4.9.09

Intenções vs propostas

Há em Portugal tantos problemas que exigem resolução imediata ou, pelo menos, que necessitam de análise cuidada para que as soluções não sejam indefinidamente adiadas, e nós o que fazemos?

- Sentimo-nos asfixiados na nossa liberdade porque finalmente alguém teve a coragem de pôr termo à desinformação permanente, ao insulto e à arrogância de 2 ou 3 desbocados… ( em nome da liberdade de expressão! Mas, afinal, o que é a liberdade?)

- Desenhamos paulatinamente a árvore genealógica do chefe democraticamente eleito para, no momento certo, atirarmos para a opinião pública (o eleitorado, no caso) mais um ramo podre… Se o chefe é culpado de algum delito, porque é que não é feita prova? Não deve ser falta de empenhamento dos investigadores! Uma qualquer investigação não pode levar tanto tempo!

- Procuramos os melhores argumentos jurídicos para, no caso do povo oferecer uma maioria absoluta a Sócrates ou a Leite, podermos democraticamente impugnar as decisões do Governo… Que o povo vote, não abdique do seu direito desde que o faça a nosso contento! Cada vez mais as minorias silenciam as maiorias. Tudo porque às minorias não falta a convicção…

Não seria preferível, os candidatos à governação deste triste país apresentarem as suas propostas, debatendo-as à exaustação, para que o povo possa escolher?

Continuo sem saber quais são as propostas dos candidatos, por exemplo, nos domínios da educação e da justiça, sectores fundamentais para a resolução da maioria dos problemas nacionais. E quando refiro propostas não me estou a referir a intenções simpáticas e vagas.

3.9.09

The Fountainhead, 1949

Bénard da Costa na recensão que fez do filme The Fountainhead (Vontade Indómita) escreve: «E explica (King Vidor) que foi ao tempo da filmagem de The Fountainhead  que leu a obra de Jung e que os problemas do auto-reconhecimento, da dignidade interior e do poder e da divindade que cada homem traz em si se lhe impuseram 'If you can't find God in the expression of man, then where do you find it?'»
O arquitecto Howard Roark, inspirado no célebre arquitecto americano Frank Lloy Wright, representa todos aqueles que nascem para acrescentar ao mundo algo de  novo, insubmissos ao gosto e ao mando dos poderosos ou das turbas.
No meio da actual luta política, é bem mais fácil descobrir mil Gay Wynand / Peter Keating ( símbolo do poder dos media, das corporações, em suma do dirigismo das consciências) do que um Howard Roark. Porque será?
Este filme estreou em Portugal a 17 de Abril de 1950 e algo me diz que ele terá ajudado Vergílio Ferreira a enquistar-se contra a literatura oficial do Estado Novo, e sobretudo contra o neo-realismo português.

2.9.09

Ser claro...

Sócrates admite que errou na questão dos professores. Leite quer rever o estatuto da carreira docente. Os restantes pura e simplesmente revogam tudo. Compreende-se a posição do CDS, do PC e do BE - a chefia do governo não passa de uma miragem.
Até aqui, tudo bem. Mas o que é que Sócrates e Leite propõem para que os eleitores possam escolher?
NADA. Adiam a resposta na esperança de, embolsado o voto, fazerem o que lhes der na gana. 
É, agora, que precisamos de respostas claras para que a contestação não desça à rua já em Novembro... até porque, neste país, há quem não saiba fazer mais nada.

31.8.09

A oliveira

                                                                               Quantos anos terá esta oliveira? Apesar da doença que a esventra, persiste hirta e pronta a recomeçar a cada momento... e dá fruto a quem o quiser colher. Conheço-a há mais de 50 anos, no entanto ela parece indiferente à minha presença, um pouco como o elefante ignora a formiga...
A oliveira não avança nem cai, a oliveira cresce e permanece. Mesmo que água lhe falte por uns tempos, a oliveira nutre-se da seiva milenar que gera a vida.
Não conheço os pensamentos da oliveira, mas já percebi que ela não se deixa afectar pela propaganda nem tem qualquer tipo de inveja das minúsculas filhas que se deixaram europeizar.
À oliveira ninguém pede para votar, mas se isso acontecesse ela votaria no arco-íris...

30.8.09

Saramago, o cornaca

«A História é uma tola.
Eu não posso abrir um livro de História, que me não ria. Sobretudo as ponderações e adivinhações dos historiadores acho-as de um cómico irresistível. O que sabem eles das causas, dos motivos, do valor e importância de quase todos os factos que recontam?»
Almeida Garrett, Viagens na minha Terra
Saramago, tal como Garrett, reivindica para o romancista o privilégio de estar do lado da verdade, desde que esta dê a devida atenção ao povo. Ao escritor, iluminado, cabe o mesmo papel que ao cornaca. Montado no cachaço do elefante, o escritor, ora de fato vistoso ora imundo, conduz o povo, não a Santarém ou a Viena, mas ao cinismo e ao cepticismo. A ironia e, sobretudo, a paródia prazenteira dos valores dominantes encarregam-se de nos libertar do peso da História.
No final da leitura, fiquei como a Dona Catarina, ao tomar conhecimento da morte do elefante, Não quis saber, embora não tenha desatado a chorar…
Agora, refeito do impacto, parece-me que Saramago ficou a ganhar a Garrett. Pelo menos por uns tempos, o Ministério da Educação pode declarar A Viagem do Elefante como leitura obrigatória, pois não correrá o risco de cansar os alunos com erudição (desnecessária!), seja ela histórica, política, económica, filosófica, geográfica, literária… Afinal, quem é que tem estômago para ler As Viagens na minha Terra?
« No fundo, há que reconhecer que a história não é apenas selectiva, é também discriminatória, só colhe da vida o que lhe interessa como material socialmente tido por histórico e despreza todo o resto, precisamente onde talvez poderia ser encontrada a verdadeira explicação dos factos, das coisas, da pura realidade. Em verdade vos direi, em verdade vos digo que vale mais ser romancista, ficcionista, mentiroso.»
José Saramago, A Viagem do Elefante
Quanto mais leio Saramago mais me convenço que se ninguém tivesse inventado os milagres, ele estaria no desemprego! Quanto à História, bem sabemos que o espírito do «revolucionário” é reescrevê-la, ou, em alternativa, queimá-la. E quanto à Geografia, não vale a pena esforçarmo-nos, o santo GPS resolve! E finalmente, sobre os clercs não deixa de ser curiosa a nota (solta) na página 227: «Estas observações talvez venham a ser consideradas desnecessárias pelos leitores mais interessados na dinâmica do texto que em manifestações pretensamente solidárias…»
Ora em termos de dinâmica do texto, fiquei finalmente a compreender a gramática do autor: utiliza a mesmo do seu ilustríssimo antepassado: «tão rápido como santo antónio quando usou a quarta dimensão para ir a lisboa salvar o pai da forca.»
E a propósito, em nome de tratamento igual e solidário, é mesmo necessário eliminar os nomes próprios?
Para terminar, e de acordo com a profunda reflexão de Saramago de que não é possível descrever uma paisagem com palavras, deixo aqui uma foto por identificar, assegurando que não se trata do mar das rosas, a norte de Barcelona.

24.8.09

CEDDO

Ontem, vi o filme CEDDO (1977) de Ousbane Sembene (Senegal, 1923-2007). CEDDO documenta o processo de colonização islâmica de um reino africano. Em nome do Corão, o imã vai ao ponto de desapossar o rei do seu título, pois o termo "rei" só poderia ser atribuído a Alá, tal como proíbe qualquer ícone e ídolo. O processo de colonização recorre à eliminação de todos os sinais de identidade do grupo e do indivíduo, terminando numa guerra santa (jiad)...
O filme tornou-se me interessante porque a literatura (e o cinema) que conheço raramente abordam o papel do Islão na destruição das tradições africanas. Neste filme, curiosamente o padre, representante da colonização cristã católica, não passa de um lunático sem tropas, completamente ignorado, apesar de ser colocado no mesmo plano do comerciante europeu, mais ou menos anglo-saxónico, cujo papel é vender álcool (proibido pelo imã) e armas...
De certo modo, Ousbane Sembene documenta a história da colonização: 1º Cristo, depois Maomé que mantém o seu domínio até hoje, apesar da resistência, sobretudo, feminina. De facto, a mulher africana, na maioria dos países continua a ser a maior vítima da colonização islâmica... No essencial, ficou-me a pergunta: - O que é que é mais importante o ser humano ou a religião?

23.8.09

MEDIOCRIDADE...

Nota crítica

António José Silva Carvalho (Vila do Conde, 1948) tem feito o favor de me oferecer os seus livros a que, infelizmente, não tenho dado a atenção que merecem. Confesso que a leitura nem sempre é fácil e nos tempos apressados que nos governam o mais fácil é suspender a leitura…

Por coincidência ou talvez não, decidi levar a bom porto a leitura de duas obras, à partida resistentes e muito diferentes, mas que, afinal, talvez o não sejam: - Que Farei Quando tudo Arde? (D. Quixote, 2001), de Lobo Antunes; Mediocridade (Aquário, 2000), de Silva Carvalho. De facto, Silva Carvalho, no poema “Insignificação”, datado de 6-10-2000, interroga-nos, à semelhança de Sá de Miranda: / que se poderá viver quando a vida arde / e arfa nos mimetismos da presença? / Tanto Silva Carvalho como Lobo Antunes suspendem os géneros literários em que se inscrevem. Coincidências!

No caso do autor de Mediocridade, a pretendida auto-exclusão da poética de raiz greco-romana leva-o, em compensação, à defesa de uma linguagem porética que define, no texto ENTRE do seguinte modo: / A linguagem porética é um discurso / entre, entre a poesia e a filosofia, / capaz por isso de fazer interpenetrar / a abstracção do pensamento tacteante / no tecido afectivo da expressão lírica. / É um espaço onde a temporalidade / ganha o seu momento histórico, / não porque reflicta a ideia do mundo / ou de tempo concebida pela política, / mas porque inventa um outro mundo / capaz de fazer sugerir a presença / do mundo em que todos vivemos. /

Neste poema, Silva Carvalho define de forma lapidar a sua insatisfação com a arte produzida no Ocidente, uma arte serva de si própria ou engajada, incapaz de dar conta do único “mundo em que vivemos”… e, para tal, procura na escrita a língua que dê conta do fulgor do presente, isto é, da nossa fugaz presença no mundo.

O arco temporal deste livro decorre entre 6 de Julho de 2000 e 30 de Outubro de 2000. Numa 2ª parte, podemos ler um conjunto de “Sonetos Imbecis”, situados entre 13-2-1984 e 15-5-1984. E, na 3ª parte, encontramos um lúcido ensaio sobre a escrita porética de Fernando Pessoa / Alberto Caeiro: À Procura de uma Tradição / Alberto Caeiro, A Linguagem Porética e a Estética da Imperfeição.[1]

O título deste obra – Mediocridade - voluntária ou involuntariamente, expressa a reivindicação de reconhecer à língua uma função mediadora, uma função de vida, num tempo em que para se abafar a memória se acelera a morte das línguas: / A língua não pode ser um deserto / nem desertar o mundo, a língua / arfa no sigilo de si mesma , árdua / tarefa para quem procura sentir / a existência como coisa sensível. /(A Dor, 28-9-2000)



[1] - Perante a quantidade de disparates ensinados aos portugueses sobre este heterónimo, ainda vamos a tempo de corrigir o rumo, lendo o ensaio de S.C. E já agora porque não adoptar nas universidades um contrato de leitura que permita aos nossos estudantes ter um efectivo conhecimento de tudo o que se escreve no espaço da lusofonia, mesmo que os lentes não consigam dar conta do recado? Se isso acontecesse, não teríamos um escritor como António (não é Armando!) José Silva Carvalho, zangado com os seus contemporâneos porque estes lhe passaram ao lado e não viram… NÃO O VIERAM VER..