fazer sugerir a presença / do mundo em que todos vivemos. /
Neste poema, Silva Carvalho define de forma lapidar a sua insatisfação com a arte produzida no Ocidente, uma arte serva de si própria ou engajada, incapaz de dar conta do único “mundo em que vivemos”… e, para tal, procura na escrita a língua que dê conta do fulgor do presente, isto é, da nossa fugaz presença no mundo.
O arco temporal deste livro decorre entre 6 de Julho de 2000 e 30 de Outubro de 2000. Numa 2ª parte, podemos ler um conjunto de “Sonetos Imbecis”, situados entre 13-2-1984 e 15-5-1984. E, na 3ª parte, encontramos um lúcido ensaio sobre a escrita porética de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro: À Procura de uma Tradição / Alberto Caeiro, A Linguagem Porética e a Estética da Imperfeição.[1]
O título deste obra – Mediocridade - voluntária ou involuntariamente, expressa a reivindicação de reconhecer à língua uma função mediadora, uma função de vida, num tempo em que para se abafar a memória se acelera a morte das línguas: / A língua não pode ser um deserto / nem desertar o mundo, a língua / arfa no sigilo de si mesma , árdua / tarefa para quem procura sentir / a existência como coisa sensível. /(A Dor, 28-9-2000)
[1] - Perante a quantidade de disparates ensinados aos portugueses sobre este heterónimo, ainda vamos a tempo de corrigir o rumo, lendo o ensaio de S.C. E já agora porque não adoptar nas universidades um contrato de leitura que permita aos nossos estudantes ter um efectivo conhecimento de tudo o que se escreve no espaço da lusofonia, mesmo que os lentes não consigam dar conta do recado? Se isso acontecesse, não teríamos um escritor como António (não é Armando!) José Silva Carvalho, zangado com os seus contemporâneos porque estes lhe passaram ao lado e não viram… NÃO O VIERAM VER..
Em 27 de Setembro...
22.8.09
A falha...
16.8.09
Finalmente...
António Lobo Antunes, Que farei quando tudo arde? (2001)
Finalmente, conclui a leitura deste romance... De facto, agora que cheguei à página 637, sinto que deveria recomeçar a leitura, sobretudo, querendo dizer algumas palavras sobre a referida obra. Honestamente, talvez fosse melhor não o fazer, mas por respeito pelo meu velho amigo Sá de Miranda que, consciente das fraquezas do Amor e da Razão, decidiu trocar o Paço pela Arte. E por isso aqui o cito para que António Lobo Antunes compreenda que o Destino o afastou definitivamente do Paço, onde o senhor dava por nome Gil Vicente. (E nem a nova noiva lhe devolverá a Ilha para sempre perdida!)
Desarrezoado amor, dentro em meu peito,
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.
Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força; faz, desfaz,
sem respeito nenhum; e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.
Doutra parte, a Razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo; em fim, vem o seu dia:
Então não tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata treições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?
Sá de Miranda
Quando o relativismo comportamental alastrava imperialmente, qual napalm, António Lobo Antunes decidiu mergulhar nos estilhaços de uma família desestruturada, retratando-a de forma fragmentada e, sobretudo, dando espaço a descontextualizadas, travestidas e sangrentas vozes, para sempre incapazes de se libertarem de iniciáticas cenas de traição e de despersonalização.
Fascinado por essa nova realidade, o autor arrasta o leitor para um espaço circular e de non-sense, criando um labirinto em que a palavra e a imagem se tornam no único fio redentor. Quem procura acção situada no tempo e no espaço, quem procura compreender as causas e os efeitos, quem, no limite, admite a peripécia como factor de complexidade ou de equívoco, bem pode desistir da leitura…, aqui tudo se traveste, tudo se intersecciona num permanente fascínio pela enumeração verbal, pela iteração verbal, pelo tom verbal, pelo ritmo verbal, pela imagem verbal, pela metáfora luminosa, como se as coisas (a realidade) se limitassem a flutuar em torno da voz do criador…
À sua maneira, A.L. Antunes dá, neste romance (?) a mesma resposta que Sá de Miranda: Quando tudo (as coisas, os padrões) entra em decadência, então, só a linguagem pode gerar novos possíveis narrativos. Apenas a arte nos pode redimir, principalmente se porética… E quando isso acontece, a leitura torna-se lenta e dolorosa…