27.9.13

Cachorros fomos, cãezinhos semos...

«Ó meu santo Nicodemos,
Cachorros fomos, cãezinhos semos,
livrai-nos da esmola do Diabo
que é a pedra fora de mão,
jogada à tola, jogada ao rabo,
contra um cãoAquilino Ribeiro

Só os rafeiros é que andam de pata estendida, sujeitando-se ao humor do dono!
Nas últimas semanas, a caravana autárquica percorreu o país, repetindo um número patético: tambores, cabeçudos e figurantes percorreram, apressados, as ruas e as praças, vozeando, sem uma visão de como o poder local pode ajudar o poder central a livrar-nos da esmola do Diabo...
Pelo contrário, parece que, no próximo domingo, o eleitor vai ignorar  os sicários da nação.
E atenção! A culpa não é do Diabo!
Cachorros fomos, cãezinhos semos!
 

25.9.13

A sua Escola já não existe!

Ultimamente, pareço querer tudo compreender e, sobretudo, interpretar, e, não contente, desatei a querer ensinar a compreender e a interpretar.
Recorro ao texto e ao intertexto, ao tema e à isotopia, sem esquecer o sema, ponho em ordem a cronologia, dando relevo à analogia, percorro o Parque Mayer, desço a Avenida e, sem saber como, chego ao cais de Alcântara, com uma breve passagem pelo Ralis.
Sonho com os mares de Timor e tropeço na beatitude dos meus ouvintes que, respeitosamente, preguiçam à espera do inexistente toque da campainha...
 
E subitamente a VOZ do Além: - Ó homem, acorde! A sua Escola já não existe! Foi extinta!

24.9.13

Notas por resgatar

  1. De cada vez que o primeiro ministro sofre uma contrariedade lá vem a promessa de que irá rever a lei. A oposição que se cuide! Vai ter que acompanhá-lo no ajustamento da Lei à sua "realidade". No caso, o senhor não prescinde da televisão!
  2. Se bem percebi o fidalgo das laranjeiras está contra os candidatos a autarcas que «não sejam de boas contas ou não saibam fazer contas».  Este mesmo fidalgote acaba de recuperar o significado original do termo "freguês"- o habitante da freguesia. Um contributo assinalável para a recuperação da língua portuguesa!
  3. O ministro das piruetas acaba de reconhecer que as crianças, afinal, devem ser iniciadas na língua inglesa. Sem esquecer o ensino educacional! Parece que as crianças que optem por este ensino serão mais felizes e mais educadas... acabo de ouvir um jovem que deixou de «chamar nomes» aos professores e sobretudo de faltar à escola. Os patrões poderão, assim, moldar os novos operários e pagar-lhes o que bem entenderem.  Um bom exemplo de flexibilidade...
  4. Com tantos sinais de recuperação da economia, não se percebe porque é que se continua a falar de "resgate"!
  5. Com a natalidade a decrescer e a mortalidade a crescer, hoje terá sido um dia triste para a Caixa Geral de Aposentações e para a Segurança Social. Não consta que algum poeta tenha morrido neste país onde a poesia vive de subsídios...

23.9.13

António Ramos Rosa

Entrega-se
como para morrer
mas não morre

É demasiado rígida
e não tem gretas
não estremece

Cai
vai caindo
sem atingir o repouso
sem oferecer o rosto

à terra
que ela chama

(JL, Ramos Rosa, 13.11.1990)


Rosa, António Ramos[1] (17.10.1924 -21.09.2014). Fez estudos liceais no Algarve (Faro, até ao 6º ano do Liceu) e trabalhou como empregado de escritório, actividade que abandonou, sendo explicador e tradutor (durante mais de 20 anos). Foi co-responsável pela edição das revistas: Árvore; Cadernos do Meio-Dia. Foi um elemento activo do MUD Juvenil, tendo sido presidente da Comissão Distrital de Faro. Esteve 3 meses preso no Aljube por ter subscrito um manifesto por ocasião da comemoração do 5 de Outubro de 1947. Considera-se um antifascista genuíno, simpatizando com a democracia directa. Entende a poesia como forma de conhecimento, como arte do impossível, um acto fundador, para dissipar o que está escrito[2]. Em 1971, Ramos Rosa rejeita o Prémio Nacional de Poesia, concedido ao livro “Nos Seus Olhos de Silêncio”, porque se aceitasse entraria no jogo de compromisso com o fascismo.[3] Quanto às influências de João Cabral de Melo Neto, considera-as muito pequenas[4]. É de 1958, o seu poema «O funcionário cansado”: / Sou um funcionário apagado / um funcionário triste / Obra: Grito Claro (1958); Viagem através duma Nebulosa (1960); Poesia, Liberdade Livre (ensaio, 1962); Ocupação do Espaço (1963); Construção do Corpo (1969); Nos seus olhos de silêncio (1970); Não Posso adiar o Coração (1975); As Marcas no Deserto;[5]  Gravitações (1983); Incisões Oblíquas (ensaio, 1988); Acordes (1989)[6]; Pátria Soberana (2001); Os Volúveis Diademas (2002), ed. Ausência; Em 1988, recebeu o Prémio Pessoa pelo conjunto da sua obra. Para A. Ramos Rosa: «a prática poética ou artística é sempre um fenómeno social que só se justifica e identifica pela sua inerente capacidade subversiva.»[7]

(Nota de leitura necessariamente incompleta.)


[1] - Não posso adiar para outro século a minha vida / nem o meu amor / nem o meu grito de libertação / não posso adiar o coração. // Não posso adiar / ainda que a noite pese séculos sobre as costas / e a aurora indecisa demore./
[2]  - / É preciso queimar os livros e calarmo-nos / Esta é a matéria bárbara a matéria viscosa /
[3] - Entrevista conduzida por José A. Salvador, Diário Popular.
[4] - No entanto, reconhece influências de Drummond de Andrade e Paul Éluard, assim como dos poetas espanhóis da geração de 27  (Guillén, Vicente Aleixandre e Pedro Salinas). E ainda dos norte-americanos: Theodore Roethke e Wallace Stevens.
[5] - Livro oferecido aos 80.000 jovens que se reuniram em Bolonha, em 1977.
[6] - Prémio de Poesia APE /CTT.
[7] - Entrevista dada a Baptista-Bastos, a 9 de Abril de 1981.

22.9.13

As eleições de 29 de Setembro são cruciais

As eleições autárquicas de 29 de Setembro são cruciais! 
Chegou a hora de dizer basta à coligação governamental, aos banqueiros e a todos os oportunistas dispostos a continuar o esbulho.
Argumentar que estas eleições são locais e que por isso não podem ter significado nacional é um atentado contra a inteligência dos desempregados e dos espoliados. Se não tivermos a coragem de dizer não à coligação governamental e ficarmos à espera das eleições legislativas de 2015, cedo perceberemos que o abismo não tem fundo.
Se a vontade popular se exprime na mesa de voto, mesmo que não tenhamos nada a apontar ao autarca que se recandidata ou que se candidata a nova autarquia, então há que não esquecer que, na maioria dos casos, a conivência ideológica é causa do pântano em que nos vamos atolando.
Apesar das manifestações e das greves serem armas importantes no combate político, espero que saibamos dignificar o voto como instrumento primordial na luta pela soberania e pela sobrevivência. 

21.9.13

Admirar é relacionar



Na infância «A minha retina podia comparar-se, pela sensibilidade, à da película fotográfica, susceptível de fixar imagens plurais. Impressionava-se, por conseguinte, de tudo o que se lhe pospunha. (…)  / Mas esta passividade viva perante os fenómenos não me conferia o poder de admirar. Admirar é relacionar, operação que estava acima dos meus recursos cerebrais.» Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de Gente, Círculo de Leitores, pág. 72.

Mas quem é que ainda tem disponibilidade para relacionar? E como é que se relaciona se não houver aproximação? Se hoje se admira tão pouco não é por causa desse tempo em que tudo era poroso, em que tudo ficava na retina, mas porque, paradoxalmente, vivemos distantes, apesar dos mil “likes” que insistimos em pospor…

Na Jardim da Estrela, ainda há alguma proximidade. Se olharmos de perto, vemos uma multiplicidade de grupos à procura do respetivo centro. Mas parece que todas estas pessoas fogem da lavagem ao cérebro que se instalou nas aldeias e cidades deste triste país…

Na verdade, há muito poucos candidatos autárquicos dignos de serem admirados! Com obra ou sem ela, a maioria só busca a Fama, um lugar que lhes dê poder e os ponha bem longe da pobreza.

Se soubéssemos relacionar, no dia 29 de setembro, teríamos uma enorme dificuldade em votar!

20.9.13

Um outro modo de ler

« - Ainda houve aquele revolucionário jurar de bandeira nos Ralis - retomo o fio primeiro da conversa, nódoas como a da gravata do senhor conde até numa revolução tão generosa -, a pilhagem da embaixada de Espanha, a agitação nas ruas, a sublevação nas escolas e outros desmandos...», Fernando Campos, O Sonho, edição Expresso 2003, Os Lusíadas, canto IV, comentários de José Hermano Saraiva, ilustrações de Pedro Proença.
As imagens desaparecidas de um acontecimento (21.11.1975) que, aqui, coloquei eram  para que os meus alunospudessem interpretar o conto selecionado para dar início a este ano letivo. Caso contrário, tal como o Parque Mayer não passa de uma misteriosa referência, também os momentos de euforia nacional se terão esfumado irremediavelmente. Há debates, que para serem encetados, exigem muito mais do que ter opinião...