9.6.14

Saber ler Os Lusíadas


(...)
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse e sede imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

Este rende munidas fortalezas;
Faz trédores e falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos;
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências.

Este interpreta mais que sutilmente
Os textos; este faz e desfaz as leis;
Este causa os perjúrios entre a gente
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude!
Camões, Os Lusíadas, Canto VIII, estâncias 96 a 99

Amanhã, celebra-se o quê? Será que no tempo de Camões ainda havia alguma coisa para enaltecer? De regresso à Guarda, mas não a Jorge de Sena, amanhã ninguém lerá os versos que escolhi e que melhor dão conta do estado em que a nação mergulhou...
Definido o tema - o encantador dinheiro - e o interlocutor, raro, "o juízo curioso", o Poeta constrói anaforicamente o retrato da Pátria: o dinheiro tudo compra, tudo corrompe - realeza, nobreza, clero, ciência, exército, justiça... nem a inocência lhe resiste... nem a hermenêutica foge à manipulação do texto... o próprio povo se deixa endemoninhar...

Camões confessa, mais uma vez, o seu desencanto, sabendo que os juízos curiosos, isentos, são raros porque a isenção só vive naqueles que todos os dias procuram aprender a ler... E quem souber ler estas estâncias reconhecerá que as palavras do Poeta são o retrato da Pátria de hoje e dos homens que amanhã não terão qualquer pejo em citá-lo, mesmo que saibam que o encantador dinheiro lhes comprou a alma. 
Autor:MCG  

8.6.14

Fatias de outro tempo

Figueira, videira, oliveira, laranjeira, amendoeira… 
Estávamos nos anos 60 do século passado. O granizo destruíra a vinha, derretera a flor. O salto fora imediato!
E eu, também, acabei por partir. Para lá das muralhas, havia um corredor com 15 gabinetes de banho de cada lado. Seriam mais? Portas sempre abertas para que as sotainas pudessem censurar. O banho era diário, às 7h15, e durava no máximo 3 minutos… Por vezes, a água fria só corria!
Para lá das muralhas, havia um dormitório. As lâmpadas apagavam-se às 21 horas. Inexoravelmente!  Silêncio! Os braços ficavam de fora a acompanhar castas e tácitas promessas…
(…) Eu não nasci em Briandos, nunca lá fui e por isso não poderei lá voltar, ao contrário da personagem Branca (Natália Correia, A Madona, 1968) que de lá saiu para se libertar do despotismo patriarcal, não deixando, contudo de lá regressar.
Branca partiu para Paris com o projeto materno de ser «bailarina ou qualquer outra coisa em que sejas tu mesma (…) para que não te aconteça…». Em Paris entregou-se ao sexo ( e à indagação do amor). Em casa de Françoise, a promiscuidade era absoluta. A emancipação pela assunção da sexualidade! Nas cidades europeias, Branca procura respostas impossíveis para as questões existenciais que se lhe vão atravessando ao caminho…
Nos anos 60, o mundo que nos separava era tremendo: Havia os que procuravam o pão no trabalho ou num Deus castrador, e os outros, os filhos de Deus, procuravam a felicidade no sexo e na droga… (Da emancipação à alienação... Todos queriam SER / PODER. E o que restava era NADA!)
De salto, nos anos 60, chegava-se a Paris. Mas havia quem lá chegasse com o passaporte na mão!
Nos anos 60, havia quem vivesse cercado por muralhas, sem esquecer os que não tinham tempo para conhecer o efeito das minas…
/MCG

7.6.14

Garras famintas


Neste lugar, o pelourinho situa-se mais perto da Igreja do que da Câmara Municipal. Terá sido este o meio encontrado para  afrontar o Clero?
O nome pelourinho tem sua origem na bola que encimava a coluna (em latim, denominada de "pirorium") e que era construída sobre um pedestal, com a escadaria feita de pedras. Na sua origem, o “pelourinho” simbolizava a autonomia administrativa da vila, assegurada pelos homens bons (vereadores)…
Os pendentes de ferro ou de bronze já só servem para me lembrar o quão agrilhoado estou, não por decisão do Fado ou de um Deus irado, mas por pactuar com os homens que vivem segundo os seus caprichos mesmo que tal signifique que os abutres me desfaçam as entranhas…
A diferença é que o pelourinho representava o poder dos povos face à realeza, à nobreza e ao clero e, hoje, enquanto me vejo amarrado à pilastra, apenas sinto as garras famintas.

6.6.14

Sobre o corpo da Ibéria

Como ondulada capa de miséria / A cobrir de negrura a cor das chagas, / Assim és tu, crosta de velhas fragas / Sobre o corpo da Ibéria. Miguel Torga, Ibéria

Hoje, quero destacar a singeleza e a beleza de Cabeço de Vide.
Ao procurar as termas sulfúreas, acabei por me deparar com o que resta do Portugal de outrora –  sinais de grandeza corroída pela desnecessária fronteira…  E, também, comprovei a falta de transporte ferroviário e viário que deveria ajudar a viabilizar a riqueza natural e patrimonial…
Infelizmente, não  tive tempo para visitar Fronteira, apenas relembro  o conto “Fronteira” de Miguel Torga: « E aí começam ambos a trabalhar, ele (Robalo) em armas de fogo, que vai buscar a Vigo, e ela (Isabel) em cortes de seda, que esconde debaixo da camisa, enrolados à cinta, de tal maneira que já ninguém sabe ao certo quando atravessa o ribeiro grávida a valer ou prenha de mercadoria.»
  Novos Contos da Montanha

5.6.14

Entrei hoje no limbo

Peço desculpa por ter cedido à tentação de, em post anterior, ter citado Passos Coelho. Deveria ter evitado tal referência, anódina.

Não deveria envolver-me em questões cavernosas, pois, desde manhã cedo, me interrogo sobre o que irei fazer logo que a Caixa Geral de Aposentações me conceda a reforma antecipada, apesar dos 40 anos de serviço público e privado.
Não tendo sabido responder aos meus alunos do 11º ano se me voltariam a ver na sala de aula em setembro, sei, contudo, que, a breve trecho, terei de encontrar uma atividade remunerada fora do Estado.

Pode parecer estranho, mas, na verdade, uma penalização de 35% (ou mais), resultante da aplicação da lei 11/2014, de 6 de março, obriga a regressar rapidamente ao mercado de trabalho.
Claro que há quem pense que o melhor seria manter-me como funcionário público. O problema é que nunca acreditei em milagres económicos portugueses! E como não há milagres, os servidores do Estado continuarão sob a espada de Dâmocles: mais trabalho, menos remuneração, menos progressão e menos pensão de reforma...

Entrei hoje no limbo. Vamos ver porquanto tempo! 

Passos quer "melhores juízes" no Constitucional, e nós?

Passos quer "melhores juízes" no Constitucional, e nós?
Nós queremos melhores governantes!
Nós queremos menos e melhores deputados!
Nós queremos o fim das clientelas partidárias!
Nós queremos o fim dos monopólios!

4.6.14

As palavras dos poetas e as palavras do dia-a-dia


Uma distinção simples que insistimos em não aplicar…
Cultivamos o idiotismo, a obscenidade e o ruído…



Ao lado, no Auditório da Escola Secundária de Camões, o Camusicando celebra o 3º aniversário. O Programa é vasto, dando conta da crescente importância que a iniciativa da professora Ângela Lopes foi granjeando…
Creio que, hoje, é justo afirmar que o Camusicando é uma verdadeira atividade integradora, permitindo a aproximação cultural, artística e afetiva a todos os que ao longo de cada ano vão participando no projeto.