26.5.14

O absentismo

«E vivemos de maneira / que a vida que a gente tem / É a que tem que pensar.» Fernando Pessoa, 18.09.1933

Face aos resultados das últimas eleições, apetece condenar o absentismo e, sobretudo, a falta de sinais claros de mudança. O contentamento de vencedores e perdedores é um indicador do estado de decadência a que classe política chegou...
Nestas eleições, o absentismo de mais de metade da população é que merece ser pensado. Os cadernos eleitorais continuam por atualizar; o e-fatura é uma realidade, mas o voto eletrónico não passa de miragem num país onde os jovens, reféns da web, não sabem o que é deslocar-se a uma mesa de voto ou, emigrados, não podem deslocar-se aos consulados... sem falar do elevado número de idosos, sem transporte, acamados ou simplesmente descrentes...
Falta pouco mais de um ano para as eleições legislativas, e nada irá ser feito, nos próximos meses, para atualizar os cadernos eleitorais e para introduzir o voto eletrónico.
Finalmente, embora possa apetecer condenar o absentismo, a verdade é que a maioria dos abstencionistas é o retrato do estado de pobreza a que o país chegou. E dos pobres idosos, de meia idade, jovens, não é de esperar que vão votar a não ser que surja uma esperança de mudança que, infelizmente, acabará por se elevar dos escombros dos valores democráticos...
Os resultados por toda a Europa já prenunciam um novo tempo, inevitavelmente, de maior exigência e  violência...

25.5.14

O muro

O muro é sempre o mesmo. Eu caminho ao seu lado, perscruto-o e ele nem sequer me devolve o eco das minhas palavras. É verdade que a culpa não é dele, o meu silêncio é antigo; braços caídos, vou avançando o passo sem fazer qualquer tentativa para o escalar…
Já nem sei se o muro sempre ali esteve, se fui eu que o criei. Paradoxalmente, as suas metamorfoses incendeiam-me o olhar. Fogo-fátuo! A alma ainda se demora um pouco… Por quanto tempo?
«Triste de quem é feliz! /Vive porque a vida dura.» FP / O Quinto Império

24.5.14

Contrastes e não só...

O dia é de reflexão e de futebol. Mas como? As atividades são incompatíveis. Ainda pensei entrar na igreja, mas o casebre ao lado lembrou-me o verso de Cesário Verde: «Inflama-se um palácio em face de um casebre.» Este é daqueles versos que nunca consigo esquecer...
Entrei na Segunda Circular - por volta das 14h45 - e não vi sombra de invasão castelhana!
A última, a sério, data do século XIV. Ainda pensei que os castelhanos da atualidade tivessem substituído a cavalaria pela aviação, mas não enxerguei sinal de qualquer anti-aérea no quartel. Deserto como as ruas, não vi qualquer explicação para a sua manutenção.
No entanto, lembrei-me, de imediato: «Partem patrulhas de cavalaria / Dos arcos dos quartéis que foram já conventos; / Idade Média! A pé, a passos lentos, / Derramam-se por toda a capital, que esfria.
Sempre Cesário Verde!
A reflexão não necessita de Igreja nem de Quartel. Está feita desde o golpe de estado de 2011...
Na verdade, o que me interessa é a clivagem (o contraste) entre países, entre profissões, entre ricos e pobres... 
O que me interessa é que o dia de reflexão e de futebol não se esgote na alienação...

Apelo ao voto…

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Na véspera da ida às urnas, a minha reflexão é simples: jamais compreenderei o ato de todos os que podendo votar o não fizerem.

23.5.14

Um instante!


Quando o ruído aumenta, procuro o silêncio discreto das alamedas desertas. Pura ilusão! A vida espreita sem alarme e dá-me mais um instante. Um instante!

22.5.14

A minha máscara original é vegetal

How many masks wear we,  and undermasks,
Upon our countenance of soul, and when,
If for self-sport the soul itself unmasks,
Knows it the last mask off and the face plain?
       Fernando Pessoa, Sonetos Ingleses

Ah quantas máscaras e submáscaras,
Usamos nós no rosto de alma, e quando,
Por jogo apenas, ela tira a máscara,
Sabe que a última tirou enfim?
        Trad. de Jorge de Sena

De tempos a tempos, vejo-me envolvido em jogos de máscaras. E sempre que tal acontece, surpreendo-me a observar a matéria de que elas são feitas. A materialidade da máscara! Severa, hilariante, trocista, cínica, austera, sedutora, imberbe, convencida, secreta, a máscara avança e arrasta-me numa dança abismal.
As máscaras avançam para mim, mas não se sobrepõem, podem disputar-me, mas não se atropelam. Se as observo uma segunda vez, elas põem-se em fuga... elas temem que as denuncie...
Ensinaram-me que a máscara é antiquíssima, que subiu ao palco para esconder a identidade, para fingir ser quem não é.... Ensinaram-me que a máscara é filha do subconsciente, do padrão de cultura, do superego, de Zeus...
No entanto, a minha máscara original é vegetal, uma parra esquecida no Éden à espera da nudez inicial...   

(No segundo dia de avaliação externa, a máscara continua azul...)

21.5.14

Notas de um individualista, trabalhador

O  meu problema, de momento, é perceber o que é um cluster e, sobretudo, que posição é que eu ocupo no seu interior. Já percebi entretanto que tenho andado desenfiado. Em rigor, eu pertenço ao "cluster " dos camponeses e deveria estar classificado como excelente, muito bom, bom, suficiente ou insuficiente  -"camponês".
Por ação de uma senhora professora, Mécia, de seu nome, fui desviado do "meu cluster" e posto a estudar para servir Deus e o Estado. E aí, perdi-me definitivamente. Entrei num outro "cluster", que não me estava destinado, e fui subindo, e já longe do Altar, vi-me certificado como mestre... E como estava muito longe do ponto de partida, comecei a cair. Hoje, já não sou mestre, nem professor, nem pai (só pago as contas!), nem aluno, nem trabalhador não docente. Sou, por enquanto, trabalhador, por decisão de um "cluster" secreto. Falho de humor e de inteligência, resigno-me, apesar de desconfiar das certezas que permitem premiar os esforçados e ignorar os menos prendados, porque consta que a clusterização está normalmente associada com a análise exploratória, pois envolve problemas em que há pouca informação a priori acerca dos dados (por exemplo, modelos estatísticos), e poucas hipóteses podem ser sustentadas. Análise de Dados em Bioinformática – Profs. Moscato & Von ZubenDCA/FEEC/Unicamp

Precisamente, por haver pouca informação e pouca verdade, aproveito para lembrar aqui que a focalização é omnisciente se ilimitada quanto ao âmbito e alcance que atinge e aos elementos informativos que faculta; a focalização é interna se condicionada pelo campo da consciência de uma personagem inserida na história. Carlos Reis, O conhecimento da Literatura,1995, pág. 366, Almedina.

Servem estas notas vários propósitos. Lembrar que: Quem rouba a ladrão tem cem anos de perdão e não de solidão; b) O segredo é a alma do negócio; c) a focalização interna corresponde a um avanço civilizacional, atingindo o grau de excelência quando a focalização se torna polifónica; d) o "cluster" é uma nova forma de simular a mobilidade social e cultural; e) o inquiridor só produz narrativas fechadas e seguramente omniscientes, tendo necessariamente um poder absoluto sobre o tempo que, todos sabemos, adora devorar os homens...