20.3.14

A Primavera que o não é

A Primavera nem é prima nem é vera!
Não é vera porque tudo soa a embuste e não é prima porque já vem gasta...
Até parece que os sinais de vida só agora começam a piscar... um pouco como se no resto do ano estivéssemos de luto.

Pássaros tontos, andamos por aqui às voltas, à espreita da semente podre até que o passarinheiro nos capture.

19.3.14

Com a idade aprendemos...

Com a idade aprendemos que há comportamentos que não mudam mesmo que as certezas diminuam. Isso acontece geralmente com os falsos rebeldes que, na verdade, tudo fazem para esconder as fraquezas que os atormentam...
Num país de gente fraca, quem comanda é a fanfarra e a fanfarronice torna-se genuína. Irresistível!

No entanto, no mesmo país, ainda há gente aprumada, que merece a nossa consideração, sobretudo quando, pelo trabalho e pela inteligência, se supera e nos surpreende...

Com a idade aprendemos a tolerar os primeiros e a incentivar os segundos. Convém é que o façamos com elegância!

18.3.14

Três notas sombrias

I - Sempre  gostei da convicção e do sentido de humor de Medeiros Ferreira (1942-2014). 
Homem sólido na argumentação, profundo conhecedor do passado que lhe servia de trave-mestra para projectar o futuro, habituei-me a escutá-lo com atenção...
Incómodo para muitos, sem voltar a cara à luta, viu-se preterido por jovens turcos sedentos de poder. E por isso o país perdeu ao não aproveitar plenamente o seu conhecimento, a sua inteligência, a sua visão...

II - E a propósito de outros jovens, não posso deixar de anotar quão desagradável é lidar com juvenis certos de que já são adultos, que a toda a hora gritam a sua mediocridade, apesar de convencidos que já encontraram a chave do mundo...
          um mundo pequenino, todo feito de grunhidos, empandeirado, tolo.

III - À porta fechada, Passos e Seguro negociaram, convencidos da «insanável divergência». Em política, não pode haver lugar para discordâncias irremediáveis. E se tal acontece é porque a classe política não passa de um bando de jovens turcos, de juvenis convencidos!

17.3.14

A descrição


De fora ou de dentro, recanto. Outrora, portão de acesso ao Jardim botânico. Fechado a cadeado ferrugento, ninguém ali atravessa…
De fora ou de dentro, recanto envelhecido, abandonado, por vezes latrina. Descrevê-lo é percorrer o tempo, mas quem quer fazê-lo?
Hoje, procurei explicar que a descrição não é apenas criação de espaço; a descrição dá conta do tempo, narra um tempo de que as personagens se afastaram. Na pena de escritores como Eça ou Saramago, a descrição é personagem que, se incompreendida, vira recanto…
O sonho do escritor só se afirma pela descrição criativa, mesmo que sob a forma da analogia. E por isso também procurei explicar a analogia, pois navegar no espaço (ou na net) pressupõe a derrota das naus…
E quando o objeto da descrição parece tristonho, frio e severo, o escritor lança mão da ironia…
Como o esforço de nada serve,  a personagem sai,  fica somente a cena…

16.3.14

Pensei acampar ali



As árvores continuam de pé. O borboletário só abre a 21 de março.

Os periquitos-de-colar ausentaram-se sem aviso prévio. No entanto, depois de olhar a copa das árvores, percebi o motivo da ausência: faltam as sementes e as bagas…

Há neste jardim uma particularidade intrigante. À exceção de três ou quatro espécies comuns, as aves não abundam. Parece que os jardins universitários perderam o pio!

Ainda assim, sempre é possível observar uma escultura vegetal em fim de ciclo e uma instalação cubista sem qualquer explicação. Cansado como ando, pensei em acampar ali…

Claro que outros olhos, mais deslumbrados, terão dado conta das hierofanias, terão ligado terra e céu, terão mergulhado no sagrado! Só que esse deslumbramento vai morrendo na velha árvore que, na melhor das hipóteses, alimenta os vermes da terra…

/MCG

15.3.14

O rei coelho descontextualizado

«... os coelhos são sempre os mais espertos, nas histórias. O coelho leva sempre a melhor ao leão, ao javali, ao elefante, ao leopardo e a todos os animais da selva. E porque é o mais forte, é ele o rei.» Teolinda Gersão, A Árvore das Palavras, 1997.

Embora não conheça pessoalmente Teolinda Gersão, prometi-lhe que iria ler o seu romance "A Árvore das Palavras". Como detesto incumprimentos, comecei hoje a leitura desta obra cuja ação decorre em Moçambique.
O desenho da narração, apesar do tom lírico, não foge por enquanto à tradicional dicotomia branco vs negro e o ponto de vista do narrador favorece a alma negra...
Só que repentinamente a leitura suspende-se, descontextualiza-se e lembra-me um outro coelho, que outrora viveu em Angola... 
E não posso deixar de cismar quão perniciosas podem ser as histórias de animais contadas a certas crianças!

14.3.14

Procuro a palavra...

Procuro a palavra que melhor dê conta do meu estado.
Gero uma lista em que não faltam cansaço, frustração, desilusão, humilhação, roubo, engano... mas nenhuma delas exprime a totalidade do meu estado... Basta-me dar dois passos e, de imediato, sinto o peso do corpo. Um peso insuportável, asfixiante! 
Se paro, logo uma nuvem negra rompe sobre o lado esquerdo e fica a pairar, ameaçadora... Poder-se-ia pensar que o repouso seria capaz de afastar o agouro, mas não. De todas as palavras enunciadas, há as que são externas - frustraçãodesilusãohumilhaçãorouboengano. Todos conhecemos os agentes e a impunidade em que vivem. Todos sabemos os nomes dos que nos oprimem!
Há, todavia, uma palavra que é visceral - o cansaço - e que, no meu caso, se manifesta em peso, nuvem fechada...

(Por um instante, penso que, também, eu parti no avião malaio e que o meu peso foi suficiente para o abismar.)